Do lado de fora, parece difícil ganhar dinheiro com a mineração de bitcoins. No ano passado, quando a China proibiu a prática em seu território, um pequeno exército de mineradores desligou suas máquinas, fechou armazéns e reinstalou seus equipamentos no exterior.
Em questão de meses, Pequim perdeu dois terços de toda a mineração mundial de bitcoin e saiu de cena de vez.
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Os mineradores de criptomoedas são resilientes, mas existem poucos negócios que exijam que alguém mude de país apenas para manter as portas abertas. Também não é uma simples questão de atravessar a fronteira. Com custos consideráveis, os mineradores expulsos tiveram que enviar muitas toneladas de equipamentos da China continental para territórios distantes, como Estados Unidos, Rússia, Cazaquistão e Canadá.
Se a China deixou um vazio, ele foi preenchido às pressas, com o Cazaquistão, em particular, rapidamente se tornando um centro de mineração.
As coisas andam rápido no mundo das criptomoedas. Nas últimas semanas, as autoridades cazaques falaram sobre aumentos significativos de impostos para mineradores. O ministro de Desenvolvimento Digital, Bagdat Musin, afirmou que alguns deles estavam “danificando severamente” o sistema de energia do país.
Os intrépidos mineradores que se estabeleceram na Ásia Central depois de serem banidos da China podem ter que utilizar seus passaportes novamente em breve.
Sandra Ro, CEO do Global Blockchain Business Council, falou sobre as questões climáticas relacionadas à mineração de bitcoin em fevereiro. “O que temos hoje é, na verdade, uma oportunidade. A mineração foi para os EUA, Canadá e países nórdicos, [por isso o Congresso] deve encorajar as empresas de mineração de criptomoedas a se estabelecerem em um ambiente com supervisão global, [para] promover o aumento do uso de energias renováveis.”
Neste cenário caótico, vale perguntar: o que acontecerá com a mineração de bitcoin? Mais países se juntarão à China e proibirão a atividade? Ou essas posições serão suavizadas graças aos esforços do Bitcoin Mining Council e a inovações verdes como o equipamento de refrigeração líquida da Bitmain?
Nada menos do que o futuro do bitcoin está em jogo, e com ele a chance de exercer a auto-soberania financeira por meio de uma criptomoeda descentralizada que é reverenciada como “ouro digital”. Essa soberania tem sido vista cada vez mais como um direito humano, principalmente no atual estado de volatilidade política e econômica de todo o mundo.
Mineração de bitcoin: como tudo começou
A mineração, é óbvio, é o processo que dá origem a novos bitcoins. A blockchain de mesmo nome, que recentemente celebrou seu 13º aniversário, depende de um algoritmo de consenso de PoW (sigla em inglês para “prova de trabalho”) que obriga os mineradores a encontrar a solução de problemas matemáticos difíceis de resolver, mas fáceis de verificar.
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Em um ambiente de concorrência acirrada entre os mineradores, os problemas matemáticos do PoW são abordados e decifrados em troca de uma quantidade definida de bitcoin, conhecida como subsídio em bloco. Esse subsídio é então adicionado à soma das taxas de transação mantidas no bloco que está sendo minerado para formar a recompensa do bloco.
Assim como a mineração de ouro é a única maneira de aumentar a oferta do metal precioso mais valioso do mundo, a mineração de bitcoin é a única maneira de aumentar a oferta de bitcoins. É claro que a moeda tem um limite de 21 milhões de bitcoins – os mineradores não podem continuar “produzindo” novos bitcoins ad infinitum. Com base no modelo de emissão previsível do bitcoin, a moeda final será minerada por volta de 2140.
Contra todas as expectativas, o PoW mantém o bitcoin funcionando há 13 anos sem casos registrados de duplicidade. Aqueles que gastam eletricidade para verificar transações têm um forte incentivo para manter a integridade do livro-razão; e já que o PoW torna o custo de escrever um bloco punitivamente alto, a segurança da rede bitcoin é mais robusta do que nunca.
Na verdade, mesmo que um invasor fosse dono de 100% da hashrate (poder de computação necessário para minerar um bitcoin) da rede, ele precisaria de mais de dois anos para reescrever completamente o livro-razão que se iniciou em 3 de janeiro de 2009.
