Pela primeira vez desde 1998, o Brasil irá terminar o ano sem registrar nenhuma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações na bolsa de valores. Isso depois de registrar dois anos consecutivos com números grandiosos: 2020 e 2021 somaram 73 aberturas de capitais.
Segundo especialistas, esses dois anos registraram uma combinação de fatores que acabou em 2022: o combo juros baixos e estímulos financeiros. Por conta da pandemia do coronavírus, não só o Brasil, mas o mundo inteiro aplicou a mesma receita de abaixar os juros e colocar dinheiro na economia enquanto o comércio e as indústrias mantinham suas portas fechadas.
O resultado por aqui foi 28 IPOs em 2020, que somaram uma captação total de R$ 117 bilhões. Já em 2021 foram 45 IPOs, com uma captação total de R$ 65 bilhões. O relatório “2021 EY Global IPO Trends”, mostrou que o mundo registrou um total de 2.388 ofertas naquele ano, com US$ 453,3 bilhões (R$ 2,28 trilhões) em receitas.
A chegada da vacina e o arrefecimento dos casos da doença fizeram o cenário mudar em 2022. A queda nos juros com o excesso de dinheiro em circulação resultou em uma alta da inflação globalmente e os cofres públicos que se abriram para injetar dinheiro na economia resolveram pegar de volta por meio do aumento dos juros.
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Hoje, vemos o mercado enfrentando uma desaceleração econômica que acontece mundo afora e compromete a demanda dos investidores por negócios de risco e dificulta a leitura das empresas sobre seus lucros futuros.
“Para pensar em um IPO é necessário ter um mínimo de visibilidade de cenário para entender o que pode acontecer na economia brasileira e na economia mundial pelos próximos três anos, pelo menos”, diz Sérgio Goldman, gestor de researsh da Esh Capital. “Não temos esse ambiente ainda.”
IPOs em 2023?
Além das discussões sobre inflação e juros mundialmente, o Brasil também enfrentou outras crises com as eleições presidenciais no calendário de 2022. A disputa polarizada entre duas linhas muito distintas de atuação social e econômica aumentou as dúvidas sobre o futuro do país.
Ao fim do pleito foi eleito o ex-governante Luiz Inácio Lula da Silva, mas ainda não se sabe muito sobre sua equipe econômica e prioridades no primeiro ano de mandato.
“A economia voltar a crescer e investidores tranquilos para se planejar são gatilhos para a retomada dos IPOs”, diz Goldman. Porém, segundo ele, é precipitado esperar por isso no próximo ano. “A visibilidade do cenário do próximo ano ainda é muito limitada.”
Danielle Lopes, analista e sócia da Nord Research, indica três fatores que precisam de resposta antes de se pensar em uma retomada das janelas de IPOs: patamar dos juros, responsabilidade fiscal e viés da economia.
“Acho difícil uma retomada das ofertas no primeiro semestre do ano, mas a partir de julho acredito ser mais possível. Porque até lá já dá para entender o caminho que a equipe econômica do Lula deve seguir e qual a postura do Banco Central para os juros”, diz Lopes.
Essa clareza de cenário é primordial para os investidores, segundo os especialistas. Embora os últimos dois anos tenham registrado um grande volume de IPOs, o desempenho dessas ações na bolsa não foi dos melhores desde então.
Dos 73 IPOs realizados, 57 foram à mercado com um preço menor do que o estabelecido na oferta inicial. Ou seja, já na estreia os papéis perderam valor.
Mais exigentes
Para os especialistas consultados pela Forbes, o mau desempenho dos IPOs mais recentes tornaram os investidores mais exigentes. “A demanda continua baixa. As empresas vão precisar apresentar projetos que façam muito sentido para levantar dinheiro em suas ofertas. O mercado está com o pé atrás após os resultados passados ruins”, diz Goldman.
Questões como qualidade da gestão e governança, estruturação de um setor de relação com investidores e clareza de futuro serão necessários. “A exposição de uma empresa de capital aberto é muito maior do que de uma empresa de capital fechado. Tem muitas que vem à mercado e não estão preparadas para isso”, diz o gestor.
Lopes também destaca que essas empresas precisarão ter as respostas na ponta da língua já em suas conversas iniciais com os investidores. Projeções para um cenário A ou B de demanda, situação do caixa com juros altos e com queda dos juros, projeções para um governo mais participativo ou não, entre outros tópicos.
“O mercado macroeconômico é cíclico. Hoje o juros está alto, amanhã pode cair e depois subir de novo. As empresas precisam entender os seus cenários micro e saberem responder qual é a posição para diferentes possibilidades. Tem que saber reagir e olhar para uma janela de cinco a dez anos ou não se sustenta”, afirma a analista.
Nomes como Madero, CSN Cimentos, Environmental ESG, Vix Logística e Dori Alimentos tinham planos de IPO para este ano, mas postergaram pela baixa demanda. Para Lopes não é certo que os planos tenham sido postergados para 2023 necessariamente.
Segunda ela, essas empresas também precisam rever seus negócios e planos para entender se a proposta de abertura de capital ainda é válida. A analista afirma que casos de cisão de negócios, como o da CSN Cimentos e da Environmental ESG, são mais simples porque o mercado já conhece as empresas originárias desses braços.
“Quando uma empresa fala sobre sua intenção de cisão o mercado já faz os cálculos para essa separação e o quanto isso poderia destravar os negócios. Investidores acompanham e esperam essa separação, passa a ser um movimento natural e é mais fácil”, diz Lopes.
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