A pandemia levou não apenas empresas de diferentes setores a se reinventarem para driblar a crise econômica, como também trabalhadores autônomos, entre eles os escritores. E, na onda da digitalização, estes profissionais encontram nas plataformas independentes de publicação uma nova oportunidade para lançar seus livros e conquistar outros públicos.
“No Brasil e no mundo todo, a autopublicação está se tornando o principal canal para se iniciar novos talentos, gerar novos best-sellers e, consequentemente, sedimentar o que acabará sendo a literatura clássica no futuro”, afirma Ricardo Almeida, CEO do Clube de Autores. “Este ambiente vem ganhando importância tanto para que os autores possam escoar suas histórias, quanto para que os leitores localizem com facilidade narrativas que são contemporâneas às suas vivências e experiências”, completa.
Desde 2009, o Clube de Autores, uma das principais plataformas de autopublicação do país, revela novos talentos e obras no ambiente digital e diversifica o universo literário. Como uma opção às editoras convencionais, a plataforma permite que um autor-usuário publique seus trabalhos no formato e-book e os disponibilize para a venda em diversos marketplaces, aumentando o seu alcance para a conquista de novos leitores. Segundo Almeida, esse movimento cresceu ao mesmo tempo que as grandes redes de livrarias foram entrando em recuperação judicial. Mas a preferência pela digitalização dos livros foi superaquecida pela pandemia. “Com o fechamento das livrarias por causa da crise sanitária, muitos escritores estão migrando do offline para online, uma vez que os leitores e as pessoas que costumavam visitar esses estabelecimentos agora estão no mundo virtual.”
Neste contexto, o Clube de Autores teve resultados expressivos em 2020, com cerca de 15 mil livros publicados, 18% a mais em relação a 2019. A empresa registrou, ainda, um aumento de 40% no número de exemplares vendidos, com um lucro em torno de R$ 8,5 milhões. “Lançamos, em média, 40 novos livros por dia. E, em 2021, estamos chegando a 50. Neste ano, prevemos também um aumento de 20% nas publicações e uma margem de lucro duas vezes maior do que em 2020, pelo menos R$ 17 milhões”, afirma o CEO.
Desde a sua chegada ao Brasil, em 2012, a plataforma de publicação independente Kindle Direct Publishing (KDP), da Amazon, também é vista como uma das principais portas de entrada de novos autores no universo editorial. Por meio do tradicional e-commerce da Amazon, essas obras estão conquistando cada vez mais o interesse dos leitores, segundo Alexandre Munhoz, gerente-geral de livros da Amazon Brasil. “Hoje, temos mais de 100 mil obras publicadas no país. Entre as 100 mais vendidas pelo e-commerce, 30% delas são livros digitais de autopublicação pela KDP, ou seja, de autores independentes que estão chamando a atenção do público pela qualidade dos seus trabalhos”, pontua.
Para Munhoz, as plataformas como a KDP contribuem para impulsionar a bibliodiversidade, ampliando as opções de leitura, gêneros e possibilidades de espaço para os autores. “Nesses ambientes, as pessoas têm mais facilidades para encontrar o que querem ler e descobrir novas narrativas. E isso cria um um círculo virtuoso para a leitura, porque quanto maior for o acesso a livros de gêneros diferentes, maior será o interesse do público. É essa diversidade que também atrai muitos autores às plataformas.”
POR QUE PUBLICAR EM UMA PLATAFORMA INDEPENDENTE
As plataformas de publicação se tornaram atraentes, em primeiro lugar, pelo aspecto da agilidade: os autores podem divulgar suas obras e disponibilizá-las para leitura e venda em até 72 horas. Além disso, esses ambientes oferecem aos profissionais um maior alcance, já que eles podem escolher para quantos países querem vender seus livros.
Outro aspecto deste negócio, segundo Ricardo Almeida, é a sua associação com marketplaces, que junto a essas plataformas ampliam a distribuição. “Quando o autor publica um livro conosco, a obra já estará, automaticamente, disponível em todos os marketplaces e livrarias que vendem online. E assim a distribuição se torna gigantesca”, explica.
As ferramentas de publicação digital são vistas como uma alternativa de fonte de receita muito atraente para os autores. Em primeiro lugar por oferecer livros com valores mais baixos do que a média nacional, já que não envolvem custos de impressão. E, principalmente, por garantir aos autores a liberdade para definirem seus preços. “O autor pode estabelecer um valor apropriado para seu livro, além de criar promoções e ativações em redes sociais. E no caso do KDP, a ferramenta permite até 70% de royalties que ficarão retidos com o profissional”, afirma Munhoz. Para o gerente-geral de livros da Amazon Brasil, essas ferramentas também trazem segurança aos autores sobre suas obras, já que os direitos autorais são 100% deles.
