Ontem (19) foi um dia de tensão no mercado financeiro. A rentabilidade dos títulos públicos vinculados à inflação de prazo mais longo, o Tesouro IPCA+ 2045, bateu um recorde e chegou a 6,48% ao ano mais a variação da inflação. Foi o maior prêmio sobre a variação do IPCA desde o lançamento dessa alternativa de investimento, no início de 2017. O fechamento anterior havia sido de acima da inflação. O dólar também oscilou e fechou a R$ 5,17, após ter chegado a R$ 5,22.
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O que agitou os mercados foram algumas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite da quarta-feira (18). Em uma longa entrevista, ele comentou os eventos do dia 8 de janeiro e também aproveitou para falar de economia. E uma de suas declarações que mais desagradou os investidores foi sobre a independência do Banco Central (BC).
A reação foi tão forte que Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, usou o Twitter para relativizar as declarações presidenciais. Roberto Campos Neto, presidente do BC, foi na mesma direção. a fim de relativizar a fala de Lula. Ele disse que a formalização da autonomia do BC por meio de uma lei ajudou a reduzir a volatilidade dos mercados.
Adotada em fevereiro de 2021, a Lei de Autonomia do BC (Lei Complementar 179) define os mandatos do presidente e dos diretores do BC e, principalmente, estabelece em quais condições o presidente do BC poderá ser trocado. Isso garante, legalmente, que o presidente do BC poderá executar seu trabalho sem a preocupação de ser demitido por um Presidente da República que discorde da política monetária.
Inflação e juros
Você acha que isso é uma discussão muito distante da sua vida cotidiana? Pense de novo. Banqueiros centrais têm um trabalho difícil a fazer. Eles são responsáveis por preservar o valor da moeda nacional no longo prazo. A dificuldade está exatamente nas palavras “longo prazo”. Faz parte da natureza humana buscar a satisfação imediata. Se formos seguir apenas nossos instintos, vamos gastar tudo o que tivermos e usar todos os nossos limites de endividamento.
Isso vale para pessoas e também para governos. Por isso é preciso haver regras que garantam a responsabilidade fiscal. E a possibilidade que a inflação causada por eventuais descumprimentos dessas regras seja corrigida pela política monetária. Isso só se consegue com um BC independente.
“A independência do BC aumenta a previsibilidade da política económica, principalmente da política monetária”, diz Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo. “Isso tem efeitos positivos como reduzir a incerteza, estimular o investimento produtivo e o crescimento econômico.” Segundo Gamboa, os países onde o BC é independente apresentam um desempenho macroeconômico superior.
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A independência do BC pode não ser uma condição suficiente para blindar a economia contra crises. Mas é uma condição necessária para impedir o agravamento das crises, especialmente as provocadas por desequilíbrios econômicos internos (problemas fiscais) ou externos (desequilíbrio do balanço de pagamentos).
Todo governante quer ser popular. Isso garante sua permanência, ou a de seu partido, no poder (em regimes democráticos, claro). E a maneira mais fácil de se tornar impopular é tirando dinheiro do bolso dos eleitores, seja elevando impostos, seja aumentando os juros e desacelerando a economia. Essas não são decisões fáceis.
Se isso não parece óbvio, pensemos no seguinte paralelo: você ficaria confortável em desobedecer ao seu (ou à sua) chefe e tomar uma decisão que é melhor para a empresa em que ambos trabalham? A única maneira de permitir que isso ocorra é garantir que seu emprego não será afetado nesse caso. “
Um BC independente obriga o Executivo e o Legislativo a definir melhor suas prioridades, colocando em xeque a crença de que os governos têm capacidade inesgotável de criar recursos”, diz Camila Abdelmalack economista chefe da Veedha Investimentos.