PoW no centro do debate
O PoW é considerado uma maravilha pelos entusiastas do bitcoin. No rol das maiores invenções do mundo, a prova do trabalho do bitcoin estaria no mesmo nível da lâmpada e do telefone. No entanto, o PoW continua a atrair críticas, já que muitos consideram um desperdício a energia elétrica necessária para usá-lo em uma escala industrial. Este se tornou o grande debate energético do bitcoin.
As críticas não são, à primeira vista, infundadas. De acordo com o CBECI (Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index), a rede bitcoin consome 125,1 terawatts-hora (TWh) por ano, um pouco mais que a Ucrânia (124,5) e um pouco menos que o Egito (149), país que baniu o bitcoin, junto com o Iraque, Qatar, Omã, Marrocos, Argélia, Tunísia e Bangladesh. No ranking do CBECI de países que mais consomem energia, o bitcoin ocupa atualmente o 27º lugar.
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Uma criptomoeda sem fronteiras deveria consumir mais eletricidade que países inteiros? Isso depende da sua perspectiva. Se você é um ativista da neutralidade de carbono, a resposta provavelmente é não. Se você acredita que as pessoas do mundo precisam, agora mais do que nunca, de um ativo digital independente, a resposta é claramente sim.
Certamente, os mineradores não se intimidam. O ano de 2021 registrou as maiores receitas de mineração até hoje, um fato notável, dado que a recompensa por bloco é reduzida pela metade a cada quatro anos. No ano passado, os mineradores de bitcoin arrecadaram US$ 16,7 bilhões, mais do que os valores combinados dos três anos anteriores.
A repressão regulatória da China não atingiu os bolsos dos mineradores como muitos esperavam. Talvez tenha sido apenas coincidência que o bitcoin tenha tido seu melhor ano logo quando a China proibiu a mineração, mas, de qualquer forma, os mineradores parecem ignorar as adversidades com grande facilidade.
Antes da guerra da Rússia com a Ucrânia, o Banco Central da Rússia pediu uma proibição total da mineração de criptomoedas. Um relatório recente afirmava que “os potenciais riscos à estabilidade financeira associados às criptomoedas são muito maiores para os mercados emergentes, como é o caso da Rússia”.
Os governos de países desenvolvidos agora estão preocupados com o fato de o Banco Central russo, o governo de Moscou e os oligarcas do país usarem criptomoedas para contornar as sanções. A maioria das agências acredita que a preocupação é infundada, já que o ecossistema de criptomoedas é incapaz de processar volumes tão grandes. Ou seja: bitcoins não podem financiar uma guerra.
Erik Thedéen, vice-presidente da Esma (Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados), pediu aos 27 estados membros da União Europeia que proíbam a mineração de criptomoedas, alegando que o PoW se tornou um problema nacional na Suécia devido à quantidade de energia renovável que utiliza. Isso em si é uma observação interessante, já que os críticos normalmente criticam o bitcoin por seu uso de energia suja.
O presidente dos EUA, Joe Biden, emitiu um decreto neste mês sobre ativos digitais que abriu caminho para uma nova era de inovação digital, uma melhor colaboração entre agências governamentais e a iniciativa privada, e a garantia de que os Estados Unidos manterão sua posição de liderança de mercado como o centro mundial de inovação digital.
Os parlamentares da União Europeia deveriam prestar muita atenção à corrida espacial digital que se desenrola com a proibição da China e com a Rússia em guerra. A responsabilidade da Europa de abrir mercados competitivos e justos deve ser clara, e o bitcoin e a indústria de criptomoedas são fundamentais para esse futuro.
“Proibir a mineração está se tornando uma tendência no médio prazo”, observa Louis Cleroux, CEO da plataforma canadense de criptomoedas Timechain. “Os mineradores de bitcoin precisam encontrar maneiras criativas de chegar a acordos com os países. Usar energia de resíduos com mineradores deve ser algo a ser considerado.”
Vale a pena enfatizar o último ponto de Cleroux. Apesar de demandar muita energia, a mineração poderia realmente reduzir as emissões de gases de efeito estufa se fosse gerada a partir do metano que, de outra forma, vazaria para a atmosfera.
