Em fevereiro de 2016, Kevin Hart, ex-CEO de uma empresa de reparo de computadores, se viu em um cofre na Califórnia, repleto de milhões de dólares em dinheiro. O cofre pertencia à Harborside, uma das primeiras varejistas de maconha medicinal dos Estados Unidos. O dinheiro, proveniente de vendas legais de maconha no estado, era considerado dinheiro de drogas ilegais sob a lei federal. Hart, que agora é cofundador e CEO da Green Check, uma startup fintech voltada para o setor de cannabis, estava lá para ajudar a Harborside a criar um sistema de processamento de pagamentos.
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Ele se virou para seu anfitrião no banco, Dress Wedding, cofundador da Harborside com Steve DeAngelo, e perguntou por que guardavam tanto dinheiro. Wedding explicou que a empresa não conseguia abrir uma conta bancária, pois a maconha ainda era ilegal em nível federal. Foi então que Hart percebeu o grande desafio enfrentado pela Harborside e por outras empresas de cannabis legalizadas: o acesso limitado ao sistema financeiro tradicional dos EUA.
Apesar da legalização da maconha em 38 estados—dos quais 25 permitem a venda recreativa para adultos com 21 anos ou mais—ela permanece ilegal sob a lei federal. Como resultado, a maioria dos bancos e processadoras de pagamento têm políticas que proíbem a interação com fornecedores de cannabis. Além disso, grandes processadoras como Visa e Mastercard não permitem transações relacionadas à cannabis em suas redes, obrigando a indústria a realizar cerca de 75% de suas vendas em dinheiro. Para um setor que deve gerar quase US$ 35 bilhões (R$ 199 bilhões) em vendas este ano, de acordo com a empresa de dados de cannabis BDSA, isso representa bilhões de dólares transacionados de forma tradicional, em dinheiro.
“Foi um momento de revelação para mim,” diz Hart. “Eu estava em uma missão para resolver esse problema. Percebi que era um problema de dados, não de dinheiro.”
Oportunidade no segmento financeiro da cannabis
Kevin Hart decidiu mapear como as empresas de cannabis licenciadas e os bancos, ambos operando em indústrias altamente regulamentadas, poderiam colaborar. Nos três anos seguintes, ele se uniu a seus cofundadores, Paul Dunford, John Gadea e Michael Kennedy, para desenvolver um software de compliance que pudesse convencer os bancos a trabalharem com essas empresas, apesar de a maconha ser considerada ilegal sob a lei federal. O objetivo era provar que cada dólar e produto eram fabricados e vendidos em conformidade com as leis estaduais.
O resultado dessa empreitada foi o software da Green Check, que se integra ao sistema operacional de pagamento das varejistas, agregando informações de inventário, pedidos de compra e vendas. Isso garante que as empresas de cannabis estejam seguindo as centenas de regras e regulamentos, além de coletar uma quantidade significativa de dados financeiros. O software fornece essas informações aos bancos, assegurando que as instituições financeiras não violam regras de combate à lavagem de dinheiro ou a Lei de Sigilo Bancário ao fazer negócios com empresas que ainda são consideradas ilegais federalmente.
Atualmente, o software de compliance da Green Check verifica mensalmente a legitimidade de aproximadamente US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) em vendas de cannabis em todo o país. Isso representa cerca de 40% do mercado legal de maconha nos EUA, que totalizou US$ 30 bilhões (R$ 170 bilhões) em vendas anuais em 2023. A Green Check já vendeu seu software para mais de 150 instituições financeiras, ajudando mais de 11 mil empresas, que vão desde varejistas até cultivadores e fabricantes, a obter e manter contas bancárias.
Embora a empresa tenha registrado receitas de US$ 8,3 milhões (R$ 47 milhões) no ano passado e espere chegar a US$ 12 milhões (R$ 68 milhões) este ano, ainda não é um valor exorbitante. Desde 2019, a Green Check levantou US$ 19 milhões (R$ 108 milhões), com uma avaliação estimada em US$ 90 milhões (R$ 512 milhões).
“Nosso objetivo é garantir que os bancos aceitem dinheiro bom e mantenham o dinheiro ruim fora,” afirma Hart. “Estamos permitindo que serviços financeiros trabalhem com a indústria de cannabis.”
Green Check
O coração da Green Check é seu sofisticado motor de conformidade. Os bancos que adotam seu software comprometem-se a trabalhar exclusivamente com empresas de cannabis que também estão registradas na plataforma. Em termos simples, as empresas de cannabis precisam abrir seus livros—incluindo contas, acordos com fornecedores, ordens de compra e outros detalhes. Isso permite que a Green Check verifique a cadeia de custódia de cada produto vendido e de cada dólar que entra.
Segundo o último relatório da Rede de Combate a Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos EUA, apenas 683 bancos e cooperativas de crédito aceitam depósitos de empresas de cannabis, e aqueles que o fazem operam com regras rigorosas. Bryan Watkinson, que supervisiona a divisão de banking para cannabis da Affinity Federal Credit Union, uma pequena cooperativa com sede em Nova Jersey, destaca que, desde que o programa da instituição foi lançado no ano passado, utilizando a plataforma da Green Check, a Affinity agora conta com cerca de 25 empresas de cannabis como clientes.
Watkinson explica que, ironicamente, a Affinity não pode utilizar o dinheiro gerado pelas empresas de cannabis de maneira tradicional. Todo o dinheiro deve ir diretamente para o o banco central dos EUA, o que implica que cerca de 80% do capital gerado na indústria de cannabis acaba em bancos do Federal Reserve. “Se algum desse dinheiro em cannabis chegasse às minhas filiais, eu perderia meus cofres,” diz ele, ressaltando a seriedade da operação. “Não há nada colorido ou chamativo no que fazemos. É um relacionamento focado em conformidade. Não é hora de festa.”
A Green Check se destaca por preencher esta lacuna importante. Em um único dia deste mês, a empresa cadastrou 18 negócios de cannabis em nove instituições financeiras, um processo que, no ano passado, registrava em média cerca de 70 novos negócios por semana. Hart, o CEO da empresa, não se preocupa com a possibilidade de seu negócio ser impactado pela aprovação de novas leis ou pela reclassificação da maconha. Para ele, isso significaria mais regras e regulamentos, não menos.