Em mais um dia de forte volatilidade, a taxa de câmbio chegou a R$ 5,70 na máxima da terça-feira (2), maior nível em dois anos e meio, desde janeiro de 2022. O motivo da alta do dólar foi o mesmo dos últimos dias: o temor dos investidores com o descumprimento das metas fiscais e a preocupação com eventuais intervenções do governo no mercado. Além de mediar as transações entre a economia brasileira e a dos demais países, o dólar é o principal indicador das expectativas dos agentes econômicos. Dólar em alta, assim como Ibovespa em baixa, representa economia em crise. Para esclarecer suas dúvidas, Forbes conversou com vários especialistas em câmbio. Veja como eles avaliam a situação:
1) Por que o dólar está subindo tanto?
Há três motivos. Dois deles são brasileiros e um deles é internacional.
O primeiro motivo brasileiro são as declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticando a autonomia do Banco Central (BC), a taxa de juros e, nos últimos dias, o preço do dólar. “A recente alta do câmbio foi impulsionada principalmente por declarações do presidente Lula sobre o câmbio e pela expectativa de possíveis intervenções governamentais no mercado”, diz Peterson Rizzo, especialista em investimentos na Multiplike.
O segundo motivo brasileiro são as dificuldades o governo de apresentar uma proposta para equilibrar as contas públicas que efetivamente corte gastos, em vez de apenas tentar elevar a arrecadação, algo que será difícil de aprovar no Congresso. “As dúvidas sobre o quadro fiscal se ampliaram a partir de 15 de abril, quando o afrouxamento das metas de resultado primário [do governo] aumentou as dúvidas em relação ao novo arcabouço fiscal”, diz José Alfaix, economista-chefe da gestora de recursos Rio Bravo.
O terceiro motivo é internacional. O ambiente externo é desfavorável a todos os países emergentes, não só o Brasil. Os juros nos EUA deverão ficar mais tempo em níveis elevados, vão demorar mais tempo para cair e devem cair menos do que se esperava no começo do ano. “Tudo isso provoca uma pressão de resgate dos investimentos internacionais no Brasil, o que provoca uma saída de dólares e uma elevação da cotação”, diz Daniel Teles especialista da Valor Investimentos.
2) O fechamento a R$ 5,665 na terça-feira (2) é exagerado?
Sim. Segundo Alexandre Pires, professor de economia e relações internacionais do Ibmec SP, o motivo mais comum para que uma moeda perca valor em relação ao dólar é um desequilíbrio no balanço de pagamentos de um país. “Quando esse balanço começa a apresentar déficits crônicos, ou seja, saem mais dólares do que entram, isso mostra que a moeda nacional está valorizada”, diz Pires. Não é o caso do Brasil. “O balanço de pagamentos brasileiro está razoavelmente equilibrado e com tendências positivas”, diz ele. Esse salto do dólar reflete uma situação conjuntural e a percepção de afrouxamento fiscal por parte do governo brasileiro.”
Cristiane Quartaroli economista chefe do Ouribank (antigo Ourinvest) também avalia que essa cotação é distorcida, assim como o especialista em câmbio Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus. “Essa cotação que chegou a R$ 5,70 tem um certo exagero e uma certa dose de especulação do mercado”, diz ele. Rizzo, da Multiplike, chama a atenção para o fato que a edição mais recente do Relatório Focus, publicada na segunda-feira (1) mostrou uma elevação do dólar esperado para dezembro para R$ 5,20. Esse é um patamar bem diferente dos R$ 5,70 da máxima da terça-feira.
3) O dólar ainda pode subir mais?
Sim, dependendo das notícias. “A cotação atual do dólar pode ser distorcida devido as reações imediatas causadas pelas declarações do presidente”, diz Rizzo. Segundo Alfaix, da Rio Bravo, “em vez de contribuir para tornar o cenário menos indefinido, Lula tem sido uma grande fonte de incertezas, e em um momento no qual o ambiente externo é desfavorável aos países emergentes”.
Nenhum especialista ouvido pela Forbes se arriscou a prever um teto para o câmbio (uma velha piada profissional diz que Deus inventou a taxa de câmbio para ensinar aos economistas o que é “humildade”). No entanto, o fato de o dólar na terça-feira ter fechado a R$ 5,665, abaixo da máxima de R$ 5,70, pode indicar que o câmbio está excessivamente valorizado e pode ter menos espaço pra subir. Porém, se nenhum dos entrevistados quis prever uma direção para o dólar, todos alertaram para os riscos dos investidores individuais em tentar especular nesse mercado.
4) A inflação pode subir com o dólar mais alto?
Sim, se permanecer nesse patamar por bastante tempo. “Nesse caso, a taxa de câmbio deve se refletir em inflação em algum momento”, diz Quartaroli, do Ouribank. “Existe uma defasagem antes de isso chegar aos índices de inflação.” Segundo a economista, se o câmbio permanecer nesse nível por mais de um mês, isso pode ser repassado para os índices de inflação no atacado, como o IGP-M. “O prazo para chegar na inflação ao consumidor é de seis a nove meses”, diz ela.
No entanto, a inflação é considerada como ainda estando sob controle no curto prazo. “O cenário ainda é relativamente tranquilo no geral”, diz Laatus. “A economia não está mal, a inflação não está descontrolada e os juros ainda estão em níveis deflacionários.”
Em prazos mais longos, porém, a situação é diferente. “Alguns produtos manufaturados são importados, mesmo nos setores alimentícios, mas o Brasil produz muito dos seus itens e insumos”, diz Pires, do Ibmec-SP.
5) O dólar elevado pode provocar uma alta dos juros?
Sim, se alterar as expectativas de inflação. Por enquanto, o risco mais presente para os profissionais do mercado é uma interrupção duradoura no processo de redução da taxa Selic. “A alta do dólar reduz a celeridade da convergência da inflação em relação a meta, consequentemente, também desacelera o corte de juros”, diz Alpaix. Mesmo assim, isso pode mudar. “Quanto mais caro o dólar, mais inflacionário ele é e pode, sim, chegar a um certo momento que o Banco Central tenha que repensar a trajetória da Taxa Selic”, diz Laatus. “Esse estresse com o dólar tende a apertar mais a inflação e, consequentemente, o Banco Central pode ter de elevar os juros.”
Pires, do Ibmec-SP, tem a mesma avaliação. Para ele, “a trajetória de juros está bem desenhada, mas uma alta da Selic pode entrar no horizonte a partir de 2025, dependendo de como o real se comportar frente ao dólar”.