“Ladies, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge. Não desistam.” Em seu discurso ao ganhar o Oscar 2023 de melhor atriz, Michelle Yeoh, de 60 anos, levantou a bandeira do antietarismo (o combate ao preconceito relacionado à idade) e, com ela, um debate mais amplo sobre envelhecimento e visibilidade feminina em diferentes fases da vida. É uma discussão que ultrapassa o mundo do entretenimento e vem ganhando o universo corporativo (e toda a sociedade).
Seja para encontrar formas de dar apoio e manter na ativa mulheres que, por volta dos 50 anos, muitas vezes no topo da carreira, precisam lidar com desafiantes variações hormonais; seja para direcionar produtos e serviços para esse público, formado por milhões de consumidoras. No centro desse movimento, está a menopausa, que, se já foi tabu (e em muitas rodas ainda é), é a palavra da vez para marcas interessadas em um papo reto com potenciais clientes nessa fase.
Basicamente, metade da humanidade está passando, já passou ou vai passar pela menopausa, que corresponde ao fim dos ciclos menstruais. Junto com ela, são frequentes sintomas como ondas de calor, alterações do sono, da libido e do humor e ressecamento vaginal. Embora impacte tanta gente, até outro dia esse marco da vida feminina não costumava ser assunto aberto em mesa de bar, board de empresa ou anúncio de cosmético (embora o envelhecimento fosse). É algo que está mudando. “Um fator-chave para as marcas que quiserem atender esse segmento é entender que, cada vez mais, o amadurecimento passará a ser algo a ser celebrado – e não evitado ou ocultado”, diz Raquel Dommarco, especialista em tendências na WGSN, empresa que faz pesquisas e previsões em comportamento e consumo. “É fundamental que a comunicação fuja do etarismo e celebre as etapas naturais do envelhecimento (e a normalização da menopausa é um exemplo disso). Falar de menopausa sem meios-termos ou eufemismos, trazendo dados respaldados pela ciência, é importante para se conectar com esse grupo, que deseja ser visto, atendido e respeitado, além de melhorar sua qualidade de vida.”
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Para Raquel, a questão é especialmente relevante para o setor de beleza, saúde e bem-estar (mas não só). Ela cita um levantamento da Escentual, líder no varejo online de beleza no Reino Unido, apontando que as mulheres acima dos 45 anos correspondem a 58,14% do público consumidor desses produtos. Agora, de acordo com o WGSN, esse tema entra em uma nova etapa, em que os produtos serão criados para otimizar os processos naturais do corpo. “Ou seja, a narrativa oficial deixará de ser a de reverter o envelhecimento, mudando seu foco para o aprimoramento durante esse processo, garantindo maior longevidade, qualidade de vida e bem-estar às gerações mais maduras. Isso significa que já não é suficiente oferecer produtos antienvelhecimento”, diz a especialista em tendências. “As marcas devem iniciar conversas ‘pró-envelhecimento’ e positividade, que abordem essa transição de maneira empoderadora e comemorativa.”
Nessa toada de comunicação direta, sem rodeios, a Vichy lançou uma linha de dermocosméticos, a Neovadiol Menopausa, que já no nome avisa para quem veio – e é um público gigantesco. “Com a longevidade e a qualidade de vida, as pessoas estão se sentindo mais jovens e já na menopausa”, diz Sabrina Peliks, diretora da marca no Brasil. “E, no meio de um período de empoderamento, de autoconfiança, se veem desamparadas diante de uma centena de sintomas.” O impacto na pele é significativo, trazendo condições como flacidez, rugas e ressecamento. “Não é qualquer produto que é capaz de lidar com esses sintomas simultâneos. Então a Vichy se une a especialistas – e a gente tem 30 estudos científicos em conjunto com dermatologistas e ginecologistas – para entender os impactos dos fatores hormonais e propor soluções dermocosméticas que podem ser mais eficazes para essa fase da vida. E de forma muito clara. Falando especificamente sobre menopausa como uma indicação do produto. Está no rótulo, está na frente da caixa, está na gôndola. Então a gente vai falar abertamente sobre menopausa, assim como fala sobre tantas outras etapas. É um processo supernatural.”
A diretora de cena Camila Faus é cofundadora de uma plataforma, a SHEt, que fala sobre o tema. E discorre sobre as razões para ele, com frequência, ter sido silenciado – e para mulheres esconderem a menopausa, os cabelos brancos, a idade. “Muitas fazem isso para sobreviver no seu meio”, diz. “Mesmo quando a gente fala de mercado de trabalho, ele de certa forma está associado à juventude. Porque a gente vive em uma sociedade em que o novo é bom, em que a gente é ensinado a descartar o velho.”
