Dmitry Azarov abriu, em 2002, a primeira loja russa da cadeia de cosméticos britânica Lush. Diante daquele pequeno espaço de 40 metros quadrados em Moscou, ele não poderia prever o quão populares as bombas de banho coloridas, máscaras faciais e géis de banho seriam entre os habitantes locais.
Duas décadas depois, o russo de 61 anos que comanda a franquia está se preparando para o fim iminente de seu negócio, que se expandiu para 48 lojas na Rússia, 15 na Ucrânia e mais de 600 funcionários. Ele é dono de 65% do empreendimento, que é a principal fonte de renda de sua família.
Como muitas marcas ocidentais que se retiraram da Rússia diante da pressão por causa da invasão da Ucrânia, a Lush interrompeu os envios de produtos para o país, na prática sentenciando à morte os negócios de Azarov. Suas lojas na Rússia permanecem abertas por enquanto, mas 95% de suas vendas dependem de importações. Ele calcula que ainda tem três meses até que suas prateleiras fiquem vazias.
“Por um lado, entendo que a Lush se comportou da mesma forma que a maioria das marcas ocidentais”, disse Azarov, que mora em Moscou, mas nasceu na cidade ucraniana de Slavyansk e ainda tem parentes lá. “Por outro lado, é devastador ver que o negócio que venho construindo há 20 anos está sendo destruído, as lojas estão fechando e estamos tendo que demitir nossos funcionários.”
Se nada mudar no cenário global, ele diz que terá que fechar todas as suas lojas e demitir todos os seus funcionários. O fim do serviço de 17 lojas já está planejado, enquanto a interrupção do aluguel nas outras ainda está sendo negociada com os proprietários dos imóveis.
O estoque diminui a cada dia. Compradores correm para agarrar os produtos antes que acabem. Apesar de ter elevado os preços após a alta do câmbio, as vendas nas últimas duas semanas foram duas ou três vezes maiores do que o normal, disse Azarov.
A guerra deu um golpe repentino nos franqueados russos que estão sendo abandonados pelas mesmas redes globais que, durante anos, confiaram neles para realizar seus ambiciosos planos de expansão global – possibilitando em troca que eles colocassem comida na mesa, pagassem suas hipotecas e matriculassem seus filhos em boas escolas.
Agora, donos de franquias russas tentam manter suas portas abertas sem o apoio de seus franqueadores, que vai desde o fornecimento de mercadorias físicas até campanhas de marketing, contabilidade e outros suportes administrativos.
Azarov está em uma posição mais vulnerável do que redes de fast-food, como a pizzaria Papa John’s, que compram a maior parte de sua carne, queijo e outros ingredientes no mercado interno.
A Lush reconheceu que “as perspectivas de negócios são sombrias” na Rússia e na Ucrânia, mas disse em comunicado que não há “risco material” para seus negócios em geral. Os dois países representam apenas 2% de suas vendas totais. A empresa afirmou ainda que continua a se comunicar e oferecer suporte às equipes locais.
“Nós defendemos a paz e nos juntamos à comunidade global pedindo um cessar-fogo imediato e a proteção de todas as vidas”, disse a empresa do Reino Unido em comunicado no início deste mês.
Azarov continua preocupado com a segurança de seus funcionários, bem como de seus parentes, que permanecem na Ucrânia. Desde 2019, quando abriu uma filial em Odessa, ele expandiu a franquia para o país invadido. Essa cidade hoje em dia tem uma paisagem diferente: foi fortificada pelos próprios moradores com sacos de areia e barreiras anti-tanque.
“Esta é uma das razões pelas quais tudo o que está acontecendo lá, todos os eventos dos últimos anos, significa muito para mim”, disse ele. “Isso tem sido muito difícil.”
Embora Azarov tenha dito que está cada vez mais claro que pode perder seus negócios, ele continua otimista. Se tiver que recomeçar, não será a primeira vez. Ao longo de sua carreira, ele abriu várias empresas, incluindo uma agência de publicidade e duas empresas de móveis.
Há uma citação do romance satírico-histórico “Catch-22”, de Joseph Heller, que Azarov gosta de referir: “Ele decidiu viver para sempre ou morrer tentando”.