A Escandinávia é considerada a região econômica e socialmente mais bem-sucedida do mundo. Apesar do clima pouco ameno, a conjugação entre um estado de bem-estar social que funciona, a alta renda da população e índice de desenvolvimento humano elevados tornam esses países invejáveis. E, dentre eles, a Noruega costuma ser considerada especialmente privilegiada. Além de todas as características citadas anteriormente, o país vem se beneficiando há várias décadas de uma florescente indústria petrolífera, que explora grandes jazidas no Mar do Norte.
Porém, boa parte da riqueza nacional pode estar ameaçada pela migração dos noruegueses mais ricos em busca de climas mais amenos. Em termos fiscais, bem entendido. Em 2021, dado mais recente disponível, cerca de 30 dos cidadãos noruegueses com maiores patrimônios emigraram para outros domicílios fiscais. A estimativa é que esse número tenha quase triplicado em 2022, o que eleva o número de emigrantes para 115 nos últimos dois anos. Essa cifra é equivalente ao total dos dez anos anteriores. O destino preferido foi a Suíça, embora tenha havido mudanças para outros países europeus, como Chipre e Itália, e também para o Canadá.
O exemplo mais recente ocorreu no fim de 2022. Fredrik Haga, o cofundador da empresa de dados de criptomoedas Dune, moveu a sede de sua companhia, avaliada em US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões) da Noruega para Zug, na Suíça, região conhecida pelo grande número de empresas de criptoativos. Em uma entrevista concedida ao Financial Times no fim de 2022, Haga foi – como seus conterrâneos – pragmático. “Eu tive de escolher entre o desejo de ficar na Noruega e o desejo de que a empresa fosse bem-sucedida”, disse ele. “Não se trata de não querer pagar impostos. Trata-se de pagar impostos sobre um dinheiro que não tenho.”
Impacto econômico
Esse movimento não causa problemas sociais. Com o típico humor britânico, o Financial Times denomina essa migração “a menos grave das crises humanitárias”. No entanto, ironias à parte, alterações fiscais para tributar os mais ricos apenas com base em seus patrimônios podem provocar problemas econômicos e desestimular a inovação e os investimentos. O imposto sobre a riqueza da Noruega, um dos poucos ainda cobrados na Europa desde que a França o aboliu em favor de um imposto sobre a propriedade em 2018, há muito tempo é motivo de discórdia para os ricos do país.
Ao Financial Times, Erlend Grimstad, secretário de Estado do Ministério das Finanças, disse que o governo deseja que os indivíduos e as empresas prosperem, mas que os mais ricos têm de pagar mais para ajudar a manter o generoso estado de bem-estar social. “As pessoas se beneficiam de educação gratuita, infraestrutura nacional, assistência médica gratuita, assistência infantil pré-escolar subsidiada, regras generosas de licença e imposto corporativo de acordo com outros países. Isso significa que aqueles que têm sucesso com este modelo social devem contribuir mais do que outros”, disse ele.
O imposto norueguês incide sobre todas as fortunas líquidas superiores a US$ 173 mil (R$ 890 mil). O governo de centro-esquerda que assumiu o poder no fim de 2021 elevou a taxa de 0,85% para 1,1% nas maiores fortunas. A Suíça também tem um imposto sobre a riqueza, mas oferece acordos para estrangeiros e a alíquota pode ser de apenas 0,1% em alguns cantões.
Os emigrantes fiscais noruegueses argumentam que o imposto sobre a riqueza os obriga a retirar capital de suas empresas para pagá-lo e isso, por sua vez, é ruim para o crescimento, o desenvolvimento de negócios e do emprego. É o argumento de Haga, cuja maior parte do patrimônio e da renda está vinculado à empresa que fundou: a estrutura fiscal adotada em 2021 poderia obriga-lo a descapitalizar a empresa para pagar impostos.
Propostas de tributação
As propostas de lançar impostos sobre a riqueza tornaram-se cada vez mais populares nos últimos anos, embora não haja consenso entre seus defensores. Alguns, como o economista Thomas Piketty, defendem a tributação para reduzir (ou mesmo eliminar) a concentração de renda. Nos últimos anos, ele vem defendendo um imposto global progressivo. A menor alíquota seria de 5% e incidiria quem possui um patrimônio superior a € 2 milhões (R$ 11,02 milhões) e chegaria a 90% sobre os que valem mais de € 2 bilhões (R$ 11,02 bilhões). A meta, diz Piketty, é que “não haja mais bilionários”. Para o economista, o imposto sobre a riqueza terá sucesso se ninguém for rico o suficiente para pagá-lo e a receita for zero. Ou seja, a função do imposto é apenas equilibrar as coisas.
Outra vertente defende que esse imposto deve ser cobrado para financiar gastos públicos. Essa é, por exemplo, a posição da senadora americana Elizabeth Warren, democrata de Oklahoma. Sua proposta de “Imposto Ultra-Milionário” cobraria “2% ao ano sobre cada dólar de patrimônio líquido acima de US$ 50 milhões (R$ 257 milhões) e um imposto de 6% sobre cada dólar de patrimônio líquido acima de US$ 1 bilhão (R$ 5,15 bilhões).”
No entanto, apesar do aumento recente das propostas, os impostos sobre a riqueza tornaram-se menos comuns. Em 1996, doze membros da OCDE, organização dos países mais ricos, tributavam a riqueza: em 2020, apenas cinco países mantinham essas taxas. Até a França, país natal de Piketty, abandonou seu imposto sobre a riqueza em 2017. O fracasso da Grã-Bretanha mostra os motivos.
Rolling Stones
Em fevereiro de 1974, o Partido Trabalhista foi eleito prometendo “redistribuir fundamentalmente renda e riqueza”. Eles propuseram o aumento das pensões, um novo benefício para crianças e reduções nos aluguéis de moradias públicas. Seu manifesto prometia “um imposto anual sobre a riqueza dos ricos” para ajudar a pagar tudo isso.
Nem a Receita Federal britânica estava otimista. Já havia um exemplo anterior. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1949, o imposto sobre sucessão na Inglaterra foi elevado para 75%. No entanto, nos anos 1960, dez anos após sua introdução, ele respondia por apenas 0,6% da arrecadação. Os contribuintes evitavam o pagamento usando artifícios como doações e transferência dos ativos para empresas.
No fim dos anos 1960, o próprio Tesouro alertou que “[O imposto sobre a riqueza] levará as pessoas a buscar o status de não residente, resultando em uma saída considerável de recursos na forma de dividendos e juros.” E concluiu que “funcionários de empresas estrangeiras residentes aqui estariam sujeitos a impostos, o que resultaria em um grande êxodo corporativo do Reino Unido”.
Eles tinham boas razões para pensar isso. A Grã-Bretanha havia lançado uma alíquota máxima de imposto de renda que chegava a 98% da renda de investimentos. Esta foi a era do Tax Exile, quando a maioria dos milionários ingleses – incluindo muitos artistas e atletas – mudou-se para outros países.
Os Rolling Stones reconheceram isso com seu disco Exile on Main Street, parcialmente gravado no sul da França em 1971 e 1972. O guitarrista Keith Richards explicou tudo de maneira sucinta: “nosso negócio deixou de ser música e passou a ser definido por leis tributárias. É por isso que ensaiamos no Canadá e não nos Estados Unidos. Muitos de nossos movimentos foram decididos por leis tributárias. Aonde ir, onde colocar o dinheiro. Saímos da Inglaterra porque estaríamos pagando 98 centavos para cada dólar. E quem perdeu foram eles. Nada de impostos.”