No início deste mês, o Spotify anunciou que iria demitir 1,5 mil funcionários em um esforço de corte de gastos. No pré-mercado do mesmo dia, as ações da empresa já haviam aumentado 6,8%. E esta foi a terceira demissão em massa que o streaming de áudio fez em 2023: no início deste ano desligou aproximadamente 600 pessoas e, em junho, outras 200 – muitas delas ligadas ao setor de podcasts.
Mas teve quem visse, no momento de dificuldade para milhares de trabalhadores, uma oportunidade. Paul Vogel, CFO do Spotify, fez US$ 9,3 milhões (R$ 46 milhões) ao vender parte de suas ações do Spotify com a valorização de segunda-feira (4). Embora este movimento não seja ilegal, não é algo positivo para a imagem pública da companhia.
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Após lucrar US$ 9,3 milhões com as suas ações, Vogel foi demitido do Spotify na sexta-feira (8). “Ao longo do tempo, chegamos à conclusão de que o Spotify está entrando em uma nova fase e precisa de um novo CFO com experiências diferentes”, disse Daniel Ek, CEO do Spotify, ao anunciar que a saída do CFO da empresa aconteceria em março do próximo ano.
Para Fernanda Abilel, professora da FGV e sócia-fundadora da consultoria de remuneração How2Pay, os executivos deveriam manter um alinhamento com os planos da empresa em momentos de layoffs. “A venda imediata [das ações] passa uma mensagem de maior preocupação individual e de curto prazo, e não com o futuro e os planos do negócio”, ela diz.
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Abilel destaca que um presidente de uma grande empresa pode receber entre R$ 10 milhões e R$ 16 milhões em um pacote de remuneração anual – salário fixo mensal, bônus e incentivos a longo prazo -, sendo que R$ 5 milhões a R$ 9 milhões são compostos pela remuneração variável, como as stock options. Outros executivos ganham, em média, R$ 6 milhões a R$ 9 milhões por ano, com R$ 2,5 milhões a R$ 4 milhões em remuneração variável.
Como ficam os preços das ações das empresas após layoffs
Os layoffs não foram movimentos restritos ao final de 2022, tendo continuado ao longo de todo o ano de 2023. O portal de monitoramento de demissões em massa Layoffs.fyi estima que 257.538 pessoas tenham sido desligadas de 1.154 empresas de tecnologia neste ano. Algumas das principais companhias que demitiram foram:
- Spotify – desligamento de 1,5 mil funcionários, anunciado em em dezembro;
- Citigroup – pelo menos 10% dos funcionários, anunciado em novembro;
- LinkedIn – 716 funcionários, anunciado em outubro;
- Deloitte – 1,2 mil funcionários, anunciado em setembro;
- Goldman Sachs – 3,2 mil funcionários, anunciado em setembro;EY (Ernst & Young) – 3 mil funcionários, anunciado em abril;
- 3M – 6 mil funcionários, anunciado em abril, após demitir outros 2,5 mil em janeiro;
- Disney – 7 mil funcionários, anunciado em abril;
- Meta – 10 mil funcionários, anunciado em março;
- McKinsey – 1,2 mil funcionários, anunciado em março;
- Accenture – 19 mil funcionários, anunciado em março;
- Alphabet – 12 mil funcionários, anunciado em janeiro;
- Microsoft – 10 mil funcionários, anunciado em janeiro;
- IBM – 3,9 mil funcionários, anunciado em janeiro;
- SAP – 3 mil funcionários, anunciado em janeiro;
- Amazon – 18 mil funcionários, anunciado em janeiro.
Além do Spotify, outras empresas viram o valor das suas ações subir após o anúncio dos layoffs. Meta (7,3% de aumento das ações um dia após o anúncio), Disney (aumento de 8,5% nas horas seguintes ao anúncio) e Alphabet (crescimento de 5% no dia após o anúncio) foram empresas cujas ações tiveram alta após as demissões em massa, mas os layoffs de outras empresas não foram recebidos pelos investidores com o mesmo otimismo.
Os investidores da Microsoft e da Amazon pouco reagiram aos anúncios de demissões em massa, com as ações das empresas caindo 1,89% e 0,79%, respectivamente, na sessão do dia seguinte ao anúncio. O layoff ser visto pelos investidores como proativo ou reativo ao cenário financeiro da empresa é o que vai definir comportamento deles perante as ações da companhia, de acordo com um estudo publicado em setembro deste ano no Human Resource Management Journal, que analisou quase 35 mil anúncios de layoffs.
Um layoff proativo, segundo os pesquisadores, sinaliza a busca por melhorar a eficiência e performance da empresa no futuro, seja com o objetivo de aumentar a produtividade, realizar reestruturações ou agilizar processos de tomada de decisões. Já um layoff reativo é entendido pelo mercado como consequência de uma má gestão da empresa, que busca, com a demissão dos funcionários, recuperar seus resultados.
Embora sejam vistos pelos investidores como algo positivo no curto prazo, o estudo conclui que, em geral, layoffs não são bem recebidos pelo mercado a longo prazo. Isso porque sinalizam que a empresa está passando por problemas. “Layoffs não aumentam a produtividade e não impactam a origem do problema com o qual a empresa lida, que geralmente é uma estratégia ineficiente, perda de competitividade no mercado ou a queda de receitas”, afirma o professor de Stanford Jeffrey Pfeffer em um artigo para a Stanford News.
A importância das ações na remuneração de executivos
Como parte do seu pacote de remuneração, C-levels, executivos e até mesmo funcionários com menor senioridade, como gerentes, têm a possibilidade de receber ações da empresa empregadora – no regime conhecido como stock options. A especialista em remuneração Fernanda Abilel explica que uma companhia usa, em média, de 5% a 15% do seu Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para o pagamento do bônus anual aos funcionários elegíveis, porcentagem que pode variar de acordo com o negócio e com o ramo de atividade dele.
Nas empresas mais tradicionais, os planos de ações representam entre 33% e 60% do pacote dos executivos, dependendo do nível do cargo e da estratégia de remuneração total da empresa. “Grande parte da expectativa de ganho está atrelada a esta possibilidade de alavancar o valor das ações por meio de um evento de liquidez”, diz Abilel.
Um exemplo desses eventos de liquidez, que permitem que o executivo transforme as ações em dinheiro, é o aumento do valor das ações em caso de layoffs. “Programas de ações deveriam prever cláusulas que impeçam comportamentos inadequados, que podem impactar a imagem da empresa, pelos executivos”, diz Abilel, embora também pense que deve haver uma liquidez parcial desses pacotes de remuneração de executivos.