A Americanas pediu recuperação judicial hoje (19), com dívidas de cerca de 43 bilhões de reais, oito dias após ter revelado um rombo contábil multibilionário que colapsou uma das maiores varejistas da América Latina.
No documento encaminhado à 4ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, a varejista citou a piora nas conversas com credores e fornecedores, a consequente redução posição de caixa e a necessidade de manter a operação como motivos para o pedido, o quarto maior da história.
O pedido de recuperação judicial inclui além da Americanas as empresas B2W, JSM Global e ST Importações, deixando de fora a fintech Ame, que vinha recebendo forte impulso do ecossistema de lojas físicas e online do grupo.
Os acionistas de referência pretendem manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação, afirma a Americanas, que pediu ainda que a Justiça a autorize a capitalizar a Ame, por considerá-la “um dos maiores vetores de renda do grupo”.
A recuperação judicial foi precipitada por uma batalha judicial desde a última sexta-feira, quando a Americanas obteve uma proteção de 30 dias contra credores, dois dias após ter feito o tumultuado anúncio de “inconsistências contábeis” de 20 bilhões de reais e consequente renúncia dos seus dois principais executivos, após poucos dias no cargo.
Credores, incluindo BTG Pactual e Bradesco, buscaram reverter a decisão, esvaziando o caixa da Americanas, que Sergio Rial, o breve presidente-executivo, disse ao renunciar na semana passada que era de 7,8 bilhões de reais.
Sem citar nomes, a varejista afirmou que “alguns poucos credores, sem pensar nos impactos para a coletividade, tomaram medidas precipitadas que culminaram no perigoso esvaziamento do caixa da companhia e, consequentemente, inviabilizaram a sua operação a curto prazo”.
Como resultado do anúncio desta quinta, a ação da Americanas mergulhou 30%, para 1,19 real, colocando seu valor de mercado em cerca de 1,6 bilhão de reais, cerca de 10% do que valia antes do malfadado anúncio da semana passada, que também levou as agências de rating Fitch e S&P a colocarem a classificação da nota de crédito da companhia na categoria ‘lixo’. A B3 anunciou nesta quinta-feira a exclusão do papel de todos os índices, incluindo o de referência da bolsa, Ibovespa.
O pedido desta quinta-feira põe Americanas, que tem cerca de 40 mil funcionários, entre as maiores ‘RJs’ do país. O grupo das maiores operações do tipo no país inclui Odebrecht, com 98,5 bilhões de reais em dívidas em 2019; Oi, com 65,4 bilhões em 2016; e Samarco (50 bilhões de reais) em 2021.
Manchas
O caso Americanas tem lançado sombras sobre a reputação de empresários, executivos, auditores e sobre a capacidade de reguladores e outros entes do mercado de evitarem fraudes e outros escândalos contábeis.
Um dos principais alvos de críticas é PwC. Além da Americanas, a companhia também era auditora independente da resseguradora IRB Brasil, protagonista de um escândalo contábil em 2020; da Odebrecht e da Petrobras, esta última peça central do escândalo desvendado pela Lava Jato.
O episódio também resvala sobre o lendário grupo de investidores brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que além de serem acionistas de referência da Americanas, controlam Ambev; Kraft Heinz; e Zamp, nome oficial da operadora do Burger King no Brasil.
Desde o anúncio do escândalo contábil na semana passada, investidores têm se mostrado preocupados com possibilidade de contágio dos problemas da Americanas nas outras empresas investidas pelo trio.
Mais cedo, o analista Mateus Pazin Haag, da Guide Investimentos, afirmou que apesar das ações da Ambev terem sofrido com a crise da Americanas, os riscos da cervejaria apresentar o mesmo problema contábil da varejista ou de seus controladores venderem ações da companhia são considerados baixos.