Quase 30% do ouro exportado pelo Brasil entre 2019 e 2020 –48,9 toneladas – tem indícios de que saíram de áreas de mineração ilegal, em um misto de falhas de fiscalização, ação irregular de empresas e documentos falsos usados para lavar ouro extraído de áreas protegidas, mostra um levantamento feito pelo Ministério Público e pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
O cruzamento de dados apresentado no estudo considerou apenas o ouro registrado nos órgãos federais, com pagamento da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), o imposto recolhido pelo governo para exploração de minério –ou seja, o ouro supostamente obtido e exportado legalmente.
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Os pesquisadores cruzaram os dados declarados de origem do ouro com imagens de satélite de alta definição. Em 13% dos casos – 6,3 toneladas de ouro – a irregularidade era óbvia: o local declarado não tinha qualquer indício de exploração mineral, o que é considerado uma forte evidência de uma tentativa de lavar ouro retirado de áreas ilegais, como unidades de conservação ou terras indígenas.
No restante, 42,6 toneladas exportadas, o estudo classifica como potencialmente ilegal por haver fortes indícios de que o ouro não saiu do local autorizado para mineração – normalmente, áreas que fazem divisa com terras indígenas ou unidades de conservação.
O estudo com as imagens de satélite mostra que as áreas de exploração do minério excedem em muito a área autorizada pela Agência Nacional de Mineração, entrando pelas terras indígenas ou áreas de conservação. A quantidade de ouro extraída e declarada também seria incompatível com o tamanho do veio, de acordo com os pesquisadores.
“É uma lavagem malfeita. Houve uma tentativa de lavar esse ouro, tentando esconder sua origem real, mas com cruzamento de imagens não tem como aquele ouro ter vindo do local declarado”, explica Raoni Rajão, um dos autores do estudo e coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG.
Apenas os dados de produção anual e exportação de ouro do Brasil já mostram que o país anda vendendo várias toneladas de minério ilegal. Em 2020, por exemplo, de acordo com os dados federais de comércio exterior, o Brasil exportou 111 toneladas de ouro. No entanto, o país registrou oficialmente a produção de apenas 92 toneladas de ouro, segundo números da ANM.
“A menos que todo mundo repentinamente tenha decidido vender suas alianças de ouro, o governo perdeu controle e a capacidade de fiscalizar e cobrar imposto”, disse Rajão. “E isso estamos falando de ouro exportado legalmente, não aquele que cruza fronteira escondido, que aí é muito mais.”
Procurado para avaliar a fiscalização, o Ministério de Minas e Energia não respondeu de imediato a pedido de comentário.
Um cruzamento feito pelo Instituto Escolhas – ONG que trata de sustentabilidade – com dados da própria ANM mostra que alguns Estados, como Minas Gerais e São Paulo, registram uma quantidade muito maior de ouro exportado do que sua produção. Ao mesmo tempo, não se encontra registro da produção legal suficiente naquela quantidade no Mato Grosso e no Pará.
O cruzamento bate com os dados levantados pelos procuradores e pelos pesquisadores da UFMG, que vêem um crescimento contínuo de exploração com características de ilegalidade na Amazônia Legal, especialmente nos dois Estados citados.
“O Pará e o Mato Grosso alcançaram 26,9 e 19,5 toneladas de ouro extraídos entre 2019 e 2020, com 17,7 e 14,2 toneladas respectivamente sendo identificadas como irregular”, aponta o estudo. Da produção total nos dois anos, os pesquisadores concluíram que 85% da lavagem do ouro ilegal confirmado, 5,4 toneladas, aconteceu no Pará, com os municípios de Jacareacanga, Novo Progresso e Itaituba como centro da lavagem do ouro ilegal.
A lavagem de ouro irregular, dizem os autores, é resultado de uma combinação de fiscalização falha e possível conivência de autoridades, além da participação ativa de mineradoras e empresas exportadoras.
O levantamento mostra que das 6,3 toneladas de ouro com ilegalidades confirmadas, 61% vem de apenas quatro pessoas e duas cooperativas, que não tiveram os nomes revelados.
Também apenas três operadoras foram responsáveis pela compra de 71% do ouro ilegal confirmado: OuroMinas DTVM, D’Gold DTVM e Carol DTVM. As três são alvo de uma ação do MPF (Ministério Público Federal), acusadas de envolvimento no comércio ilegal.
Nesta segunda, o Ministério Público Federal do Pará ajuizou ações para pedir a suspensão das atividades das três operadoras por terem comercializado ouro ilegal.
“Além de terem as atividades suspensas especificamente nessa região, as empresas podem ser condenadas a pagar um total de R$ 10,6 bilhões por danos sociais e ambientais”, informou o MPF em nota.
Procurada, a OuroMinas afirmou que a “a empresa de forma alguma ajuda na exportação de minério de origem ilegal” e que investe em tecnologia para filtrar informações cadastrais e apoia a mineração sustentável.
“Além disso, todas as aquisições da empresa são rigorosamente feitas de acordo com a lei que fala que a responsabilidade sobre a origem do ouro é do vendedor e não das empresas que realizam a compra. A fiscalização dos garimpos compete exclusivamente às autoridades públicas e não às empresas privadas”, diz a nota enviada à Reuters.
Já o dono da Carol DTVM, Alberto Robles Filho, afirmou que a empresa não foi citada ainda e não teve acesso a ação, e por isso não podia comentar as acusações. “É meio estranho que primeiro saia na mídia, antes de tomarmos conhecimento. Não posso dar resposta porque não conheço o teor da ação. Nosso jurídico está tentando descobrir para que a gente possa responder”, disse.
A assessoria da D’Gold ainda não respondeu o pedido de esclarecimentos.
INTERNACIONAL
O estudo mostra que a falta de controle acontece no Brasil mas, ao contrário de outras exportações, como a madeira e até a soja, em que compradores internacionais passaram a exigir certificados de que não viriam de áreas desmatadas, os compradores do ouro brasileiro não pedem garantias robustas ao adquirir o minério.
Nos anos de 2019 e 2020, Canadá, Suíça e Reino Unido compraram 72% da exportação brasileira.
“São países com legislação rigorosa, com alto padrão de proteção de direitos humanos. Mas esses países não estão fazendo o dever de casa”, disse Rajão.
A mineração ilegal, de acordo com o estudo, levou ao desmatamento de 125 km² da floresta amazônica – uma preocupação constante dos europeus – e danos socioambientais de US$ 1,7 bilhão na região. (Com Reuters)
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