Na década de 1970, após mais de dez anos de sua primeira tirinha de jornal, Mauricio de Sousa conseguiu realizar um sonho: lançar o próprio gibi. Logo na primeira leva, foram impressos e vendidos 200 mil exemplares da Turma da Mônica pela editora Abril. “Eu sonhava em fazer gibi com cerca de três a quatro anos de idade. Foi quando aprendi a ler com os quadrinhos. Depois, na fase adulta, comecei a viver disso e amo tanto que nunca senti estar trabalhando.”
Desde o lançamento do primeiro gibi, cerca de 1,2 bilhão de revistas foram impressas. A Turma da Mônica ultrapassou as fronteiras do bairro do Limoeiro para se tornar uma marca atraente, com contratos de licenciamento com mais de 150 empresas, que produzem aproximadamente quatro mil itens com as imagens dos personagens.
No cinema, o filme “Turma da Mônica: Laços” teve mais de dois milhões de telespectadores, enquanto a animação “Mônica Toy” ultrapassou os dez bilhões de visualizações no Youtube, conquistando mercados internacionais como a Rússia, onde o programa tem uma grande audiência. O país não foi o único a se interessar pelos personagens ao longo desses mais de 60 anos de história. Em 2011, o brasileiro ganhou o prêmio Bing Xin de Literatura Infantil pela obra “Turma da Mônica em Contos Clássicos”, na China. Em 2019, o MSP Japan foi inaugurado em Tóquio, o primeiro escritório fora do território brasileiro.
“Já perdi a conta de quantas vezes visitei o Japão”, diz Mauricio, bem-humorado. “Na década de 60, eu viajei para lá pela primeira vez para lançar o Horácio em uma publicação da Sanrio, criadora da Hello Kitty. Eles publicaram nossos conteúdos do personagem durante anos.” Hoje, programas da Turma da Mônica fazem parte da grade horária das emissoras Fuji Television e Kids Station, em Tóquio. Nos mercados japoneses, também é possível encontrar refrigerantes e sucos com o rosto dos personagens Mônica e Cebolinha.
“Nesse momento, estou em São Paulo criando bonecões para o mercado japonês”, conta Mauricio, que enxerga um campo muito promissor na união cultural entre Brasil e Japão. “Pensando nos brasileiros que se mudam para lá com a família, eu criei cartilhas em português e japonês para crianças que estão tentando aprender os hábitos e os sistemas de ensino japoneses. No início, alguns empresários locais nos patrocinaram para que distribuíssemos as cartilhas. Com o tempo, o governo do país gostou da ideia e começou a organizar essa distribuição com as prefeituras.” As cartilhas de alfabetização já são produzidas em mais de 18 idiomas pela MSP (Mauricio de Sousa Produções).
Do outro lado do mundo, o império da Turma da Mônica conquista novas gerações. Mauricio conta que essa aproximação aconteceu de forma muito natural. “Reconheço que foi um acidente”, brinca ele. Criado em Mogi das Cruzes, município paulista conhecido pela enorme colônia japonesa, o cartunista teve contato com a cultura oriental desde a infância. “Metade da minha classe na escola era formada por nisseis [segunda geração de imigrantes japoneses]. Nós crescemos juntos”, recorda. Adulto, já morando em São Paulo, a ligação com o país continuou ativa. “Nós trabalhamos com desenhos e precisamos de profissionais com mãos e traços firmes. Coincidentemente, tínhamos muitos profissionais descendentes de japoneses no escritório. Uma delas era uma arte-finalista chamada Alice Takeda. Uma mocinha que conheci há 50 anos, com quem me casei.”
A união, como se pode imaginar, firmou de vez a conexão de Mauricio com a cultura japonesa. “Conheci muita gente do Japão, inclusive Osamu Tezuka, considerado o pai do mangá moderno. Viramos irmãos. Infelizmente, ele faleceu antes de realizarmos alguns dos planos que pensamos juntos. Mesmo assim, eu combinei com ele que não deixaria nossas ideias para trás. Vou fazer tudo o que conversamos, provavelmente com o filho dele, que também trabalha com desenho animado.” Em 2012, os primeiros ‘crossovers’ entre os mangás de Tezuka e os gibis de Mauricio foram lançados.
O escritor afirma que quando vê os quadrinhos que desenhou ganhando o mundo, entende a importância de seu papel como um exportador da criatividade brasileira. “No Japão, todo nosso material vai levar a bandeira do Brasil. Eles ficaram impressionados com os nossos atletas nas Olimpíadas e nas Paralímpiadas. Por que também não podem ficar com os nossos personagens?” diz Mauricio.
Embora o sucesso no continente asiático tenha sido natural, o cartunista conta que sempre sonhou em fazer a Turma da Mônica ultrapassar fronteiras. Mas nem todas as experiências foram boas como a entrada no Japão.
