Em 2013, Michael Dell, o bilionário dos computadores pessoais, estava em uma encruzilhada. A Dell Technologies, empresa de informática que ele fundou em seu dormitório na Universidade do Texas, vinha sofrendo com a queda da demanda de PCs, e o valor das ações estava estagnado. Foi então que, junto com a empresa de private equity Silver Lake Partners, Dell realizou uma aquisição alavancada (LBO, na sigla em inglês de “leveraged buyout”) de sua empresa por US$ 25 bilhões. Essa transação controversa gerou uma batalha épica com o bilionário Carl Icahn e, de lá para cá, rendeu um dos maiores ganhos inesperados já testemunhados em Wall Street.
Com alquimia financeira, um monte de dívidas baratas e um arguto parceiro de aquisição – o bilionário co-CEO da Silver Lake, Egon Durban –, Dell conseguiu elevar o valor das ações da Dell Technologies de US$ 3,6 bilhões em 2013 para US$ 39 bilhões atualmente. O patrimônio líquido total de Dell, que ultrapassou US$ 50 bilhões recentemente, mais do que triplicou em menos de uma década.
Se antes corria o risco de ficar para trás, a Dell Technologies tem hoje uma capitalização de mercado de quase US$ 80 bilhões.
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Na quarta-feira passada, a Dell Technologies disse que vai fazer um spin-off do ativo que é sua joia da coroa – uma participação de 81% na VMWare, gigante de infraestrutura na nuvem – para acionistas públicos. A manobra, que deve ser concluída este ano, vai simplificar e desalavancar o império tecnológico de Dell. Também oferecerá uma visão mais clara de sua proeza nas negociações.
Quando Dell fechou o capital de sua empresa, em 2013, ele detinha 15,6% das ações totais em circulação, no valor de cerca de US$ 3,6 bilhões, com base nos termos da LBO. A participação valia uma ninharia em relação ao apogeu de Dell, mas representava uma oportunidade. Com US$ 9 bilhões em dinheiro na época, a empresa de PCs de Dell e seus pesados investimentos em infraestrutura de tecnologia e software estavam subavaliados. Em vez de passar anos tentando recuperar o entusiasmo pelas ações, Dell fez uma parceria com a Silver Lake em uma aquisição recorde, colocando suas ações e US$ 750 milhões de seu dinheiro na transação. O ativista bilionário Carl Icahn protestou e organizou um grupo de acionistas para resistir à aquisição. Dell e a Silver Lake venceram a batalha brutal aumentando ligeiramente seu preço.
Depois de passar alguns anos pagando os US$ 15 bilhões em dívidas usadas para financiar a LBO, a Dell e a Silver Lake encontraram um alvo ainda mais subavaliado. Em 2016, elas arquitetaram a aquisição, por US$ 67 bilhões, do conglomerado de tecnologia EMC, uma empresa com mais do que o dobro de seu tamanho. A aquisição aumentou a escala dos negócios de infraestrutura da Dell e propiciou a ela o controle de uma série de subsidiárias valiosas, como a empresa de segurança cibernética RSA e a de software na nuvem Pivotal. A joia oculta era a participação de 81% da EMC na VMWare, pioneira na virtualização de infraestrutura de tecnologia corporativa.
Para engolir a EMC inteira, a Dell e a Silver Lake se apoiaram fortemente na engenharia financeira. Elas registraram um “tracking stock” (estoque de ações de acompanhamento de desempenho) para representar uma participação acionária de 53% na VMWare, reduzindo drasticamente o valor desembolsado na compra. Ainda assim, o consórcio colocou bilhões em dinheiro novo e levantou dezenas de bilhões de dólares em dívidas, alavancando a Dell fortemente. Concluída a transação, Michael Dell detinha 70% da empresa combinada, e seu custo global em termos de ações e dinheiro da Dell foi de aproximadamente US$ 7,5 bilhões.
O negócio foi magistral. O valor da VMWare disparou com a adoção da infraestrutura de computação na nuvem por departamentos de TI de todo o mundo. E, mais uma vez, a Dell e a Silver Lake encontraram um ativo subavaliado para atacar.
