A rápida deterioração do cenário macroeconômico pós-pandemia, com inflação e juros altos, criou um risco para os bancos no Brasil, disse o diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), Daniel Lima.
“O cenário macroeconômico preocupa”, disse Lima em entrevista à Reuters. “Os bancos ainda terão perdas por terem emprestado dinheiro barato antes de o juro subir”, acrescentou.
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Frequentemente apontados como empresas que conseguem se beneficiar de diferentes cenários da economia, grandes bancos de varejo no país foram surpreendidos com um repique da inflação em 2021 que levou o Banco Central (BC) levar o juro básico da economia de 2% para 13,7% anuais em 17 meses.
Como resultado, alguns bancos tiveram um descasamento na sua principal operação, a de gerenciar o custo de captação e o valor de concessão de empréstimos. A recente temporada de balanços do terceiro trimestre mostrou-se especialmente cruel para o setor, com Santander Brasil e Bradesco reportando quedas significativas no lucro e analistas prevendo trimestres difíceis à frente para o segmento.
Segundo Lima, apesar disso, o sistema como um todo está muito capitalizado e historicamente tem se mostrado resiliente a diferentes perfis de crises, como a da própria pandemia.
Por outro lado, ele citou riscos emergentes, como a computação em nuvem e a proliferação dos crimes cibernéticos, o que pode convidar uma ampliação dos mecanismos de prevenção, como do próprio FGC, para eventuais urgências.
A computação em nuvem é um dos fatores que permitiram uma proliferação de instituições de pagamentos no Brasil nos últimos anos, uma vez que dispensou a necessidade de investimentos bilionários na montagem de centros de processamento de dados, como os detidos pelos maiores bancos do país.
“O serviço na nuvem pode ser um problema, porque os prestadores do serviço são poucos, esse mercado é bastante concentrado”, disse Lima.
As declarações do executivo, um veterano da indústria bancária e de fundos de pensão, vêm no momento em que a entidade defende uma aparato institucional que lhe permita prevenir crises, em vez de apenas pagar clientes de bancos quebrados.
Criado em 1995 na esteira do Plano Real, cuja estabilização econômica trouxe como consequência uma quebradeira de bancos que se beneficiavam de um ambiente de inflação persistentemente alta no país, o FGC é um órgão privado, cujas 221 associadas contribuem mensalmente para o patrimônio da entidade, hoje de pouco mais de R$ 100 bilhões.
O FGC paga até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ em caso de quebra de uma instituição associada, válido para ativos como depósitos à vista, poupança, CDB, LCIs e LCA (letras de crédito imobiliário e do agronegócio).
Os recursos do fundo devem ser suficientes para pagar de 2,3% a 2,7% dos recursos do sistema financeiro elegíveis para cobertura. Esse percentual chegou a cair para cerca de 1,9% durante a pandemia, período de crescimento acentuado da bancarização digital no país. Como efeito do aumento dos juros sobre a carteira de títulos do FGC, o índice voltou a 2,3%.
O órgão pagou nos últimos três anos pouco mais de R$ 900 milhões a clientes de instituições financeiras de menor porte que foram liquidadas pelo BC.
Poder para prevenir
Com a combinação de cenário econômico frágil e desafios tecnológicos, além de riscos potenciais ligados ao surgimento de novas modalidades de crédito, o FGC agora vem defendendo a aprovação de um projeto de lei que lhe permita dar apoio a instituições em situação de fragilidade. Essa proposta faz parte do PL 281, de 2019, que está em análise no Congresso Nacional.
Na verdade, o FGC já fez isso. O caso mais conhecido foi o de 2015 quando, diante de um risco grave de liquidez devido à prisão do seu então presidente-executivo, André Esteves, o BTG Pactual recorreu ao órgão para uma linha de R$ 6 bilhões.
“No passado, o FGC era mais uma caixa pagadora, depois ganhou poderes para fazer assistências. Agora precisamos de um arcabouço que dê nos mais segurança jurídica”, defendeu ele.
Questionado sobre o interesse da entidade de eventualmente atuar em mercados emergentes, como o de criptomoedas, Lima disse que não há planos nesse sentido.
“Não vejo o FGC participando em criptoativos, não seria bom para o mercado”, afirmou. Segundo ele, o próprio setor de moedas digitais talvez futuramente crie um mecanismo de ressarcimento nos moldes do que a B3 faz com corretoras de valores.