O Brasil desperdiça por ano 27 milhões de toneladas de alimentos, suficientes para alimentar 12 milhões de pessoas, de acordo com um levantamento da ONU (Organização das Nações Unidas). Cerca de 80% desse desperdício é devido ao manuseio inadequado dos produtos, problemas no transporte e nas centrais de abastecimento.
Seis anos atrás os números eram outros, mas ainda altos e alarmantes o suficiente para a engenheira de alimentos Alcione Pereira decidir deixar a sua carreira corporativa para criar uma empresa de impacto que atuasse na destinação adequada dessa comida.
Pereira buscou um laboratório de empreendedorismo especializado em negócios de impacto social e fez conexões com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para colocar de pé o seu projeto: a Connecting Food.
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Ela é uma empresa privada de tecnologia que trabalha com o levantamento de dados e informações para melhorar a eficiência no tratamento dos alimentos dentro das empresas e para dar inteligência à distribuição da comida que seria desperdiçada. A companhia é voltada para o impacto social, mas visa o lucro e cobra por seus serviços como qualquer outra. “Muitas pessoas têm essa ideia errada de que trabalho social e empresa lucrativa não podem trabalhar juntos, que uma coisa cancela a outra. Mas isso é um erro, um paradigma que devemos descontruir”, afirma Pereira.
A foodtech treina os profissionais para melhorar o manuseio dos alimentos nas lojas e no transporte, faz a coleta de dados de quantos alimentos são disponibilizados por dia e quantos acabam sem destino comercial, produz relatórios e acompanha as metas de cada uma das empresas-clientes.
Os alimentos que não foram comercializados e precisam ser renovados diariamente são então recolhidos por (agora sim!) ONGs e OSCs que fazem a distribuição para famílias em situação de vulnerabilidade social. São frutas, verduras e legumes aptos para alimentação, mas na maioria das vezes com uma estética feia.
“Os alimentos estão perfeitos para consumo, mas com pequenos defeitos que os fazem ser descartados na hora da compra. Uma banana com pintas pretas ou fora do cacho, por exemplo, não é escolhida. Frutas um pouco mais amassadas ou maduras também não. Esses alimentos são, então, separados e direcionados para recolhimento e distribuição”, explica Pereira.
Impacto em gigantes
A Connecting Food atende hoje 380 organizações, em 116 cidades de 15 estados do país. Entre os seus clientes estão grandes redes de supermercados com presença nacional, como Grupo Pão de Açúcar, Assaí Atacadista e rede Extra. Indústrias de alimentos como Nestlé, Bauducco e M. Dias Branco também fazem parte do portfólio.
“Recolhemos alimentos em todo o país e fazemos a conexão com OSCs próximas para a distribuição, que pode ser do alimento in natura ou de refeições preparadas, na forma de marmitas”, diz a fundadora.
Em 2021, a empresa de impacto social gerenciou mais de 3 mil toneladas de alimentos e evitou que 5 milhões de refeições fossem para o lixo. Em seis anos, a foodtech já conseguiu salvar e redestinar 7,78 mil toneladas de alimentos, que completaram 14,4 milhões de refeições de brasileiros.
Só no Pão de Açúcar, 350 lojas tiveram alimentos recolhidos para distribuição a mais de 100 famílias por mês, de janeiro a junho deste ano. O montante permitiu o complemento de cerca de 300 mil refeições no período.
Em relatório de sustentabilidade do ano passado, o Assaí destacou que doou 1,2 mil toneladas de alimentos ao longo de 2021, que beneficiou cerca de 147 mil famílias no Brasil por meio de 100 instituições de atuação nacional e local. Neste ano, a meta é superar 2 mil toneladas em quantidade de doações de frutas, legumes e verduras. O número significa um crescimento de 65% no comparativo com o ano anterior.
Para se ter uma ideia do quanto isso representa, a quantidade é suficiente para contribuir com mais de 4 milhões de pratos de comida e beneficiar quase 300 mil famílias.
Doação dentro da lei
Em 2023, Pereira quer expandir as atividades da Connecting Food e planeja um projeto piloto para a coleta de alimentos de restaurantes, que ela afirma ter muito interesse e busca pelos serviços da foodtech.
Porém, também faz parte do projeto da empresa de impacto social a busca por uma legislação que dê base jurídica ao trabalho que é feito. A lei que prevê a doação de alimentos excedentes para combate ao desperdício e a fome é bastante recente, de 2020 (Lei 14.016)
“Hoje temos a permissão para as doações, mas precisamos avançar nesse tema. Tem muitas empresas que não sentem que há segurança jurídica o suficiente e não tem programas de doação e distribuição por medo”, conta Pereira.
Em parceria com 15 empresas, como Carrefour, M. Dias Branco, Nestlé e Camil, a Connecting Food atua no Todos à Mesa, um grupo ligado ao movimento de combate à fome que trabalha na doação de alimentos e também pressiona o sistema político para a formulação de uma lei mais abrangente sobre o assunto.
“Trabalhar só no cenário emergencial do combate à fome não é suficiente, também precisamos de medidas de médio e longo prazo que ajudem a reverter o quadro de fome que vemos no nosso país atualmente”, afirma Pereira.
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