
O presidente Donald Trump fez de novo – e os mercados financeiros também. Em uma postagem na Truth Social, na quinta-feira (27) Trump anunciou que, na semana seguinte, aplicaria sua ameaça anteriormente adiada de impor tarifas de 25% sobre produtos do Canadá e do México, alegando que esses países vizinhos não estavam fazendo o suficiente para impedir o tráfico de drogas na fronteira. Mais tarde, no Salão Oval, ele disse que a China também sofreria um aumento tarifário adicional de 10%, elevando a taxa total para 20%.
A resposta do mercado foi rápida e clara. O S&P 500 caiu 1,6% naquele dia, entrando em território negativo pela primeira vez em 2025, enquanto o índice Nasdaq, fortemente concentrado em tecnologia, caiu 2,8%, acumulando uma perda de 3,8% no ano. Em contraste, o índice de ações MSCI Europeu subiu quase 11% e o índice MSCI da China avançou 17%.
O que o errático 47º presidente fará na próxima semana ainda é uma incógnita. Na quinta-feira (6) ele anunciou que estava adiando por mais um mês a entrada das tarifas em vigor. Mas os investidores podem ter certeza que, com base tanto no primeiro mandato quanto no atual, Trump está atento ao mercado.
Tarifas derrubam ações
A encenação da semana passada não é inédita. Ele assinou três ordens executivas para impor essas tarifas em 1º de fevereiro, um sábado. As ações despencaram na manhã da segunda-feira seguinte, dia 3. Alguns dias depois, os mercados se recuperaram quando Trump anunciou uma “pausa” no que a maioria dos economistas considera uma proposta mal concebida.
Um fracasso nos freios e contrapesos. Uma presidência autoritária. Uma crise constitucional. Após poucas semanas no cargo, essas são as palavras que ecoam nos corredores do poder enquanto Trump e Elon Musk avançam sem resistência sobre as agências federais. Até agora, o Congresso, controlado pelos republicanos, não reagiu, e não está claro se o Judiciário intervirá.
Dado seu discurso contra a “fake news”, Trump certamente não se preocupa com reportagens da mídia, que tradicionalmente servem como um controle externo ao poder presidencial. Afinal, seus próprios apoiadores não confiam na grande imprensa. Mas há uma autoridade que Trump parece reconhecer: o mercado.
“Trump é o presidente que mais alinhou seu sucesso pessoal ao mercado de ações na história dos EUA”, afirma Jeremy Siegel, professor emérito da Wharton e economista sênior da WisdomTree. “O mercado é o freio definitivo, especialmente para um presidente que se importa.”
Distante das máximas
Embora as ações tenham disparado após a reeleição de Trump em novembro, fissuras começaram a aparecer nesse rali. Além das ações, o bitcoin (BTC) já recuou 20% desde seus picos impulsionados pela vitória de Trump.
Durante seu primeiro mandato, o anúncio de Trump de tarifas de 25% sobre a China, em março de 2018, fez os mercados despencarem quase 5% em uma semana. Esse movimento acabou se transformando em uma guerra comercial aberta com a China em 2019. No entanto, em 2020, Trump recuou e assinou um acordo comercial. As ações subiram bastante desde então.
“Vale notar que, na guerra comercial do primeiro mandato, Trump estava disposto e foi capaz de recuar quando os danos econômicos causados por essa guerra ficaram evidentes, aliviando as tensões com os chineses”, escreveu Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s, em um relatório recente. “Esperamos uma dinâmica semelhante desta vez.”
Crescendo no bairro de Queens, em Nova York – e por décadas buscando a aprovação da elite financeira de Manhattan – Trump sempre manteve muitos bilionários de Wall Street em seu círculo íntimo. Por isso, não é surpresa que ele sempre tenha sido extremamente sensível e atento aos mercados financeiros e a seus movimentos. Em dezembro, Trump tocou triunfalmente o sino de abertura da Bolsa de Valores de Nova York, posando diante de sua capa da Time como “Pessoa do Ano” de 2024. Foi a primeira vez que ele tocou o sino, e ele levou seus filhos e o vice-presidente eleito J.D. Vance para a ocasião.
O mercado de títulos, que indica a taxa de juros, pode ser um freio ainda mais importante do que o mercado de ações para Trump, especialmente considerando que a dívida nacional de US$ 36 trilhões (R$ 208,8 trilhões) precisa ser constantemente refinanciada. Não há exemplo mais ilustrativo do que a experiência da ex-primeira-ministra britânica Liz Truss.
Exemplo da Inglaterra
Após assumir o cargo em setembro de 2022, Truss anunciou cortes de impostos agressivos e aumento do endividamento. O temor generalizado de inflação e crescimento da dívida rapidamente fez os preços dos títulos despencarem, elevando os rendimentos a patamares recordes e derrubando a libra esterlina para a mínima histórica frente ao dólar. Com vários fundos de pensão à beira do colapso, o Banco da Inglaterra precisou intervir emergencialmente três vezes para evitar o colapso do mercado de títulos. Em menos de três semanas, Truss abandonou seus planos e renunciou.
Embora a possibilidade de um presidente dos EUA renunciar devido a um choque do mercado de capitais seja remota, o colapso de Truss serve de alerta. Os investidores do mercado de títulos provavelmente manterão Trump sob pressão. O respeito ao Estado de Direito é um fator essencial para os investidores que compram e detêm títulos do governo dos EUA.
Em termos de juros, os rendimentos dos títulos do Tesouro de 10 anos caíram desde que Trump assumiu o cargo, passando de cerca de 4,8% ao ano para aproximadamente 4,2% atualmente. No entanto, as taxas de hipoteca (e a inflação) continuam problemáticas. De acordo com a Freddie Mac, as taxas de financiamento imobiliário fixo de 30 anos, que recentemente ultrapassaram 7%, estão atualmente em torno de 6,76%.
No momento, a administração Trump está colhendo os frutos da economia forte herdada do governo Biden, que teve um crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,6% entre 2021 e 2024. Isso contrasta com o crescimento médio de 1,5% ao ano durante o primeiro mandato de Trump.
E se houver uma crise?
O verdadeiro teste virá caso Trump enfrente uma crise real, fora de seu controle, como a crise financeira do subprime em 2008, que ocorreu no fim do segundo mandato do presidente George W. Bush. Como costuma acontecer em tempos de turbulência econômica, o mercado guiou a liderança do país. Quando a Câmara dos Deputados rejeitou o pacote de resgate financeiro de US$ 700 bilhões (R$ 4,06 trilhões) do Troubled Asset Relief Program (TARP), em 29 de setembro de 2008, o S&P 500 caiu quase 9% em quatro dias, antes que os legisladores reconsiderassem e aprovassem o projeto em 3 de outubro.
Durante seu primeiro mandato, Trump tentou minimizar a pandemia de Covid-19, mas o colapso global e a queda de mais de 30% no mercado de ações em poucas semanas sacudiram sua administração e o Congresso, levando-os à ação. O resultado foi um estímulo de US$ 5 trilhões (R$ 29 trilhões) em dois anos, que impulsionou os mercados na época e continua tendo efeitos até hoje