Pouco depois de Sun ingressar na Ripple, a Ethereum, uma blockchain que oferecia funções mais avançadas graças aos contratos inteligentes, virou a nova sensação. Sun investiu na Initial Coin Offering (oferta inicial de moedas ou ICO) da Ethereum em 2014, mas acabou concluindo que, mesmo processando transações muito mais rápido que o Bitcoin, ainda era lenta demais. Por outro lado, a Ripple não conseguia integrar contratos inteligentes. Foi aí que surgiu a ideia: criar uma nova blockchain com a velocidade da XRP e suporte a contratos inteligentes. “Precisávamos de algo mais barato e rápido, mas compatível com a Ethereum”, diz Sun, que deixou a Ripple em 2015 e lançou a Tron dois anos depois.
Desde o início, a nova blockchain de Sun foi alvo de acusações de plágio em seu white paper, que teria copiado a documentação da Ethereum e de outra blockchain. Juan Benet, fundador da Protocol Labs, equipe responsável pela blockchain de armazenamento de dados Filecoin, afirmou em um tweet de 2018 que o white paper da Tron havia copiado nove páginas inteiras do documento dele. Vitalik Buterin, cofundador da Ethereum, nascido na Rússia e naturalizado canadense, provocou Sun em 2018 ao responder a um tweet no qual ele listava diferenças entre a Ethereum e a Tron: “melhor capacidade de escrita de white paper: (Control+C + Control+V tem eficiência muito maior do que digitar um conteúdo novo no teclado).” Sem se abalar, Sun insistiu que a semelhança com a Ethereum era intencional. “Naquela época, a compatibilidade com a Ethereum era muito importante”, diz ele.
Ninguém foi mais fundamental para o sucesso inicial de Sun do que Changpeng “CZ” Zhao, o bilionário fundador da Binance, que Sun diz ter conhecido em 2015, quando ainda trabalhava na antecessora da Blockchain.com. Em agosto de 2017, a Binance conduziu o ICO de US$ 70 milhões (R$ 406 milhões) da Tron apenas alguns dias antes da China proibir esse tipo de oferta especulativa.
Em novembro de 2018, após o estouro da bolha dos ICOs, Zhao lançou o Gold Label Project da Binance para apoiar projetos de criptomoeda em dificuldades e “elevar o padrão de qualidade da informação” incentivando essas empresas a divulgar atualizações regulares sobre seu desenvolvimento. A Tron foi um dos primeiros projetos a receber esse selo. Além disso, como a Tron virou a opção padrão para os 10 milhões de usuários da Binance que queriam usar a stablecoin USDT, da Tether, para pagamentos em dólar, seu negócio cresceu rapidamente.
No fim de 2019, a Binance ajudou ainda mais Sun, oferecendo aos detentores de USDT na Tron uma taxa de rendimento anual de 16% sobre os saldos. Também começou a permitir saques e transferências internas sem taxas, o que deu à Tron uma grande vantagem sobre a Ethereum. Segundo pesquisa da Messari, entre outubro e dezembro de 2019, a oferta de USDT na Tron saltou de cerca de US$ 100 milhões (R$ 580 milhões) para quase US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões), representando cerca de 30% da oferta total da stablecoin na época.
“A” blockchain
CZ e a Binance acabaram tendo problemas. Em 2023, a Binance concordou em pagar mais de US$ 4 bilhões (R$ 23 bilhões) ao governo dos EUA em resposta a acusações de lavagem de dinheiro e outros crimes. Em meados de 2024, CZ cumpriu quatro meses de prisão, após se declarar culpado por falhas no cumprimento das regras contra lavagem de dinheiro. Mas o impulso que a Binance deu à Tron já havia surtido efeito: o USDT se tornou a criptomoeda mais negociada do mundo, e a Tron virou sua principal blockchain. Parte disso se deve à liquidez: pessoas e empresas em países emergentes precisam desesperadamente de dólares para facilitar comércio e pagamentos e usam o dólar digital da Tether como substituto. A Tron já tem 300 milhões de usuários no mundo e seu volume mensal de transações ultrapassa US$ 500 bilhões (R$ 2,9 trilhões), tornando-a indispensável para pagamentos peer-to-peer.
“Qualquer vez que me refiro a stablecoins, podem assumir que cerca de 70% é USDT na Tron”, diz Chris Maurice, nomeado pela Forbes no ranking Under 30 e, cofundador e CEO da Yellow Card, especializada em pagamentos e remessas em 20 países africanos. As baixas taxas também impulsionaram a Tron. Sun conquistou participação de mercado cobrando apenas US$ 0,30 (R$ 1,74) por transação, enquanto a Ethereum cobrava US$ 50 (R$ 290). “Estamos falando de alguns dos mercados mais sensíveis ao custo do mundo”, diz Maurice. “Em alguns desses países, as pessoas passam oito horas do dia para economizar alguns dólares, então US$ 50 versus alguns centavos faz uma diferença enorme”, conclui.
O USDT tem uma circulação de US$ 144 bilhões (R$ 835 bilhões), e a Tron responde por quase metade desse valor. Com esse domínio consolidado, as taxas da Tron aumentaram pelo menos dez vezes. Em 2024, sua receita com blockchain foi de US$ 2,2 bilhões (R$ 12,7 bilhões), ficando atrás apenas da Ethereum, que faturou US$ 2,5 bilhões (R$ 14,5 bilhões).
Relação conveniente
Nos Estados Unidos, no entanto, o ceticismo persiste. A Circle, emissora de stablecoins, deixou de fazer negócios com a blockchain de Sun. Além disso, em dezembro de 2024, a Coinbase removeu de sua plataforma uma versão do Bitcoin chamada “wrapped bitcoin” (wBTC), que roda na blockchain da Ethereum e, segundo rumores, é controlada por Sun. Em um processo judicial, a Coinbase declarou: “a afiliação de Sun — e seu possível controle sobre o wBTC — representa um risco inaceitável para seus clientes e para a integridade da exchange.” o empresário não quis comentar.