Em 15 de fevereiro, a gigante de petróleo e gás natural ConocoPhillips confirmou que estava vendendo gás extra para mineradores de bitcoin na Dakota do Norte, como parte de seu compromisso de atingir a neutralidade de carbono até 2030. A empresa utilizará gás que seria queimado, efetivamente tornando a mineração de bitcoin uma compensação para o desperdício de energia.
“Precisamos aumentar a conscientização sobre as perdas reais que incorremos devido à nossa incapacidade de armazenar energia”, diz Louis Cleroux. “Vender o excesso de energia para mineradores é o melhor para ambas as partes.”
Além disso, em um ecossistema de prova de trabalho, os mineradores vencedores são aqueles que conseguem ser competitivos em termos de hashrate/custo de energia. “Esse sistema promove uma competição saudável entre os mineradores para impulsionar atividades de mineração mais eficientes”, afirma.
Evolução ecológica
De acordo com Erik Thedéen, a indústria de criptomoedas como um todo deve ser empurrada para o Proof-of-Stake (prova de participação), uma forma de mineração que gasta menos energia.
Com este modelo, o staking substitui a corrida armamentista computacional do PoW e os validadores são selecionados aleatoriamente para adicionar um bloco ao livro-razão. A segunda maior rede do mundo, Ethereum, está em processo de transição para o Proof-of-Stake, um movimento que, segundo ele, poderia reduzir seu uso de energia em até 99,95%.
No momento, porém, não há sinal de que a rede bitcoin abandonará seu mecanismo de prova de trabalho. O modelo resistiu ao teste do tempo e o PoW é mais descentralizado do que sua contraparte de baixo consumo de energia, alinhando incentivos para garantir todas as transações.
De acordo com Michael Saylor, um conhecido entusiasta e investidor de bitcoins, a arquitetura PoW “ancora a rede de criptoativos física e politicamente ao firmamento da realidade, impulsionando uma competição feroz no mercado para descentralizar, melhorar e proteger a rede, garantindo vitalidade e integridade ao longo do tempo”.
A empresa de inteligência de negócios de Saylor, a MicroStrategy, é uma das maiores empresas de bitcoin do mundo. A companhia atualmente possui 125.051 bitcoins, avaliados em cerca de US$ 3,8 bilhões.
No verão passado, em meio a críticas crescentes de defensores do ambiente, Saylor cofundou o Bitcoin Mining Council para promover a transparência no uso de energia e acelerar iniciativas de sustentabilidade em todo o mundo.
Em seu relatório mais recente, o conselho observou “melhorias dramáticas na eficiência energética e sustentabilidade da mineração de bitcoin devido aos avanços na tecnologia de semicondutores, a rápida expansão da mineração norte-americana, o ‘êxodo da China’ e a rotação mundial em direção à energia sustentável e técnicas modernas de mineração”.
Segundo o relatório, 58,5% da mineração de bitcoin realizada no quarto trimestre de 2021 utilizou energia renovável, um aumento de apenas um ponto percentual em relação ao período anterior. No entanto, as coisas parecem estar indo na direção certa. Em última análise, os mineradores sempre se esforçarão para buscar o menor custo de produção de energia que puderem encontrar, e o Conselho pretende destacar as opções verdes a cada passo.
O fundador da SpaceX e CEO da Tesla, Elon Musk, foi fundamental para criar o Conselho. Afinal, foi a decisão do bilionário de reverter o curso sobre a aceitação do bitcoin para veículos da Tesla que reacendeu o debate em torno do PoW. Musk até participou da reunião inaugural do Bitcoin Mining Council em maio passado. Deixando de lado as preocupações com a energia, a Tesla ainda detém cerca de US$ 2 bilhões em bitcoin, segundo seu balanço.
“Existem muitas iniciativas que buscam solucionar os problemas apontados por críticos do consumo de energia do bitcoin”, observa Maud Simon, COO da blockchain Alephium. “Algumas estão construindo alianças para mineração limpa, algumas estão minerando blocos verdes com energia hidrelétrica certificada, e outras estão tentando reduzir a quantidade de energia necessária”, diz ele.
“Ao limitar o consumo de energia a menos de um oitavo do bitcoin após um certo limite, nossa inovação Proof-of-Less-Work fornece um exemplo de como as cadeias PoW podem abordar as questões de sustentabilidade energética sem sacrificar a segurança e a descentralização”, acrescentou.
