Nos países como grandes mercados de ações, como Estados Unidos, Japão e Reino Unido, é possível fazer negócios em mais de uma bolsa. Nos EUA são 13 pregões, cuja competição é benéfica para os investidores e para o mercado como um todo.
Por aqui, o cenário é outro. A Brasil, Bolsa, Balcão (B3), operadora da bolsa de valores brasileira, impera sozinha. Todas as negociações com ações, derivativos e títulos de renda fixa privados realizadas no mercado brasileiro passam pela B3 – um negócio que rendeu R$ 4,7 bilhões de lucro à empresa em 2021, alta de 13,6% em um ano.
No entanto, isso pode mudar nos próximos anos. Em junho, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deu o primeiro passo na prática para permitir a ruptura desse monopólio, autorizando a criação de um sistema de negociação para grandes lotes de ações fora dos sistemas da bolsa. É o chamado mercado de balcão organizado. Até então, comprar e vender ações só era permitido dentro de ambientes de bolsa.
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No início deste mês, a autarquia avançou no assunto ao apresentar a metodologia para essas negociações de grandes volumes de ações que acontecem de uma só vez – também chamadas de “block trades”.
A medida abre uma porta para fomentar o desenvolvimento de concorrentes para a B3. Isso porque os block trades poderão ser negociados no ambiente de balcão organizado, que outras empresas têm autorização para operar.
Em nota à Forbes, a CVM afirma que “como órgão regulador, não compete à CVM trabalhar para facilitar a existência de monopólio nem para forçar a concorrência. É papel desta autarquia elaborar normas que sejam capazes de promover o desenvolvimento do segmento. Neste sentido, [a CVM] reformulou o arcabouço regulatório dos mercados e passou a permitir a operações com grandes lotes nos mercados de bolsa e de balcão.”
Esse modelo já existe no exterior, de onde a autarquia afirma que estudou as melhores práticas para empregar no mercado brasileiro.
Avanço para o mercado
Grandes lotes de ações são negociados por investidores institucionais e estrangeiros. Até então, para realizar uma negociação desse porte era necessário colocar os papéis em leilão. Isso pode provocar distorções nos preços, por aumentar subitamente o volume de ações negociadas pela entrada de um investidor de grande porte.
Levar essas operações para o mercado de balcão organizado significa separar as operações de investidores pessoas físicas das grandes operações dos institucionais e estrangeiros. Essa divisão nas negociações retira do mercado as distorções dos preços geradas pelo block trade.
De acordo com a CVM, cerca de 10% do volume de negociações da bolsa pode ser executado no segmento específico de grandes lotes – é aí que está o espaço para o crescimento da concorrência. Empresas como a SL Tools e a CSD BR estão de olho nesse filão do mercado.
“A CVM criou um estágio anterior à licença de bolsa ao permitir a negociação de ações em balcão organizado. Isso já nos permite fazer muita coisa e adentrar um mercado que estava mais restrito. É um grande avanço em uma área que vemos aumento de fluxo em até 50% nos próximos anos”, diz André Duvivier, CEO da SL Tools.
De acordo com ele, o mecanismo de leilão não era o ambiente adequado para as negociações de grandes investidores. Agora, com um espaço apropriado e mais parecido com o que é visto em mercados internacionais, Duvivier afirma que as negociações devem aumentar.
Procurada, a B3 informou que não comenta a decisão do regulador, mas que desde a fusão entre BM&FBovespa e a Cetip (Central de Custódia e Liquidação de Títulos), a administradora da bolsa, obedecendo às decisões da CVM, vem mantendo sua operação de clearing (processo de compensação e liquidação das operações financeiras) aberta para a entrada de outros operadores. “É estratégia da B3 participar de forma ativa nesse mercado, disponibilizando aos participantes soluções que permitam a negociação em grandes blocos”, informou a bolsa.
Grandes lotes
A definição do que seria um “grande lote” pela CVM foi um dos pontos centrais da nova regulamentação. Se a régua fosse muito alta, nada mudaria e as negociações continuariam concentradas nos leilões da B3, mas se o tamanho do lote fosse muito baixo, haveria o risco de esvaziar as operações no mercado tradicional.
As regras anunciadas no começo deste mês passaram por uma audiência pública e a autarquia também buscou inspiração nos mercados internacionais para a sua decisão.
“O modelo europeu foi considerado como uma boa inspiração para o mercado brasileiro, uma vez que considera diferentes padrões de liquidez das ações. Isso permite um tratamento apropriado ao nosso mercado, onde as ações têm perfil de negociação bastante distinto entre si”, afirma a CVM em nota.
Os grandes lotes nos balcões organizados continuam a ter como referência o preço formado no mercado tradicional e não interferem nas negociações da bolsa. Quanto aos critérios, a CVM irá divulgar três vezes ao ano as ações passíveis de negociação e seus respectivos lotes mínimos.
Neste primeiro momento, 427 ações foram apresentadas como elegíveis, em oito diferentes faixas de lotes mínimos. A menor faixa, de R$ 500 mil o lote mínimo, tem 225 papéis elegíveis. As cinco faixas intermediárias têm menos ações aptas e o total de ticker varia entre 65 com lotes mínimos de R$ 1 milhão e 15 com lotes mínimos de R$ 6 milhões.
As duas primeiras faixas, reservadas para as ações com maior liquidez na bolsa, só possuem duas empresas cada uma. A segunda faixa conta com Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4), ambas empresas com liquidez entre R$ 800 milhões e R$ 1,5 bilhão de volume diário, que vão ter lotes mínimos de R$ 7 milhões.
Já a primeira faixa é para Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3), que possuem liquidez superior a R$ 1,5 bilhão, vão ter lotes mínimos de R$ 8,5 milhões.
Duvivier destaca que as operações no balcão organizado vão ser iguais, em termos de infraestrutura e operacionalidade, às da bolsa. “Não importa se você comprou uma ação na B3 e vendeu na SL Tools, a compensação e liquidação será feita da mesma forma e é crucial que seja assim para a qualidade da experiência e crescimento do mercado brasileiro.”
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