
Economistas dos maiores bancos dos Estados Unidos alertam que o país provavelmente entrará em recessão se o presidente Donald Trump não recuar na sua política de tarifas. Esse alerta reflete o colapso visto em Wall Street nos últimos cinco dias, provocado pelas medidas econômicas que ameaçam aumentar a inflação e enfraquecer drasticamente o crescimento da economia.
No domingo (6), especialistas do Goldman Sachs elevaram de forma significativa a probabilidade de uma recessão nos próximos 12 meses, passando de 20% no final de março para 45%, e afirmaram, em nota pessimista enviada a clientes, que uma recessão é o cenário-base, caso Trump não ceda. Na sexta-feira (4), economistas do JP Morgan, maior banco americano em ativos e valor de mercado, emitiram um alerta ainda mais severo: 60% de chance de recessão, classificando as políticas de Trump como o “maior aumento de impostos” desde 1968, que recairá com mais força sobre o consumidor americano.
A preocupação com uma possível recessão, provocada pelas decisões de Trump, está crescendo entre especialistas do mercado. No mês passado, a Escola de Administração Anderson da Universidade da Califórnia (UCLA) publicou, pela primeira vez em 73 anos de projeções econômicas, um alerta oficial de “vigilância de recessão”. O economista Clement Bohr fez duras críticas às políticas de Trump, dizendo que o comunicado serve como um aviso à atual administração: “tenha cuidado com o que deseja, porque, se tudo se realizar, você pode muito bem ser o autor de uma recessão profunda.”
Segundo Bohr, o cenário que se desenha é “totalmente evitável”, caso as principais políticas econômicas de Trump sejam reduzidas ou implementadas de forma mais gradual. Dentre elas, o especialista cita as tarifas mais severas em quase um século e o desmonte do setor público liderado pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), de Elon Musk. O economista-chefe da Moody’s Analytics, Mark Zandi, reforçou esse ponto em entrevista à CNN no programa “Early Start with Rahel Solomon”, em 19 de março, ao afirmar que “parece que estamos sendo empurrados para uma recessão” pelas políticas de Trump.
Governo tem conhecimento
Embora os preços das ações não sejam um reflexo exato do crescimento econômico, os investidores do mercado de ações claramente estão apostando em uma desaceleração significativa da economia americana. O índice S&P 500 registrou baixa de 20% nesta segunda-feira (7), eliminando cerca de US$ 10 trilhões (R$ 59 trilhões) em valor de mercado. O movimento foi puxado por empresas consideradas mais vulneráveis à desaceleração, como a Nvidia e a Tesla, de Musk.
Na semana passada, antes do anúncio do chamado “Dia da Libertação”, Trump preparou os americanos para a possibilidade de uma recessão. Em entrevista à Fox News, exibida em 9 de março, ele não descartou um período recessivo e pediu que os americanos estivessem prontos para uma fase de “transição” econômica, dizendo também que está pouco preocupado com as perdas do mercado de ações.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, em entrevistas posteriores, também não afastou a possibilidade de uma recessão e afirmou que os Estados Unidos passarão por um “período de desintoxicação”. Em entrevista ao programa “Meet the Press”, da NBC, Bessent declarou que teria sido mais saudável se alguém tivesse “puxado o freio” antes da Grande Recessão. Nesta segunda-feira (7), Trump escreveu em sua rede Truth Social: “sejam fortes, corajosos e pacientes, e a GRANDEZA será o resultado!”
Tanto Trump quanto Bessent deixaram claro que estão focados em reduzir as taxas de juros, definidas pelo Federal Reserve, que é politicamente independente. Normalmente, cortes drásticos nas taxas ocorrem apenas em momentos de estresse econômico, já que juros menores estimulam o crescimento — incentivando empréstimos por parte de famílias e empresas —, embora esse movimento também possa elevar a inflação. Segundo David Mericle, economista-chefe do Goldman Sachs, o Fed deve adiar novos cortes até que a política tarifária fique mais clara.
Para que uma recessão seja tecnicamente confirmada, é necessário haver dois trimestres consecutivos de retração no Produto Interno Bruto (PIB), que mede todos os bens e serviços produzidos no país. Embora os dados oficiais do PIB ainda não tenham mostrado retração, o modelo de acompanhamento em tempo real do Federal Reserve de Atlanta acendeu o alerta ao projetar uma queda de 1,8% no PIB anualizado para o primeiro trimestre de 2025 — o pior resultado desde 2020. No entanto, a projeção pode estar distorcida por causa da metodologia, especialmente na forma como considera o aumento das importações de ouro.
Indicadores também são alerta
No mercado de títulos, há sinais de busca por segurança, com os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de 10 anos caindo mais de 30 pontos-base nos últimos dois meses — o que indica valorização dos papéis. