O governo abriu hoje (9) uma consulta pública para projeto de lei que muda o arcabouço legislativo para garantias reais em operações de crédito, mirando o barateamento das operações e o aumento expressivo no volume de financiamentos fechados no país.
Segundo o relator do grupo de estudos da proposta, Fábio Rocha, as mudanças poderiam gerar até R$ 600 bilhões em novos financiamentos no Brasil no médio prazo, considerando parâmetros de um estudo de 2019 do Banco Mundial sobre o crescimento do crédito privado em países que aprovaram reformas semelhantes.
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A consulta pública será finalizada em 9 de setembro e a estimativa, de acordo com a Secretaria de Advocacia da Concorrência do Ministério da Economia, é de que um texto do Executivo sobre o tema seja enviado ao Congresso até o final deste ano.
Por ora, a proposta representa a visão de 13 especialistas independentes reunidos em grupo de estudo instituído pelo governo em janeiro. Ela moderniza e flexibiliza regras atuais, especialmente para permitir que garantias móveis passem a ser utilizadas em larga escala no Brasil, popularizando os financiamentos com esse lastro.
Hoje, as operações com garantia – substancialmente mais baratas por implicarem a tomada dos ativos em caso de inadimplência – envolvem principalmente bens imóveis.
Rocha, que é doutor em Direito Privado e preside a Comissão de Crédito Imobiliário do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), destacou que as mudanças beneficiariam sobretudo o crédito não bancário ao permitir que agentes que não são bancos mas que atuam na cadeia produtiva capilarizem a oferta de financiamento a pequenos e médios negócios.
Embora já haja no país mecanismos para concessão de crédito com base em pagamentos que as empresas têm a receber (recebíveis), o mercado ainda é incipiente para ativos que compõem parte importante do patrimônio das pequenas e médias empresas, como maquinário e estoques, pontuou Rocha.
“O comércio de bairro – uma loja de construção, uma padaria – tem boa parte do seu patrimônio em estoque, ainda mais se você imaginar que está num imóvel alugado”, afirmou.
“Pode ser que um banco aceite, por exemplo, dar empréstimo em cima de material de construção, que é um bem que não é perecível, e pode ser que o banco não aceite dar empréstimo em cima de farinha. Mas pode ser que o distribuidor de alimento possa aceitar isso como garantia porque ele está diretamente envolvido na cadeia de fornecimento”, prosseguiu Rocha, apontando uma mudança radical de cenário para os pequenos comerciantes.
A expectativa é que novos produtos de crédito com garantia sejam criados, com migração dos clientes de linhas sem garantia, que são mais caras, para linhas com garantia, com menor spread bancário.
À Reuters, a Secretaria de Advocacia da Concorrência do Ministério da Economia destacou que, em um momento de retomada econômica pós pandemia, o aumento da oferta de crédito com a consequente redução de seu custo deverá possibilitar o crescimento da capacidade de investimento de micro e pequenos empreendedores, que são responsáveis por grande parte da geração de emprego e renda no Brasil.
Em outra frente, a reforma aprimora mecanismos de execução das garantias, tema caro ao Banco Central. Em falas públicas, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, já apontou a necessidade de maior recuperação de garantias no país para queda do spread, chegando a citar que de cada R$ 1 perdido em operações de crédito no país apenas 13 centavos são efetivamente recuperados.
A proposta não altera regras para retomada de imóveis ou veículos, mas introduz meios mais céleres de execução e retomada para todos os demais bens.
Rocha lembrou que em 1997 houve reforma ampla nas regras do financiamento imobiliário, que passou a ser usado em maior escala de 2002 em diante.
“Dados estatísticos de dez anos a partir de 2002 mostram que o financiamento imobiliário multiplicou por vinte, e a inadimplência dividiu por dez”, afirmou.
“Lógico que um empréstimo com um bem móvel não tem o mesmo perfil de risco que um empréstimo sobre um imóvel. Mas ainda assim, a gente espera que possa ter um spread substancialmente reduzido com relação ao que é praticado hoje”, acrescentou.
Segundo Rocha, estudos empíricos apontam que países em desenvolvimento que fizeram reformas semelhantes viram o estoque de crédito crescer o equivalente a cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB).
De acordo com dados mais recentes do BC, o estoque de crédito no Brasil corresponde a 52,6% do PIB, ante média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de cerca de 160%.