O pregão da última quinta-feira (16) começou com uma surpresa. Pressionada pelo alto endividamento e necessidade de geração de caixa, o Grupo Cosan (CSAN3), do bilionário Rubens Ometto, decidiu zerar a sua participação na mineradora Vale (VALE3).
O fim dessa história é muito parecida com o seu começo. A Cosan também surpreendeu parte do mercado em 2022 ao anunciar que iria desembolsar R$ 21 bilhões para adquirir cerca de 4,9% do capital total da mineradora. Naquele momento os objetivos da holding empresa com o investimento não ficaram claros. E o passar dos anos não melhorou essa situação. A venda alivia os cofres da holding, mas parece um desfecho parece amargo.
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Ao ser anunciada, a operação deixou o mercado com a pulga atrás da orelha devido à sua alta complexidade. A aquisição das ações foi paga com empréstimos e também por meio de derivativos. Dos 4,9% comprados, 1,5% foi pago em dinheiro e outros 3,4% foram adquiridos via opções. Ainda existia a possibilidade de um aumento na participação, mas esse direito nunca foi exercido.
Reforçando o caixa
Na quinta-feira (16), a Cosan vendeu mais de 173 milhões de ações da Vale (VALE3), ou 4,05% do capital da mineradora, em uma operação de block trade na B3 que atrasou o início das negociações dos papéis em mais de 1 hora. Antes disso, ela já havia vendido os demais 0,85%.
Segundo a Reuters, a operação acabou saindo com um desconto de 0,59% frente ao preço de fechamento do dia anterior, que foi de R$ 52,6. Ao todo, a companhia levantou cerca de R$ 9 bilhões que serão “integralmente utilizados para o abatimento de dívida”.
Para o financiamento da empreitada, a companhia garantiu empréstimos com os bancos Itaú e Bradesco (R$ 4 bilhões cada) e deu como garantia futuros dividendos da Raízen e da Compass. A diferença entre os valores de compra e de venda é a forte desvalorização sofrida pelas ações da Vale nos últimos anos. A desaceleração da economia chinesa e a crise no setor imobiliário do país asiático provocaram uma forte queda nas cotações do minério de ferro, levando junto o valor de mercado da companhia.
Apesar do prejuízo na casa dos bilhões, a medida foi vista com bons olhos pelo mercado. A elevação da Selic e os altos investimentos dos últimos anos levaram a alavancagem da companhia a um patamar que os investidores consideravam incômodo.
Agora, com a injeção dos R$ 9 bilhões, a companhia poderá reduzir a sua dívida em 40% — de R$ 23 bilhões para R$ 14 bilhões.
Em relatório, analistas do Itaú BBA apontaram que consideram “a venda da participação da Vale um marco significativo na estratégia de desalavancagem da empresa, fortalecendo sua resiliência no atual cenário macroeconômico desafiador”.
Em nota, Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, apontou o atual cenário macroeconômico — com a forte alta de juros como o responsável pelo desinvestimento.
“Sempre acreditei no Brasil e por isso invisto aqui. A Vale é um ativo extraordinário e confio muito na nova gestão. Entretanto, o patamar atual da taxa de juros nos obriga a reduzir a alavancagem da Cosan”, explica. “Na minha trajetória de empreendedor, fui ficando mais pragmático. Já passei por muito e aprendi que o foco deve ser na disciplina financeira para podermos continuar crescendo”.
Cosan e Vale: o que deu errado?
A operação desta semana coloca fim à participação da Cosan na Vale e encerra um movimento estratégico que nunca ficou muito claro. O investimento da Cosan visava, além dos dividendos, a possibilidade de influenciar as decisões tomadas pela mineradora. No entanto, isso praticamente não ocorreu. A exceção parece ter sido a composição da última gestão. Rafael Passos, sócio-analista da Ajax Capital, aponta que Ometto foi essencial para reduzir a influência política do governo na gestão da mineradora e defender os interesses dos minoritários com uma “influência positiva”.
O objetivo do investimento sempre pareceu ser o da diversificação. Em 2021, a Cosan já havia adquirido a TUP São Luís, por R$ 720 milhões, e iniciado o processo de implementação de uma joint venture no setor. A Vale parecia ser a cereja no bolo: uma das maiores mineradoras do mundo com grandes vantagens competitivas e um minério de ferro de alta qualidade.
Um ativo valioso, mas uma aposta que nunca mostrou a que veio. Ainda assim, alguns acham difícil apontar as idas e vindas como um erro de estratégia ou um movimento mal calculado. Passos, da Ajax Capital, aponta que a movimentação fazia sentido na época da aquisição, já que a Cosan havia mostrado interesse em ativos ligados à mineração.
Além disso, ele lembra que, devido à estrutura da operação, o grupo não se alavancou para fazer a aquisição. O problema veio depois, com a queda de rendimento de seus principais negócios e a alta taxa de juros que hoje castiga o país.
“Talvez se estivéssemos em uma situação diferente, com um Brasil um pouco melhor em termos de trajetória de dívida e menor pressão inflacionária, a gente não deveria ter esse movimento da desinvestimento”, aponta Passos.
Mas nem todo mundo vê dessa forma. Werner Roger, sócio e diretor de investimentos da Trígono Capital, aponta que a Cosan, através da Raízen, sempre se mostrou propensa a investir em energia verde (como biomassa, etanol de segunda geração e outras iniciativas) e um investimento em uma atividade poluente como a do minério de ferro se mostra deslocada dos princípios de sustentabilidade.
“Nós ficamos surpresos quando foi feito esse investimento e agora nem um pouco surpresos com o prejuízo que ele trouxe. Fora a questão de imagem para a companhia, que contraria totalmente os princípios de descarbonização”, declara.
O gestor aponta que havia diversas oportunidades tecnológicas de energia verde que poderiam ter sido beneficiadas pelo recurso que foi utilizado para investir na Vale — manchando a sua imagem como uma empresa ESG.
Com esse capítulo encerrado, o tempo para questionar o investimento passou. E, no fim das contas, a Cosan conseguiu tirar algo positivo do próprio prejuízo. Com a redução do endividamento, a empresa abre espaço para colocar a casa em ordem e, quem sabe, perseguir uma nova estratégia.