Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – O PT deve apostar em um programa de parcerias público-privadas e mudanças nos sistemas de concessões para acelerar a economia e a criação de novos empregos, com a participação do BNDES e a atração de investimentos privados para áreas de infraestrutura social e sustentabilidade, em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de outubro.
A engenharia da proposta envolve o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como fundo garantidor, mas também como possível financiador de parte do investimento necessário para tirar do papel rapidamente obras de saneamento básico, mobilidade urbana, educação, saúde e outras áreas, todas com um selo de sustentabilidade.
A proposta inicial tem a assinatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad –pré-candidato ao governo do Estado– e do economista Gabriel Galípolo, que vem ajudando na montagem do programa de governo do PT, especialmente da área de infraestrutura, mas com a participação de outros nomes ligados à fundação petista Perseu Abramo.
A proposta, de acordo com Haddad, é vista como uma forma de acelerar investimentos com os quais o governo federal não poderia arcar sozinho e, com isso, fazer a economia girar, criando os tão necessários empregos mais rapidamente.
“Não é uma bala de prata, mas facilita investimentos. O foco é ter investimento rápido, gerar muita coisa, com centro em uma economia verde”, disse à Reuters o ex-prefeito, que inclui a ideia dentro das propostas do seu próprio programa de governo. “São PPPs verdes, com impacto ambiental. Tem dois elementos aí, a parceria privada para garantir eficiência e também a externalidade ecológica.”
O desenho que está sendo desenvolvido pela equipe do programa de governo de Lula tem dois pontos principais: mexer no pagamento da outorga e no financiamento e garantia dos projetos.
A ideia sendo trabalhada é de contrato por disponibilidade, no qual o pagamento só é feito quando o bem está disponível para a população. Mas, como lembra uma fonte envolvida no desenvolvimento da ideia, isso funciona bem para setores consolidados, financiados com cobranças de tarifa.
“Mas onde está a carência nesse país? Saneamento, mobilidade urbana, habitação, educação, saúde”, disse. “Seria muito mais inteligente a gente contratar por disponibilidade. Mas qual é o apetite que o privado tem para investir antes e receber depois sem ser tarifa, se quase todos os serviços a responsabilidade são os entes subnacionais, não os entes nacionais. Você vai investir primeiro para receber depois de um Estado ou município que pode parar de te pagar?”
Os riscos associados a esses investimentos, explica, podem atrasar os projetos e atrair menos interessados. A entrada no BNDES no jogo melhoraria o perfil das propostas.
O BNDES atuaria em duas frentes. A primeira delas seria como garantidor. No caso de um Estado ou município não honrar o pagamento, o governo federal entraria para quitar a dívida, e depois cobraria.
“Quem tem mais poder de executar em uma eventual inadimplência? A União tem poder de reter repasse, pode negativar, tem uma série de poderes para implementar uma execução como essa. É muito mais simples”, disse a fonte.
BNDES
Coordenador do programa de governo do PT, o ex-ministro Aloizio Mercadante defende a ideia de aumentar a capacidade de investimento via PPPs.
“A capacidade de financiamento de longo prazo do setor privado é muito baixa, mas se o Estado, através do BNDES, dá a garantia para o financiamento, você traz o financiamento privado e multiplica a capacidade de investimento”, defendeu em entrevista à Reuters.
Na outra ponta, a proposta advoga a participação do banco como financiador, em uma parte menor, de cerca de 30%, como uma forma de incentivar o financiamento da empresa que assumisse o projeto. De acordo com uma fonte que trabalha no detalhamento da ideia, o BNDES pode fazer a análise de risco e financiar parte da obra, o que serviria de aval ao projeto e, justamente por isso, ajudando a empresa a conseguir o restante em recursos privados com juros mais baixos, por reduzir o risco.
O banco já trabalha na elaboração de projetos para Estados e municípios em várias áreas visadas pela proposta petista. Entre elas, leilões dos projetos de saneamento básico –pelo menos três estão programados para esse ano– e também propostas para mobilidade urbana e creches, entre outras.
A outra parte da ideia vem da mudança no formato das PPPs e do pagamento da outorga de concessões públicas em que o retorno venha através de tarifas. A ideia é que as outorgas –normalmente valores altos, pagos de uma vez só ao governo concessor– passem a ser diluídas em valores anuais.
Além disso, a proposta inclui uma espécie de banda de arrecadação, em que dentro de uma determinada faixa de demanda, acima ou abaixo da previsão inicial do contrato, os pagamentos pelos concessionários são mantidos sem alteração. Mas, se a demanda cair muito, como pode ocorrer em casos de grandes crises, como a pandemia de Covid-19, o pagamento anual pode ser reduzido proporcionalmente.
Da mesma forma, se a demanda subir muito além do previsto, o Estado ou município se torna sócio desse lucro extra, e recebe além do contratado inicialmente.
“O que acontece era que se atribuía ao operador de demanda uma capacidade de gestão que ele não tem. Você não decide viajar por um aeroporto porque ele é melhor, não decide ir passar férias na praia ou outro lugar porque a rodovia é melhor”, disse a fonte envolvida no desenvolvimento da ideia.
No caso de uma alta no PIB, quando a demanda naturalmente cresce, explica, o operador passa a ganhar mais e o Estado não lucra com isso. Mas, ao contrário, quando a demanda cai e a empresa fica insolvente, o serviço deixa de ser prestado ou é mal feito, afetando a população. Uma outorga diluída, com uma banda de pagamento, deixa o projeto mais resiliente.
“Se a União, dado que vai ter dificuldade para ter orçamento, pudesse dar aval, garantia, para projetos estratégicos que demonstrem um retorno socioeconômico e ambiental, a gente poderia alavancar um montão de recurso privado para investir nisso, e você resolveria um problema grande”, acrescentou.
O modelo foi usado por Geraldo Alckmin –hoje candidato a vice na chapa com Lula– na licitação de algumas linhas de metrô de São Paulo quando ele era governador, e deve ser defendido agora por ele também no programa de governo.