As acusações da SEC, embora suspensas, são graves. Sun e as fundações Tron e BitTorrent, que ele supostamente controla, não só foram acusados de vender valores mobiliários não registrados, mas também de inflar artificialmente o preço do token TRX por meio de “wash trading” em 2018 e 2019. Ele teria ordenado que funcionários criassem várias contas para simular grande demanda. Além disso, a SEC alega que Sun pagou celebridades como Lindsay Lohan e Jake Paul para promover seus tokens sem divulgar os pagamentos. Ele também não comentou sobre este processo.
Tudo isso torna o momento da parceria com Trump ainda mais conveniente. Embora Sun diga que nunca encontrou o presidente, ele passou recentemente um tempo com os filhos Eric e Donald Jr., que são parceiros da WLF com o filho do amigo de Trump e enviado ao Oriente Médio, Steve Witkoff.
Totalmente ciente de que o setor de criptomoedas exige confiança pública, Sun se apegou à ideia de que o presidente dos Estados Unidos, ao entrar nesse mercado, pode aumentar sua credibilidade entre os investidores de varejo. “$TRUMP realmente quebra as barreiras entre o Web3 e o mundo tradicional,” diz Sun. “Até minha mãe me perguntou sobre o token”, afirma. “Acho que Trump foi eleito e começou a impulsionar muitos negócios de criptomoeda, [o que] na verdade beneficia muito mais a indústria inteira neste superciclo,” ele acrescenta.
De fato, na terça-feira (25), a World Liberty anunciou o lançamento de sua própria stablecoin, USD1, um dólar digital respaldado por títulos do Tesouro dos EUA de curto prazo, reservas em caixa e outros equivalentes de caixa. O conflito de interesse é difícil de ignorar, já que um projeto de lei sobre stablecoins do Congresso pode em breve parar em sua mesa.
Sun cita a reação global ao $TRUMP após seu lançamento, afirmando que sua exchange, HTX, registrou 1 milhão de novos usuários, dentro de uma semana após a oferta do token de Trump, muitos dos quais vieram da China, onde a criptomoeda é tecnicamente proibida. A parte ainda mais reveladora, de acordo com Sun, foi que as autoridades chinesas permitiram que o meme coin se tornasse tendência nas redes sociais por dias. “O governo chinês não quer ser visto banindo Trump,” diz ele. “Acho que eles têm medo de alguém dizer a Trump que o governo chinês está banindo seu coin”, declara o empresário.
Sun pode não ter conhecido Trump, mas ele incorporou as lições do maior marqueteiro da América. Enquanto muitos líderes do setor de criptomoeda desejam anonimato, Sun abraçou o oposto, gastando milhões em truques para chamar a atenção do público com “teatralidades”;
Em 2019, ele pagou US$ 4,6 milhões (R$ 26,5 milhões) para almoçar com Warren Buffett como parte do leilão anual de caridade do bilionário. Isso atraiu atenção. Depois, Sun complicou ainda mais ao cancelar três dias antes do encontro planejado. Ele acabou almoçando com Buffett em Omaha, Nebraska, um ano depois. O empresário de blockchain seguiu o mesmo roteiro em 2021, oferecendo US$ 28 milhões (R$ 161,4 milhões) para ser o primeiro passageiro pagante na espaçonave Blue Origin de Jeff Bezos. No dia do lançamento, Sun atraiu ainda mais atenção ao perder o lançamento por “conflitos de agenda”.
Em novembro, enquanto finalizava seu investimento em Trump, ele gastou US$ 6,2 milhões (R$ 35,7 milhões) na Sotheby’s por uma obra de arte conceitual: The Comedian, uma banana colada à parede com fita adesiva pelo artista italiano Maurizio Cattelan. Dez dias depois, ele comeu a banana no palco diante de um grupo de repórteres em Hong Kong.
O empresário refere-se a si mesmo com o título de “sua excelência,” devido à sua recente nomeação como embaixador da Organização Mundial do Comércio (OMC) da pequena ilha caribenha de Granada. Ele também ocupa o cargo de primeiro-ministro da República Livre de Liberland, uma “micronação” que reivindica a posse de território ao longo do rio Danúbio, na Croácia. Então, qual é a cidadania de sua excelência, um nativo chinês — que além desses cargos duvidosos, parece passar a maior parte de seu tempo em Hong Kong e lista sua localização como Suíça em seu perfil no X — o que ele considera como sua cidadania? “Acho que podemos colocar São Cristóvão, provavelmente,” diz ele. “A maioria das pessoas provavelmente acha que faço essas coisas porque quero chamar a atenção de todos,” reflete Sun. “Mas, na verdade, quando faço coisas em cripto que se tornam realidade, é quando mais atenção eu consigo.”
De fato, tais teatralidades desviam a atenção do que parece ser um foco muito astuto no crescimento. Sua exchange DeFi, SunSwap, um clone da blockchain Tron, viu seu volume de negociações explodir em 2024, com a estratégia de baixa taxa inicial — a mesma que ele usou para o USDT –, acumulando mais de US$ 4 bilhões (R$ 23 bilhões) em negociações do token “wrapped” no final do ano. Da mesma forma, o SunPump, a versão de Sun da fábrica de meme coins baseada no Solana, está produzindo tokens de tendência rapidamente. No entanto, em agosto do ano passado, os 97 mil tokens criados por ele desde o início da SunPump renderam apenas US$ 37 milhões (R$ 212,8 milhões), contra US$ 600 milhões (R$ 3,4 bilhões) da Solana.