Uma gigante que entrou recentemente no negócio de mineração é a Intel. Em breve, a corporação da Califórnia lançará seu primeiro chip focado em cripto, que fornecerá “desempenho mil vezes melhor por watt do que as GPUs convencionais para mineração baseada em SHA-256”, segundo a companhia.
Apelidado de Blockchain Accelerator, o chip colocará a Intel em concorrência direta com empresas como Bitmain, Canaan e Nvidia. Em breve saberemos se a tecnologia é tudo o que parece ser. As duas primeiras empresas a testar o chip serão a Argo Blockchain e a Block (anteriormente conhecida como Square).
Os especialistas em hardware não são surdos às críticas ao PoW. A mais recente plataforma de mineração da Bitmain, a S19 Pro+ Hydro, utiliza tecnologia de refrigeração líquida para reduzir o calor, o consumo de energia e o ruído, com o benefício adicional de prolongar a vida útil da máquina. A mineradora americana Merkle Standard implementou as máquinas e espera se tornar neutra em carbono até o final de 2022.
Claramente, a indústria de mineração de bitcoin como um todo está se afastando das energias poluentes e adotando uma matriz mais sustentável que inclui energia solar, eólica, geotérmica e hidrelétrica. Até fontes nucleares estão sendo exploradas, como no caso do Mawson Infrastructure Group, que usa créditos de carbono para compensar suas emissões.
“Os principais custos de funcionamento dos mineradores de bitcoin é o consumo de energia e, portanto, eles têm um incentivo claro para encontrar e manter fontes baratas, que geralmente são renováveis. As maiores fazendas de mineração de bitcoin geralmente estão localizadas em locais remotos, perto dessas fontes de energia, e aproveitam os baixos custos que seriam impossíveis de transferir para as grandes cidades”, diz Adrian Eidelman, cofundador da RSK, uma plataforma de contrato inteligente e de sidechain de bitcoin.
A mineração, em grande parte, vem ocorrendo nas sombras – mas isso está começando a mudar. O lançamento do primeiro ETF Bitcoin Miners no mercado de ações Nasdaq é um exemplo disso. Em vez de oferecer exposição ao próprio bitcoin, o produto, que foi lançado pela gestora de criptoativos Valkyrie, oferece aos investidores exposição a empresas especializadas em hardware ou software utilizados na mineração da criptomoeda.
Olhando para o futuro
Além das críticas por causa do alto consumo de energia da prova de trabalho, a longevidade da própria indústria de mineração tem sido alvo de críticas. Afinal, mais de 90% da oferta total de bitcoin já foi minerada. Com o subsídio em bloco caindo pela metade a cada quatro anos (o próximo vencimento é em 2024), o bitcoin teria que ver uma valorização contínua do preço da mineração para a atividade se manter lucrativa.
E é exatamente nisso que os mineradores estão apostando. Embora reste apenas 10% do suprimento fixo pré-programado do bitcoin para minerar, os principais investidores só recentemente começaram a olhar seriamente para a classe de ativos, sugerindo que há muito espaço para crescimento.
A absoluta escassez, segurança e descentralização do bitcoin continuam a torná-lo um ativo digital desejável para os compradores.
E o que acontece quando o último bitcoin for minerado?
Só se pode especular como será a vida em 2140, mas é totalmente plausível que a mineração continue. Como mencionado anteriormente, os mineradores recebem uma recompensa por cada bloco que mineram; ela é composta pelo subsídio do bloco e pelas taxas de transação.
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Nas próximas décadas, o poder de compra do bitcoin pode ser tão forte que apenas o valor das taxas serão suficientes para incentivar os mineradores a manter o livro-razão e os blocos de mineração, mesmo na ausência de novos bitcoins.
“A mineração de bitcoin se tornará uma estratégia de muitos países no futuro, e aqueles que se opõem a ela estarão apenas sacrificando sua própria prosperidade ao reduzir a inovação, bem como a criação de empregos e a riqueza”, prevê Adrian Eidelman, da RSK.
Aconteça o que acontecer, criptomoedas e mineração provavelmente estarão no centro das atenções nos próximos meses. Não apenas no grande debate energético, mas também no debate social e político dos direitos dos povos ao acesso à criptomoeda auto-soberana, um debate que continuará a ser liderado pela iniciativa privada.