Camila vê mudanças em curso – e o SHEt, utilizando o conhecimento obtido em sua rede, presta consultoria para empresas atentas a essas mudanças. “É uma revolução, e está começando dentro de uma bolha. Algumas marcas já entenderam isso”, afirma. Quem puxa esse movimento, na opinião dela, são as mulheres de 50 anos e independentes financeiramente. “Hoje eu tenho uma autonomia sobre a minha vida que uma mulher de 50 anos atrás não teria, então não passaria por esse tipo de questionamento”, diz Camila, que está com 49 anos. “Graças às mulheres que nos antecederam, hoje temos uma independência social, emocional e econômica que a mulher de 50, 70 anos atrás não teria.” Para ela, “é um caminho que não tem mais volta”.
O envelhecimento da população também aponta para essa direção. E foi uma análise dessa situação que levou a multinacional de bebidas Diageo a lançar, em 2021, o guia Prosperando na Menopausa, que orienta sobre o tema e propõe ferramentas como programas de aconselhamento e horário flexível. “É uma iniciativa global e surgiu a partir de um estudo que prevê que, em 2025, teremos cerca de 1 bilhão de mulheres passando por esse período no mundo”, diz Maria Gabriela Herrera, diretora de recursos humanos da Diageo Brasil, citando dados da Sociedade Norte-Americana de Menopausa. “É de vital importância falar sobre o tema no local de trabalho, abordando o impacto que ela pode causar nas funcionárias e as medidas que podemos adotar, como lideranças diretas e colegas para oferecer nosso apoio, uma vez que uma em cada quatro mulheres pensa na possibilidade de sair do emprego por causa dos sintomas da menopausa.” Na Diageo Brasil, dos 800 funcionários, metade são mulheres, e 23% delas estão próximas ou já no momento da menopausa. “Precisamos ter um olhar cuidadoso para elas”, diz Gabriela.
Se as empresas consolidadas se movimentam para atender esse mais de 1 bilhão de mulheres – ou 12% da população mundial em 2025 –, há as femtechs, que surgem já voltadas para esse público. São startups interessadas em uma fatia do mercado da menopausa, calculado pelo Female Founder Fund como uma oportunidade de US$ 600 bilhões para produtos e serviços – de suplementos a plataformas médicas, de cosméticos a comunidades.
É o caso da Plenapausa, femtech brasileira focada em informar as mulheres sobre a menopausa e oferecer produtos, como fitoterápicos, que solucionam alguns de seus principais sintomas. Ou da Stripes, empresa da atriz anglo-australiana Naomi Watts, que vende de suplementos a hidratante para a área vaginal. “Entrei nesse período completamente perdida e quero que as mulheres se sintam apoiadas”, declarou Watts sobre a motivação para empreender na área.
Quando pesquisava para lançar, em 2020, a Feel, empresa de saúde e sexual wellness feminina, Marina Ratton se espantou ao descobrir que brasileiras (grande parte delas na menopausa, buscando combater o ressecamento vaginal) apelavam para óleo de coco de uso culinário como lubrificante íntimo. “Isso me chamou muito a atenção”, diz a empreendedora. “A gente está no auge do skincare, com um boom de produtos naturais, e para a intimidade da mulher estava fazendo esse hack do sistema.”
Nasceu desse espanto o lubrificante com óleo de coco para a região íntima – não só de mulheres na menopausa, mas pensado em grande parte para elas. E, se a Feel se voltou para isso, tem a ver também com o grupo que a financia. “Passamos por duas rodadas de captação e 90% do investimento vieram de mulheres, na sua maioria de 45 a 55 anos”, diz Marina. “Temos em torno de 60 anjos. Se não fossem elas, que têm na sua maioria de 45 a 55 anos e entendem a dor em torno dessa fase, talvez o nosso negócio nem existisse.”
Muito terreno a explorar
Pós-graduada em fisiologia do envelhecimento e especialista em menopausa, a ginecologista Joele Leripio sente no dia a dia que a visão da sociedade sobre o assunto está mudando. Mas a desinformação ainda é um problema – e atinge inclusive a relação entre médicos e pacientes. “A grande maioria das mulheres busca atendimento nessa fase, porque está se sentindo mal, e escuta que é assim mesmo, que não tem o que fazer. O que não é verdade, tem muito a ser feito”, diz. Ela acredita que faltam médicos especializados – ou existe espaço para isso. “Ainda há poucos profissionais com uma formação voltada para o atendimento exclusivo da mulher no climatério e na menopausa. Assim como existem os que tratam só endometriose, ou só fertilidade, ou trabalham exclusivamente com infância e adolescência, existem agora, como eu, ginecologistas que trabalham exclusivamente com a menopausa.”
Para a médica, é essencial falar mais sobre o tema. “Se a gente não fala, não fala o que ela causa no corpo, o que essa falta hormonal impacta: como piora os sistemas ósseo, articular e muscular, o risco de demência, as doenças cardiorrespiratórias…” Os desafios para aumentar o debate passam por quebrar a barreira da vergonha e tornar a informação acessível. “Não se fala, não se conhece e não se entende quão importante é a mulher olhar para esse momento. De preferência antes, como prevenção. E, para a que já está nele, para se informar rapidamente e passar melhor por esse processo.” Ou seja, ainda há muito a ser feito. A revolução está só começando.