Se algum roteirista tentasse transpor a situação do Oriente Médio para as telas, um filme seria pouco. A obra estaria mais para “Game of Thrones”, só que com dez vezes mais personagens e centenas de temporadas.
O capítulo mais recente trata do acirramento do conflito entre Israel e Irã. Tudo começou em outubro de 2023, quando o Hamas, organização extremista muçulmana sunita, que comandava a Faixa de Gaza, atacou alvos civis no sul de Israel. A reação do governo israelense foi pesada e já custou 41 mil vidas de ambos os lados.
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Em abril deste ano o conflito aumentou quando a força aérea israelense invadiu o espaço aéreo da Síria e bombardeou a embaixada iraniana em Damasco, capital síria. O ataque matou sete militares de alta patente que comandavam a Força Quds, braço militar e de inteligência do exército iraniano que atua em outros países do Oriente Médio.
O ataque levou a uma reação iraniana. Desde meados desde ano, a organização terrorista Hezbollah (ou “Partido de Deus”), apoiada pelo Irã, vem atacando Israel a partir de sua base no Líbano.
Finalmente, no sábado (28) e no domingo (29), disparos de mísseis israelenses mataram os comandantes do Hezbollah e do Hamas que estavam em Beirute, capital libanesa, desarticulando as lideranças dessas organizações. E na madrugada do dia 1º de outubro, tropas israelenses cruzaram a fronteira libanesa por terra.
Países árabes
O que motivou tudo isso? O Oriente Médio é uma região cheia de nuances. À primeira vista, o conflito parece simplesmente contrapor Israel (apoiada pelos EUA) aos países árabes. Isso é verdade, mas não conta nem metade da história.
O que se chama de “países árabes” não é um conjunto uniforme de nações. Há divergências religiosas – a maioria sunita e a minoria xiita não se entendem – e também políticas e culturais.
Os países mais importantes da região são Egito, Arábia Saudita e Irã. Egito e Arábia Saudita são sunitas e falam árabe. O Irã é xiita e fala persa. É o terceiro maior produtor de petróleo do Oriente Médio – e não tem muito mais do que isso. Sua economia vem sofrendo há quase duas décadas com as sanções americanas.
A influência do Irã
A trinca religião, idioma e problemas econômicos transformou o Irã no primo pobre regional. Já seria muito para qualquer governo, mas há uma dificuldade adicional. O Irã é uma teocracia, tem um governo religioso. A autoridade máxima é o aiatolá Ali Khamenei, que sucedeu o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902 – 1989), líder da revolução iraniana de 1979. Khamenei, de 85 anos, está no poder desde 1989. Mesmo usufruindo de apoio de 98% da população em 1979, a revolução iraniana dá sinais de esgotamento.
O sistema eleitoral é confuso e não representativo – os candidatos têm de ser aprovados pelos clérigos, e os critérios são subjetivos. A economia não cresce e o país gasta bilhões de dólares todos os anos para sustentar organizações como Hezbollah e Hamas, enquanto a população enfrenta a escassez diária de vários bens. Há cerca
Para piorar as coisas, a região é uma arena para países maiores brigarem entre si. A Síria, governada por Bashar Al-Hassad, é uma ditadura sanguinária com apoio do Irã e da Rússia. Egito, Arábia Saudita e Israel têm apoio americano.
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Energia
Os problemas do Irã e de seus vizinhos teriam pouquíssima importância para os demais países não fosse o petróleo. Além de ser um grande produtor, o país dos aiatolás pode interromper o tráfego naval do Estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico. Uma faixa navegável de apenas 10 quilômetros de largura, situada entre o emirado de Omã e o Irã, permite a passagem de 15 milhões de barris de petróleo todos os dias. De cada três barris transportados no mundo, um tem de passar por Ormuz.
O governo em Teerã sabe da importância estratégica disso, e já dificultou a passagem dos navios petroleiros em mais de uma vez, quando lhe interessava elevar os preços do petróleo e pressionar o Ocidente.
Aí está o principal problema. Um avanço nas hostilidades que pressione o governo iraniano pode levar a um fechamento do estreito, dificultando o comércio internacional de petróleo.
Por enquanto, a estabilidade de preços mostra que essa possibilidade ainda é considerada remota pelo mercado. O Brent, referência global, subiu 1,56%, para US$ 73,10 por barril, enquanto os futuros do West Texas Intermediate (WTI) dos EUA subiram 1,09%, para US$ 68,19 por barril.
Cortes na produção
O mercado de petróleo também permanece sob pressão devido ao aumento da produção nos EUA, Canadá e Guiana, o que se soma à oferta, além da demanda chinesa estagnada, enquanto a Organização dos Países Exportadores de Petróleo mais a Rússia, conhecida como OPEP+, adiou a volta dos cortes na produção.
No entanto, especialistas observaram que uma rápida escalada do conflito poderia fazer com que os preços do petróleo atingissem US$ 100 por barril.
Os dados de segunda-feira não foram encorajadores para a demanda, mostrando que a atividade manufatureira da China encolheu pelo quinto mês consecutivo e o setor de serviços desacelerou drasticamente em setembro.
A perspectiva de recuperação da produção de petróleo na Líbia também pesou sobre o mercado. O parlamento baseado no leste da Líbia concordou na segunda-feira em aprovar a nomeação de um novo governador do banco central, uma medida que poderia ajudar a encerrar a crise que reduziu a produção de petróleo do país.
Impacto na economia
Qual o impacto de uma alta súbita dos preços do petróleo sobre a economia mundial (e a do Brasil)? Se for um movimento rápido, uma alta que se dissipe em poucas semanas, o efeito será reduzido. Porém, um período de alta prolongado terá um forte impacto inflacionário sobre os Estados Unidos e os demais países da Europa, além da China.
O petróleo é uma commodity estratégica, não apenas pelo transporte rodoviário, mas pela geração de energia. Por isso, cotações elevadas vão encarecer a eletricidade e pressionar a inflação, pois o aumento de custos poderá ser repassado a quase todos os demais produtos da economia.
Uma alta da inflação americana tornaria mais difícil ao Federal Reserve (FED), o banco central americano, reduzir os juros nos EUA, o que manteria o dólar apreciado ante as demais moedas, o real inclusive, pressionando a inflação brasileira e levando o Comitê de Política Monetária (Copom) a elevar ainda mais os juros.