
O e-commerce no Brasil é um sucesso. A comodidade de escolher inúmeras opções de produtos da própria casa combinada com preços mais competitivos e diversas lojas à disposição são grandes atrativos para os consumidores. Uma pesquisa feita pela Nuvei, fintech canadense de soluções de pagamento, indiciou que o setor não apenas está em crescimento, mas também em expansão.
Um enredo que seria incrível para as varejistas brasileiras se não fosse a forte pressão exercida por concorrentes estrangeiras e a projeção de que o cenário competitivo pode se tornar ainda mais acirrado enquanto os juros altos seguirem pressionando o balanço e potencial competitivo das varejistas brasileiras.
Raio-X do e-commerce
Parte da expectativa de crescimento para o e-commerce no Brasil vem do sucesso do Pix e a possibilidade de que embreve o Pix recorrente seja lançado, substituindo o uso do cartão de crédito.
A projeção é de que essa modalidade de pagamento atingirá metade de todas as transações nacionais até 2027. A população ter amplo acesso à tecnologia também turbina as estimativas. Segundo a Nuvei, as lojas virtuais do Brasil devem ter um faturamento de mais de US$ 585 bilhões (R$ 3,34 trilhões) em dois anos. O valor é 70% maior que o registrado em 2024, de US$ 346,3 bilhões (R$ 1,97 trilhão).
O setor varejista foi o que teve maior volume de operações no e-commerce em 2024, somando US$ 137,3 bilhões (R$ 783,6 bilhões), seguido por viagens (US$ 56,7 bilhões ou R$ 323,2 bilhões), apostas (US$ 39,3 bilhões ou R$ 224 bilhões), aplicativos de transporte e entrega (US$ 16,8 bilhões ou R$ 95,8 bilhões), e serviços streaming (US$ 10,7 bilhões ou R$ 61 bilhões). Números que deixam o Brasil na liderança em termos de faturamento no e-commerce na América Latina.
O país, no entanto, fica atrás de países como o México e Chile quando o assunto é a atuação de empresas de comércio eletrônico internacional em solo brasileiro. Enquanto elas representam cerca de 7% do total no Brasil, os outros países latino-americanos citados contam com mais de 20%. Até 2027, a companhia projeta um volume de negociação cross-border de US$ 51,2 bilhões.
Isso não significa uma irrelevância das varejistas internacionais no país. Segundo dados do Relatório Setores do E-commerce no Brasil, da Conversion, a varejista chinesa Temu foi responsável por 92% da alta vista em todo o setor de comércio eletrônico. A companhia saiu de 1,2 milhão de visitas em 2024 para 1,2 milhão em 2025. O relatório também aponta que, hoje, cinco dos 10 maiores e-commerces que atuam no Brasil são de países asiáticos.
Não à toa, o varejo brasileiro tem sido vocal em tentar conter o avanço dos rivais, como o aumento das tarifas de importação.
Tendências adversas
Hoje, existem dois tipos de varejistas internacionais atuando no país — aquelas com operação própria no Brasil e as com atuação cross-boarder (empresa com operação internacional, mas que comercializam os seus produtos aqui).
Nos últimos anos, o mercado brasileiro começou a atrair essas lojas virtuais, sobretudo as asiáticas. De acordo com Daniel Moretto, vice-presidente sênior da Nuvei na América Latina, esse movimento deve continuar crescendo. “Por dia, ao menos oito empresas nos procuram querendo saber mais sobre o mercado no Brasil”, afirma. Segundo ele, esses e-commerces se inspiram em outras marcas que conseguiram se sair bem na região, como a Shein. O cross-border é uma espécie de período de teste para essas companhias. Durante os primeiros anos, elas aprendem sobre o mercado. Se o negócio cresce, elas avaliam operar no Brasil. “A partir do momento em que a empresa atinge um determinado tamanho, não faz mais sentido ela não nacionalizar suas operações”, explica Moretto.
O executivo avalia que o duelo pelo mercado entre e-commerces nacionais e internacionais têm vantagens e desvantagens para os dois lados. Enquanto os nacionais, entendem melhor o mercado, os que chegam de fora possuem recursos mais baratos, sendo mais competitivos nos preços.
Conciliar concorrência com cenários econômicos complexos é um desafio. Internamente, o comércio eletrônico hoje sofre com a alta da Selic e do dólar. No exterior, questões diplomáticas, guerras e a política tarifária dos Estados Unidos pressionam o mercado.
Moretto observa que diante de uma economia tão globalizada é um equívoco se manter apenas em um mercado. “Vemos muitas empresas buscando vender para outros países. É uma forma de elas não apostarem tudo que têm em apenas um local e terem maior flexibilidade. Se em um mercado, você está perdendo dinheiro, no outro você pode encontrar maior estabilidade”, explica. Algo que é endossado pelo presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) Mauricio Salvador.
“Com o câmbio alto, os produtos brasileiros se tornam atrativos para os mercados internacionais. Entrar em marketplaces, inclusive nos que atuam no exterior, é uma oportunidade que realmente falta as lojas virtuais do Brasil abraçarem”, lamenta.
Outra alternativa é diversificar os ramos de atuação. Fernando Moulin, professor da ESPM, explica que “uma solução estratégica é estender o posicionamento para outras cadeias de valor naturalmente relevantes, incorporando novas soluções de totalização do cliente e entrada em mercados complementares, como forma de rentabilização e defesa de seu espaço”.
Como exemplo, ele cita a rede de varejo Magalu, que agora possui uma plataforma de produtos e serviços em nuvem, além da carteira digital Magalu Pay. Alguns e-commerces também estão conseguindo lidar com os juros altos, através de outras iniciativas, como a adoção de descontos para pagamentos à vista, redução no número de parcelas para compras a prazo, precificação dinâmica para frete, uso de ferramentas para reduzir custos — vide a inteligência artificial — , além da revisão de malhas logísticas e operativas.
Neiva Coelho, professora da FGV, considera que o comércio eletrônico brasileiro precisa criar novos métodos. “As empresas internacionais criam gamificações no processo de compra, inclusive com descontos, que você pode até achar algo absurdo, mas é uma forma de manter a fidelidade do cliente”, explica. “Elas também sabem usar a IA, por isso, têm maior assertividade, algo que ainda precisamos nos adaptar”, completa.
Embora não exista receita milagrosa para manter os negócios, Moulin lembra que o e-commerce nacional sempre foi resiliente. “Nos últimos 20 anos, tivemos vários momentos de elevação e redução de juros, com cenários até mais desafiadores do que os de agora”.