Jimmy Carter, o agricultor que cultivava amendoim da Geórgia que teve os índices de aprovação mais baixos de um presidente dos EUA no pós-guerra, exceto por Donald Trump e Harry Truman durante seu único mandato, mas que ganhou amplo respeito nas décadas após deixar o cargo por seu trabalho humanitário, morreu neste domingo aos 100 anos, anunciou sua fundação.
Carter morreu em sua casa em Plains, Geórgia, cercado por sua família, e deixa quatro filhos, 11 netos e 14 bisnetos, informou o Carter Center.
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Ele ascendeu de uma relativa obscuridade — serviu apenas um mandato como governador da Geórgia e quatro anos no Senado estadual da Geórgia — para conquistar a indicação presidencial democrata em 1976, dois anos após a renúncia do presidente Richard Nixon em meio a um escândalo, antes de derrotar por uma pequena margem o presidente Gerald Ford para chegar à Casa Branca.
A presidência de Carter é lembrada por inflação de dois dígitos, a crise energética de 1979 e a crise dos reféns no Irã, e ele perdeu de forma esmagadora para Ronald Reagan em 1980. Embora críticos lembrem das dificuldades econômicas sob Carter, ele teve sucessos em política externa durante seus quatro anos no cargo, incluindo os Acordos de Camp David entre Israel e Egito e a normalização das relações com a China.
O mandato de Carter foi marcado por dois eventos sísmicos: no segundo dia no cargo, ele concedeu perdão a todos os desertores da Guerra do Vietnã e, nas horas finais de sua presidência, ajudou a negociar a libertação dos reféns americanos no Irã. O democrata da Geórgia também lidou com as consequências da invasão soviética ao Afeganistão e finalizou os Tratados Torrijos-Carter, que devolveram o controle do Canal do Panamá ao Panamá.
Profundamente impopular ao deixar o cargo, sua taxa final de aprovação era em torno de 35% — sua média baixa de aprovação (45,5%) é melhor apenas do que as de Trump e Truman. No entanto, Carter ganhou aclamação como um dos ex-presidentes mais impactantes da América por seus anos de trabalho promovendo direitos humanos em todo o mundo por meio do Carter Center e por ajudar a construir milhares de casas para a Habitat For Humanity.
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Disputa como outsider
Em 1976, Carter concorreu como um outsider, focando na frustração dos americanos com Nixon e sua corrupção. “Há muitas coisas que eu não faria para ser presidente”, disse Carter durante a campanha presidencial de 1976. “Eu nunca farei uma declaração enganosa. Eu nunca mentirei para você.” Classificado em torno do 12º lugar nas primeiras pesquisas, Carter ultrapassou o ex-governador do Alabama George Wallace e o ex-candidato Hubert Humphrey para vencer as primárias democratas de 1976.
Vale registrar que Carter é o único presidente da história a cumprir um mandato completo sem nomear um juiz para a Suprema Corte e o único presidente que já viveu em habitação subsidiada antes de assumir o cargo.
Também importante citar um número em sua história: 4.390. Essa foi a quantidade de casas que Carter construiu para a Habitat For Humanity ao longo de sua vida, segundo a organização.
A origem de Carter
Carter nasceu em Plains, Geórgia, em 1924. Seu pai, James Earl Carter Sr., era agricultor e atuava ativamente na política local, enquanto sua mãe, Lillian Gordy Carter, era enfermeira. Ele se formou na Academia Naval dos Estados Unidos em 1946, antes de se casar com Rosalynn Smith. Após a graduação, Carter serviu em submarinos e foi designado para trabalhar em um novo programa de submarinos nucleares.
Após a morte de seu pai em 1953, ele obteve liberação do serviço ativo para retornar a Plains e administrar a fazenda de amendoim da família. Carter então se envolveu na política local, servindo no conselho escolar do condado de Sumter, e foi eleito para o Senado estadual da Geórgia em 1963. Ele concorreu ao cargo de governador em 1966 e perdeu, antes de vencer com sucesso em 1970.
O histórico misto de Carter sobre questões raciais atraiu escrutínio após ele deixar o cargo. Durante a década de 1960, Carter permaneceu em grande parte à margem das questões de direitos civis, mesmo enquanto eventos significativos ocorriam em seu estado natal. Durante sua campanha para governador em 1970, ele usou táticas controversas de apelo velado para ganhar o apoio de eleitores rurais conservadores, um tema desconfortável para ele mesmo no final de sua vida. Em seu discurso de posse como governador em 1970, Carter declarou: “O tempo da discriminação racial acabou”, o que levou vários apoiadores a abandonarem a cerimônia em protesto. Esse discurso ajudou a elevar Carter à atenção nacional — ele apareceu na capa da revista Time em 1971 —, o que utilizou como trampolim para concorrer à presidência em 1976.
Como presidente, Carter mudou a composição do judiciário federal ao triplicar o número de juízes de minorias e sancionou leis para restringir práticas racistas de concessão de hipotecas. Ele criou dois departamentos de nível ministerial: o Departamento de Energia e o Departamento de Educação. Em 2002, Carter recebeu o Prêmio Nobel da Paz “por seus esforços incansáveis ao longo de décadas para encontrar soluções pacíficas para conflitos internacionais, promover a democracia e os direitos humanos e fomentar o desenvolvimento econômico e social.”
Em fevereiro de 2023, o Carter Center anunciou que Carter, então com 98 anos, havia decidido “passar o tempo que lhe restava em casa com sua família” e receber cuidados paliativos em vez de intervenções médicas adicionais. O ex-presidente já havia enfrentado outros problemas de saúde, incluindo um melanoma que se espalhou para o fígado e cérebro em 2015, embora os médicos tenham anunciado mais tarde naquele ano que ele estava livre do câncer. Ele passou por uma cirurgia em 2019 para aliviar a pressão no cérebro antes de sofrer uma fratura pélvica menor e ferir a testa — necessitando de 14 pontos — em uma série de quedas naquele ano.
Uma curiosidade
Em 2019, Carter sugeriu que o então presidente Donald Trump era um presidente ilegítimo “porque os russos interferiram a seu favor.” Trump, respondendo aos comentários do ex-presidente, afirmou que Carter era um “homem bom, mas um péssimo presidente.” Carter e sua esposa, Rosalynn, não compareceram à cerimônia de posse do presidente Joe Biden, passando a maior parte do tempo em casa durante a pandemia.