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Por outro lado, o CEO do Clube de Autores conta ter percebido que, além das vantagens financeiras, as plataformas de publicação aumentam a responsabilidade dos escritores pelo resultado de vendas e pela relação com o público. “O mercado editorial brasileiro é extremamente competitivo. E, mesmo que a publicação digital seja gratuita e com ampla distribuição, não há garantia de vendas. Por isso, o autor precisa dominar a sua própria divulgação, ou seja, ser empreendedor de si mesmo”, explica. “Essa sempre foi a realidade dos escritores há séculos e aqueles que conduziram seus trabalhos na literatura como empresas tiveram êxito. Hoje, com a internet, o autor pode conhecer as afinidades de seus leitores e, assim, publicar e divulgar seus livros com mais facilidade”.
A proposta do KDP e do Clube de Autores é se constituírem como espaços democráticos e abertos a novos talentos. Nesse caso, tanto escritores iniciantes quanto veteranos podem publicar seus trabalhos sem passar por um processo de curadoria ou seleção. No entanto, ambas as plataformas contam com diretrizes que barram conteúdos que violam direitos humanos ou fazem qualquer apologia à violência, além de mecanismos de combate ao plágio, de modo que apenas obras legítimas sejam publicadas. “O propósito é tornar a leitura um hábito mais acessível a todos, disponibilizando obras de gêneros distintos, como infantil, religião, negócios e muitos outros. Para nós, não existem livros bons ou ruins”, declara Munhoz.
Diversas editoras tradicionais também estão embarcando nessa onda das publicações digitais e independentes, entre elas, a Editora Kelps. Desde 2019, a empresa oferece aos autores o formato e-book como alternativa ao impresso, especialmente para viabilizar publicações com baixo custo e amplo alcance. “Queremos oferecer aos escritores a possibilidade de chegar a lugares que normalmente não chegariam apenas com a versão física. E, com apenas alguns cliques e sem grandes gastos, seus trabalhos podem atingir outros públicos e mercados”, afirma Leandro Almeida, CEO da Kelps.
Para simplificar a entrada de um número maior de profissionais nesse mercado, a editora possui uma parceria com a sistema alemão de publicações BookWire que, atualmente, conta com mais de 700 editoras filiadas e mais de 100 livrarias com distribuição ao redor do mundo. “Em até 24 horas os livros podem parar no portfólio da maioria dessas livrarias. E a distribuição é feita de modo automatizado, o que significa chegar a bibliotecas e outras plataformas de livros”, explica Almeida.
De acordo com um estudo da Nielsen, feito em 2020, o conteúdo digital representa 4% do mercado editorial brasileiro e, nas grandes editoras, os e-books configuram 7% do faturamento. No caso da Kelps, foram cerca de 150 livros digitais publicados em 2020, com média de 12 livros ao mês. Neste cenário, o CEO afirma que, para a maioria das companhias, as publicações digitais ainda são pequenas em comparação com as impressas, porém estão crescendo rapidamente. “Este nicho de mercado está aquecido graças ao imediatismo dos consumidores que, em casa, querem ler novos livros na hora, sem esperar a chegada da versão física. E é justamente essa demanda que abre portas para novos autores independentes”, pontua.
A TECNOLOGIA COMO ALIADA DA LEITURA
Para o gerente-geral de livros da Amazon Brasil, as plataformas digitais surgiram para construir novas pontes entre leitores e escritores e fortalecer o mercado editorial. “Não há disputa de espaço com as editoras convencionais, porque, na verdade, as plataformas de publicação são apenas elementos que há muito tempo estão complementando o ecossistema da literatura”, diz Munhoz.
O executivo também garante que o formato está contribuindo para o hábito da leitura e que, ao contrário do senso comum, ele não está abolindo o livro físico. “Quem passa a usar o digital começa a ler mais, até mesmo do físico. Por isso, as experiências física e digital são complementares. Quanto mais formatos e tipos de obras uma pessoa tem ao seu alcance, maior será o seu interesse pela leitura.”
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Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, feita em 2020, o brasileiro lê, em média, cerca de cinco livros por ano. Apesar de ser um número considerado baixo, Ricardo Almeida percebe que o hábito da leitura é crescente entre os jovens e que a tecnologia, com um uso saudável, pode impulsioná-lo. “Antes da pandemia, via-se muitos jovens lendo ‘Harry Potter’ e outros livros, de diversos gêneros, tanto físicos quanto digitais, em ônibus, metrôs e estabelecimentos comerciais. Essa nova geração tornou-se uma devoradora de livros, e isso cria bons panoramas para lançar autores ao mercado digital.”
E continua: “Com um número cada vez maior de leitores, novos autores e histórias chegam às plataformas de publicação, permitindo que eles se tornem os clássicos do amanhã. Se não há um mercado editorial para esses talentos que surgem a cada dia, a literatura brasileira será relegada à época de Machado de Assis, que apesar de fantástica, não resume o Brasil, porque desde o século 19, nossa literatura se desenvolveu absurdamente”.
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