No cenário macroeconômico brasileiro, é possível compreender como a inflação influencia a bolsa de valores por meio de uma combinação de variáveis.
Desde o início de 2021, o BC (Banco Central) tem adotado a estratégia de manter a taxa Selic em alta como instrumento de controle da inflação, e essa medida fez com que o mercado financeiro se voltasse às atrativas taxas oferecidas pelos títulos de renda fixa ao longo de todo esse período.
Observa-se atualmente uma forte movimentação no mercado, com sucessivas altas na bolsa de valores, entre outras coisas, devido à perspectiva de redução da taxa Selic a partir das próximas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). Os investidores estão se posicionando para o que pode ser o início de um novo ciclo econômico.
Ciclos econômicos e oportunidades de investimentos
Investidores que acompanham o mercado e possuem um planejamento bem definido já vêm aproveitando, há algum tempo, as oportunidades de adquirir ações e fundos imobiliários que estavam desvalorizados devido ao ciclo de alta da taxa de juros.
Essa movimentação não começou agora e demonstra a importância de entender como a inflação interfere nos ativos da bolsa de valores para manter as escolhas de investimentos alinhadas aos objetivos financeiros de longo prazo.
Taxa Selic versus inflação
Quando o Copom eleva a taxa Selic para controlar a inflação, ocorre uma restrição da oferta de dinheiro. Isso encarece os empréstimos tanto para pessoas físicas quanto para empresas, resultando em uma desaceleração da economia. Para as pessoas físicas, os empréstimos mais caros se traduzem em juros elevados no financiamento de bens, cartões de crédito, empréstimos consignados e cheque especial. Como resultado, ocorre uma redução do consumo de produtos e serviços.
Quando as pessoas físicas passam a consumir menos, as empresas sofrem com a redução nas vendas e também enfrentam custos mais altos para financiar seu capital de giro, impulsionar seu crescimento ou simplesmente pagar dívidas. Isso leva à diminuição da lucratividade, menor crescimento e, inevitavelmente, queda no preço das ações.
Taxa de juros x valor das ações
Ao investir em ações, a expectativa é participar dos resultados positivos dessas empresas. Como investidor, é importante compreender que se assume um certo risco a longo prazo e, portanto, espera-se retornos mais elevados em troca desse risco.
Esse retorno superior às taxas de juros oferecidas pelos títulos públicos federais e alguns ativos de renda fixa é conhecido como prêmio de risco da renda variável.
Entretanto, o aumento da taxa Selic eleva os juros dos títulos públicos e de outras aplicações atreladas a eles, como a maioria dos títulos de renda fixa. Quando isso ocorre, os investidores acabam não aceitando o prêmio de risco oferecido pelas ações, uma vez que podem obter rentabilidade equivalente na renda fixa.
Embora seja comprovado historicamente que, a longo prazo, as ações de empresas proporcionam retornos mais expressivos do que qualquer outra aplicação financeira, em períodos de incerteza econômica, os investidores tendem a buscar a segurança de ativos considerados livres de risco. Isso foi evidenciado ao longo do período de alta da inflação.
Leia mais:
- Cinco fatos que você tem de saber para investir na bolsa
- Selic a 13,75%, é hora de investir na renda fixa?
- Entenda o custo de oportunidade para investir melhor
Bolsa e inflação: uma análise necessária
Investir na bolsa nunca é um mau negócio. Ao analisar o histórico dos indicadores entre 2000 e 2021, pode-se observar que o Ibovespa teve uma valorização acima de 590%, enquanto a inflação acumulada no mesmo período foi de 285%.
Ainda assim, é importante ressaltar que esse exemplo é uma simplificação didática, pois o cálculo do ganho real não se resume à mera comparação desses dois índices. A ideia é destacar que, diferentemente do fator aleatório presente no curto prazo, o investimento a longo prazo na bolsa se beneficia dos fundamentos.
Durante períodos de maior instabilidade econômica e alta inflação, a escolha das ações requer maior atenção ao cenário macroeconômico, especialmente às projeções do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É importante compreender quais setores da economia são mais afetados pela inflação elevada.
Existem setores que conseguem repassar seus custos com mais facilidade para o preço final dos produtos, enquanto outros enfrentam maior dificuldade nesse aspecto e, portanto, precisam absorver a elevação de custos sem repassá-la ao consumidor por um período mais longo.
Empresas com alto endividamento ou que dependem diretamente do consumo da população, como construtoras e varejistas, sofrem um impacto mais intenso em seus resultados. Com lucros menores, as ações tendem a cair.
Por outro lado, o setor bancário se beneficia com a alta dos juros, pois o spread, que é a diferença entre o custo de captação de dinheiro e os juros cobrados nos empréstimos concedidos, aumenta. Isso resulta em lucratividade e valorização dos ativos.
A bolsa e os ciclos econômicos
É importante compreender que todos os setores da economia refletem os ciclos de mercado de acordo com suas características específicas. Eles são impactados positiva ou negativamente pela combinação de variáveis presentes em cada cenário.
A bolsa de valores é onde as empresas são negociadas diariamente, e juros altos podem ser prejudiciais para algumas e benéficos para outras. No entanto, essa correlação não é linear, e existem inúmeros aspectos a considerar para proteger seus investimentos e seu poder de compra ao longo dos ciclos econômicos.
Para garantir consistência em seus investimentos de longo prazo, é essencial diversificar e balancear sua carteira, acompanhar o mercado e não se deixar levar pelo raciocínio simplista de que “juros sobem, bolsa cai” ou vice-versa.
É necessário fugir da manada que enxerga apenas o aumento ou a redução de uma taxa, sem considerar todas as outras variáveis, com seus aspectos negativos e também oportunidades.
A bolsa de valores é um ambiente dinâmico e complexo, e compreender as interações entre inflação, taxa de juros, investimentos e ciclo econômico é o que possibilita tomadas de decisões de investimento mais informadas e alinhadas aos seus objetivos financeiros de longo prazo.
Eduardo Mira é formado em telecomunicações, com pós-graduação em pedagogia empresarial e MBA em gestão de investimento. É analista CNPI, certificado CPA10 e CPA20, ex-gerente do Banco do Brasil e da corretora Modal.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.