O mundo das criptomoedas deu um suspiro de alívio com relação ao novo decreto do presidente Biden para o setor. Esse sentimento positivo não se justifica. Ao longo de meses, o setor de ativos digitais permaneceu tenso, enquanto o governo Biden preparava um decreto sobre como o governo lidaria com o crescimento explosivo dos criptoativos. Em cinco anos, o valor de mercado total deles cresceu 300 vezes, superando US$ 3 trilhões.
Os entusiastas dos criptoativos temiam que Washington desse uma marretada regulatória. Em vez disso, o decreto parece apresentar um sistema sensato para abordar esse fenômeno. Muitos participantes do setor reconheciam que algum tipo de regulamento seria instituído e, portanto, ficaram encantados que o Tio Sam estivesse adotando uma abordagem razoável e responsável.
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Infelizmente, apesar das palavras reconfortantes sobre o desejo de “reforçar a liderança dos Estados Unidos no sistema financeiro global e na competitividade tecnológica e econômica”, o pressuposto implícito no decreto é que isso só acontecerá se todo o governo federal estiver envolvido na supervisão das coisas. Na verdade, a impressão que se tem é de que o novo mundo das criptomoedas está repleto de graves riscos, e não transbordando oportunidades.
Devido à natureza humana, as autoridades reguladoras têm uma visão distorcida do desconhecido. Basta observar os órgãos governamentais que o decreto de Biden diz que, de uma forma ou de outra, desempenharão um papel na regulamentação: a SEC, o Federal Reserve, a Comissão Federal de Comércio, a Agência de Proteção Ambiental, o Conselho de Política Interna da Casa Branca, o Conselho de Assessores Econômicos, o Departamento de Comércio, o Departamento de Energia, o Departamento do Tesouro, o Departamento do Trabalho, a Procuradoria-Geral, o Departamento de Estado, o Departamento de Defesa, a Secretaria de Administração e Orçamento e assim por diante.
Uma quantidade tão grande de grupos de estudo e comitês governamentais é nefasta para grandes avanços. Será que o automóvel e a internet teriam se desenvolvido tanto se Washington tivesse se envolvido no grau que pretende com relação às criptomoedas?
A criatividade é desordenada e imprevisível. O fracasso é comum. Os erros abundam. O desenvolvimento e progresso nunca são isentos de riscos. Sempre há fraudadores e charlatães, seja nas áreas de atividade já existentes, seja nas novas.
Uma ideia do decreto que deveria ser suprimida é a de que o Fed e o Departamento do Tesouro devem criar uma moeda digital do Banco Central. Com isso, você poderia dar adeus a qualquer resquício de privacidade financeira, pois o governo poderia monitorar facilmente tudo o que você gasta.
Os órgãos reguladores tentariam gerir a economia dando ordens quanto ao nível de gastos e investimentos desejado por eles e garantiriam que você fizesse o que eles quisessem. Para tanto, eles poderiam estipular datas de vencimento para as moedas.
O decreto também abre o jogo com relação à ameaça mortal que o governo vê nas stablecoins, que evoluirão a ponto de se tornarem alternativas às moedas governamentais: “O dinheiro soberano está no cerne de um sistema financeiro que funciona bem, das políticas de estabilização macroeconômica e do crescimento econômico”.
O decreto é um lobo em pele de cordeiro. Haverá grandes batalhas políticas e regulatórias pela frente.
Steve Forbes é presidente e editor-chefe da Forbes norte-americana. Escreve editoriais para todas as edições da versão impressa da Forbes, com reprodução na edição brasileira da revista, com o mote “Fato e Comentário”. Amplamente respeitado por seus prognósticos econômicos, ele é o único escritor a ganhar o prestigioso prêmio Crystal Owl Award quatro vezes.
Artigo publicado na edição 96 da revista Forbes, em abril de 2022.