A Justiça do Rio de Janeiro aceitou pedido de recuperação judicial da Americanas apresentado hoje (19) e que cita dívidas de cerca de R$43 bilhões. O pedido foi feito oito dias após a empresa ter revelado um rombo contábil de R$ 20 bilhões, em um dos maiores escândalos corporativos da história do Brasil.
No documento encaminhado à 4ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, a varejista citou a piora nas conversas com credores e fornecedores, a consequente redução posição de caixa e a necessidade de manter a operação como motivos para o pedido, o quarto maior da história no país.
O pedido de recuperação judicial inclui as empresas B2W, JSM Global e ST Importações, deixando de fora a fintech Ame, que vinha recebendo forte impulso do ecossistema de lojas físicas e online do grupo.
Os acionistas de referência pretendem manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação, afirmou a Americanas, que pediu ainda à Justiça aval para capitalizar a Ame, por considerá-la “um dos maiores vetores de renda do grupo”.
A recuperação judicial foi precipitada por uma batalha judicial desde a última sexta-feira, quando a Americanas obteve proteção de 30 dias contra credores, dois dias após ter feito o tumultuado anúncio de “inconsistências contábeis” de 20 bilhões de reais e consequente renúncia dos seus dois principais executivos, após poucos dias no cargo.
Credores, incluindo BTG Pactual e Bradesco, buscaram reverter a decisão, esvaziando o caixa da Americanas, cujo breve presidente-executivo Sergio Rial disse ao renunciar na semana passada que era de R$ 7,8 bilhões.
Sem citar nomes, a varejista afirmou no pedido à Justiça que “alguns poucos credores, sem pensar nos impactos para a coletividade, tomaram medidas precipitadas que culminaram no perigoso esvaziamento do caixa da companhia e, consequentemente, inviabilizaram a sua operação a curto prazo”.
Como resultado do anúncio desta quinta, a ação da Americanas mergulhou 42,5%, para R$ 1, colocando seu valor de mercado em cerca de 902 milhões de reais, menos de 10% do que valia antes do malfadado anúncio da semana passada, que também levou as agências de rating Fitch e S&P a colocarem a classificação da nota de crédito da companhia na categoria ‘lixo’. A B3 anunciou hoje a exclusão do papel de todos os índices, incluindo o de referência da bolsa, Ibovespa.
O pedido de recuperação judicial põe Americanas, com cerca de 40 mil empregados e 3.600 lojas físicas, entre as maiores ‘RJs’ do país. O grupo das maiores operações do tipo no país inclui Odebrecht, com R$ 98,5 bilhões em dívidas em 2019; Oi, com R$ 65,4 bilhões em 2016; e Samarco (R$ 50 bilhões) em 2021.
Guerra judicial da Americanas
Após o fechamento do mercado acionário, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou a criação de uma força tarefa para investigar o escândalo, criando um canal de denúncias anônimas envolvendo a Americanas.
Na CVM já há pelo menos sete processos de investigação envolvendo Americanas, PwC, agências de classificação de risco e acionistas de referência.
Além disso, um grupo de investidores pediu arbitragem coletiva contra a Americanas e a 3G Capital, buscando indenização de R$ 500 milhões, segundo documento visto pela Reuters hoje.
O grupo de investidores, Instituto Ibero-americano da Empresa, fez o pedido à Câmara do Mercado da B3. A entidade afirma que os problemas contábeis da Americanas que remontam há anos mascararam o real preço da ação da companhia, levando os investidores a erro.
Representantes da Americanas e da 3G Capital não comentaram o assunto.
Na semana passada, a Abradin, associação que reúne minoritários de empresas de capital aberto, apresentou denúncia à CVM pedindo investigação sobre a PwC e a Americanas, considerando que a crise foi criada por uma fraude.
Manchas
O caso Americanas lança sombras sobre a reputação de empresários, executivos, auditores e sobre a capacidade de reguladores e outros entes do mercado de evitarem fraudes e outros escândalos contábeis.
Um dos principais alvos de críticas é a PwC. Além da Americanas, a companhia também era auditora independente da resseguradora IRB Brasil, protagonista de um escândalo contábil em 2020; da Odebrecht e da Petrobras, peças centrais de um megaescândalo desvendado pela Lava Jato.
O episódio também resvala sobre o lendário grupo de investidores brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, fundadores da 3G Capital, e que além de serem acionistas de referência da Americanas, controlam Ambev; Kraft Heinz; e Zamp, nome oficial da Burger King no Brasil. A 3G Capital não é acionista direta da Americanas.
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Desde o anúncio do escândalo contábil na semana passada, investidores têm se mostrado preocupados com possibilidade de contágio dos problemas da Americanas nas outras empresas investidas pelo trio.
Porém, o analista Mateus Pazin Haag, da Guide Investimentos, afirmou que apesar das ações da Ambev terem sofrido com a crise da Americanas, os riscos da cervejaria apresentar o mesmo problema contábil da varejista ou de seus controladores venderem ações da empresa são baixos. As ações da Ambev encerraram o dia em queda de 1% ante alta de 0,6% do Ibovespa.