Quando a pandemia do coronavírus chegou, as empresas aéreas pensaram ter chegado ao fundo do poço. Com os aeroportos lacrados e boa parte dos aviões impedidos de voar, o setor passou por uma das piores turbulências de sua história, cujas consequências podem ser sentidas até hoje — com dívidas que colocam em dúvida a saúde financeira e a continuidade das operações.
Leia também
Aeromexico, LATAM e Gol, que entrou com o pedido nos Estados Unidos, foram algumas das companhias que passam ou passaram por processos de recuperação judicial. Diversas empresas menores quebraram e deixaram de operar.
As ações até chegaram a voltar a subir durante a pandemia, conforme estímulos econômicos, monetários e a flexibilização de viagens foram anunciados. No entanto, os problemas não acabaram por aí.
Companhias aéreas são uma categoria sensível: as dívidas com credores são, em sua maioria, feitas em dólar, assim como os fornecedores e o abastecimento das aeronaves. Slots, ou seja, as vagas ocupadas pelas empresas nos aeroportos, também são caros. Isso não seria um problema se a receita também entrasse no caixa no formato da moeda americana, mas não é o que acontece.
Receita em real e dívida em dólar é uma combinação fatal para companhias que atuam em países com o câmbio desvalorizado. Em 2020, a moeda chegou a bater na casa dos R$ 5,90, em seu maior valor nominal histórico. Atualmente, ela segue em um patamar considerado elevado, por volta dos R$ 5,50.
Some isso a meses de milhões de dólares sendo gastos para que os aviões não decolassem do chão e temos a receita perfeita para uma crise financeira de proporções catastróficas no setor.
Azul: nuvens carregadas no céu
Antes do início do isolamento social, a Azul (AZUL4) se encontrava perto de sua máxima histórica na B3 — com ações valendo mais de R$ 61. Menos de dois meses depois, os papéis estavam na casa dos R$ 11. Hoje, mesmo com a pandemia superada, o valor dos ativos é ainda menor: cerca de R$ 6,30.
Os problemas começaram a ficar mais explícitos no ano passado. A demanda pós-pandêmica cresceu de forma mais lenta do que o esperado, mas as dívidas seguiram se acumulando.
A companhia já tentou diversas negociações com os credores, como a utilização de sua subsidiária Azul Cargo como garantia, emissão de novas ações e alongamento de prazos — tentativas para evitar que a situação escale.A companhia também implementou o plano Eleva, com iniciativas de melhor desempenho operacional e de receita, otimização da frota, maior produtividade e utilização de aeronaves, além de redução de custos financeiros. Segundo a própria companhia, o objetivo é gerar mais de R$ 1 bilhão em valor incremental.
Segundo o balanço do segundo trimestre de 2024, a Azul tem uma dívida bruta de R$ 28,4 bilhões. O valor representa um crescimento de 15% frente aos primeiros três meses do ano. A companhia também reverteu o lucro e teve prejuízo líquido de R$ 3,8 bilhões no mesmo período.
Fim da turbulência?
O cenário de nuvens pesadas no céu da companhia deixou uma marca na valorização das ações: queda de quase 60% só em 2024.
Hoje, no entanto, foi dia de recuperação. AZUL4 terminou o dia em alta de 7,48%, aos R$ 6,18. A valorização é expressiva, mas está longe da máxima do dia, quando chegou a subir perto dos 20%.
O motivo é um novo acordo feito com 92% de seus credores, anunciado na noite de ontem. Segundo a empresa, cerca de R$ 3 bilhões em dívidas serão trocados por emissão de 100 milhões de novas ações, o que implica um valor de R$ 30 para cada papel — muito acima dos valores atuais.
Com a nova proposta aceita, o acordo anterior será engavetado. No ano passado, a empresa havia combinado fazer pagamentos trimestrais de ações, com cada ativo valendo R$ 36.
Em entrevista à Reuters, no meio da tarde, o presidente da companhia disse que a empresa buscará levantar capital no mercado para continuar aliviando as preocupações com as dívidas.
“Nós tínhamos que resolver este problema primeiro [dívidas com arrendadores], que já está resolvido. Agora podemos levantar capital”, disse John Rodgerson em entrevista.
Segundo ele, a expectativa é que a companhia levante US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões), retomando a ideia de utilizar a Azul Cargo como garantia para emissão de dívidas conversíveis.
Segundo cálculos do Goldman Sachs, o novo acordo prevê um valor de mercado de cerca de R$ 13,4 bilhões para a companhia, que hoje é negociada em torno de R$ 2 bilhões.
O que pensa o mercado
O JP Morgan aponta que o acordo resultará em uma diluição da base acionária de cerca de 25%. Ou seja, os atuais acionistas terão o seu percentual na companhia reduzido. Isso impacta o poder de votos em assembleias e a concentração de eventuais dividendos que possam ser pagos pela empresa.
“Recebemos o anúncio com boas-vindas, pois ele elimina a pressão de curto prazo relacionada a um possível pedido de recuperação judicial. O temor havia resultado em uma queda de 17 pontos percentuais desde o final de agosto”, explicam os analistas do banco.
O valor da nova negociação, no entanto, é visto como positivo. Caso fosse utilizado o valor de mercado atual, a diluição do capital poderia chegar a 60%.
Além disso, analistas também apontam que a decisão tira a “corda do pescoço” da companhia. Manter relações com os arrendadores de aviões evita que aeronaves sejam confiscadas e haja uma disrupção na operação da Azul, deixando o caminho aberto para que novas medidas de captação de dinheiro avancem.
Para os analistas da Genial Investimentos, a renegociação vai ajudar a fortalecer tanto a geração de caixa quanto a estrutura de capital da Azul. “É importante destacar que outros desafios permanecem, como a alta nos preços do petróleo, acima do esperado para 2024-2025, pressionando os custos da companhia, além da recente valorização do dólar frente ao real”, apontam.
Recentemente, as agências de classificação de risco Moody’s e S&P Global rebaixaram as notas de crédito da empresa. Todos os bancos de investimentos citados nesta matéria mantêm uma recomendação neutra para os papéis, o que indica que, apesar de positivo, há dúvidas sobre o potencial de longo prazo.
- Siga o canal da Forbes e de Forbes Money no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
Para o acionista, ainda que a diluição ocorra, o risco imediato sai do radar. A turbulência acalmou, mas há um longo caminho a ser percorrido até se ver novamente o azul do céu.