SABOTAGEM DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
Quando o primeiro gibi da Turma da Mônica foi lançado no Brasil, Mauricio de Sousa se perguntou: “O que me falta conquistar?”. Até então, já havia conseguido migrar de um emprego como repórter policial na Folha de S.Paulo para dono de uma empresa de histórias em quadrinhos. Por que não sonhar em enviar esse material para o exterior?
“Falei com a minha equipe e eles me indicaram algumas editoras europeias. Inicialmente, o contato pareceu ter dado certo. Eles aceitaram publicar os quadrinhos e os gibis seriam vendidos em 13 países da União Europeia. Mas a felicidade durou pouco”, relembra. Quando o cartunista viajou para a comuna de Lucca, na Itália, para uma feira mundial de histórias em quadrinhos, estava animado para entrar em uma banca de jornal e comprar um exemplar de seu próprio gibi fora do Brasil.
No caminho entre a Alemanha e a Itália, desceu do trem durante uma pausa e correu para a banca mais próxima que encontrou. Por sorte, o atendente era português, o que facilitava a comunicação. Parecia o cenário perfeito para o escritor. “Lembro até hoje do sotaque bonito do jornaleiro”, conta Mauricio. “Ele disse que não tinha nada do ‘Senhor Mauricio’ para vender. Eu fiquei chocado e falei para ele que eu era o autor, então ele foi verdadeiro comigo e revelou: ‘Eu até tenho, mas há uma ordem para não vender’. Levantou alguns jornais e lá estavam todos os meus gibis, escondidos.”
De volta ao trem que levava à Itália, o cartunista até pensou sobre o que fazer quanto à sabotagem. No entanto, percebeu que era “briga de cachorro grande”, como definiu. “Alguns concorrentes ficaram sabendo da nossa fama no Brasil e decidiram sabotar a distribuição na Europa. Os gibis ficavam escondidos e, se chegasse alguém querendo comprar, os jornaleiros tinham instrução para dizer que haviam acabado”, explica. “Eu nem mexi nisso, mas até hoje não supero o fato de ter perdido 13 países.”
Após a experiência traumática, a popularização na Ásia teve um sabor ainda mais doce. Foi a realização de um sonho por meios que Mauricio jamais havia imaginado. Conquistou o exterior, mas não pela Europa. O Japão, um país do outro lado do mundo, foi o grande protagonista dessa expansão. “Agora, com a internet, estou compensando um pouco esse episódio de sabotagem com os meus desenhos animados. Mônica Toy, por exemplo, é um desenho que não tem falas, então não precisa ser dublado. Talvez esse tenha sido o segredo para tanta aceitação na Rússia”, diz.
A CONSTRUÇÃO DE UM LEGADO
Após 62 anos da publicação do primeiro quadrinho, a Turma da Mônica continua conquistando novos leitores. No Brasil, os gibis representam para muitos a memória da primeira leitura. Não é raro encontrar relatos de pessoas que aprenderam a ler com as histórias dos famosos personagens. “Essa alfabetização que nós conseguimos é uma das coisas mais importantes da minha vida. É a minha medalha do peito”, afirma Mauricio. É curioso observar que brasileiros de diversas idades compartilham a mesma experiência, afinal, já são seis décadas de gibis que se reinventaram para se adequar a cada geração.
Quando questionado pela Forbes sobre como continuar sendo uma febre de vendas depois de tantos anos, o cartunista diz: “Acho que eu ainda sou o Mauricio dos velhos tempos. Não me esqueço das coisas. Além disso, sempre tive muito contato com crianças. Melhor ainda, tive 10 filhos e aprendi muito com eles, inclusive a linguagem e os assuntos falados.” Quando está fora de casa, o aprendizado continua através do contato com o público. “Sou eu que cuido do meu instagram. Posto, converso e sinto meus seguidores. Isso faz com que eu saiba o que está acontecendo sempre. Esse contato é o jardim de infância do conhecimento.”
Aos 85 anos, a lista de metas e sonhos de Mauricio ainda é grande. Em outubro, próximo ao seu aniversário, planeja o lançamento de um livro sem quadrinhos e sem Mônica. “Só tem o meu texto, que é sobre meio ambiente, e ilustrações. Algo que eu nunca fiz antes.” Além disso, as gravações de um novo lançamento para os cinemas começam no início de 2022. “Fui chamado para fazer uma coisa linda: produzir o filme da minha vida. Já estamos procurando atores que possam viver a minha versão criança, jovem, repórter policial e senhor de cabelos brancos”, conta, entre risadas.
Em um cenário repleto de personagens da Turma da Mônica, o empresário conversa com a Forbes como se não houvesse um computador mediando a chamada de vídeo. Sem medo da tecnologia e do avanço do mundo, ele se diz disposto a transformar sua empresa em legado para as próximas gerações. “O destino está controlando as cordinhas para que a gente faça o que sonhou a vida inteira. Já estamos há 60 anos voando alegremente pelo bairro do Limoeiro. Estamos pingando o nosso mel nos principais países do mundo. Está faltando um bom espaço, mas eu não tenho pressa”, conclui.
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