O tracking stock que representava 53% da participação na VMWare não conseguia acompanhar a alta valorização das ações da empresa, às vezes sendo negociado com descontos de cerca de 40%. De maneira oportunista, a Dell e a Silver Lake esquematizaram uma transação para tirá-lo de circulação com um grande desconto, o que deixou irados os “policiais” de Wall Street – o bilionário Carl Icahn e a Elliott Management, de Paul Singer. Depois de uma discussão pública, a Dell e a Silver Lake tiraram o tracking stock de circulação por cerca de 80 centavos de dólar, embolsando um valor bilionário por seu gigantesco experimento de LBO.
Nessa fase, a engenharia financeira era inédita. Para retirar o tracking stock de circulação, a VMWare pagou um dividendo especial de US$ 11 bilhões a seus acionistas. O público embolsou US$ 2 bilhões, enquanto a Dell, proprietária de 81% da VMWare, embolsou US$ 9 bilhões. Usando o dividendo mais US$ 5 bilhões em novas dívidas e trocando uma parte da participação em seu projeto de LBO, agora denominada Dell Technologies, eles compraram o tracking stock.
“A engenharia financeira criativa atendeu aos interesses de Michael Dell e da Silver Lake ao longo dos anos, notadamente a criação e eliminação do tracking stock da VMware, embora os acionistas também tenham gostado do passeio”, disse Jordan Chalfin, analista sênior da CreditSights.
Na cena final do show de mágica financeira, Michael Dell está reduzindo a complexidade, pagando dívidas e voltando à estaca zero, embora seja agora um homem muito mais rico.
A Dell Technologies vai distribuir em breve sua participação de 81% na VMWare aos acionistas e pagar mais de US$ 14 bilhões em dívidas nos próximos 12 meses, segundo analistas. Michael Dell terá, então, grandes participações em duas potências tecnológicas de capital aberto.
Ele deterá 52% da Dell Technologies e 42% da VMWare, que atualmente é negociada a uma capitalização de mercado de cerca de US$ 70 bilhões. Só as ações da VMWare pertencentes a Dell devem valer cerca de US$ 25 bilhões a preços atuais. E não aposte contra a Dell Technologies, a empresa que estava precisando ser repaginada quando a aventura da LBO começou, em 2013.
Nos termos do spin-off proposto, a VMWare vai pagar outros US$ 11 bilhões em dividendos a todos os seus acionistas, o que significa que a Dell Technologies vai embolsar um valor superior a US$ 9 bilhões. Assim, a Dell terá recebido quase US$ 20 bilhões em dinheiro da VMWare para pagar dívidas e deixar felizes os detentores de títulos. Com os dividendos e outras desalavancagens planejadas, a Dell Technologies provavelmente reduzirá sua dívida à metade e será classificada com grau de investimento.
Ela estará longe de ser uma entidade problemática, repleta de dívidas, como empresa autônoma. O Morgan Stanley prevê que a Dell Technologies gerará lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) de US$ 13 bilhões em 2021 e que a dívida principal terminará o período em cerca de US$ 10 bilhões. As vendas de PCs estão apresentando um crescimento robusto com a ajuda da tendência do trabalho em casa, e a empresa tem feito pesados investimentos em tendências como a mudança para a nuvem. No caso de uma avaliação da Dell Technologies a um valor de empresa de sete vezes o Ebitda, isso a levaria ao patamar de US$ 48 bilhões. Michael Dell teria ações no valor de cerca de US$ 25 bilhões.
No momento, o mercado dá à Dell Technologies uma avaliação de US$ 101 por ação, fazendo com que os 385 milhões de ações de Michael Dell valham em torno de US$ 39 bilhões. Pela primeira vez, não há grandes descontos a explorar no mercado. Há paz entre os acionistas, crescimento para capitalizar e um tesouro de ativos valiosos remanescentes.
Ao valor de US$ 39 bilhões, as ações de Michael Dell correspondem a mais de cinco vezes o dinheiro e as ações que ele investiu na transação. A Silver Lake obteve uma taxa de retorno semelhante sobre os bilhões que investiu. É a aquisição da década.
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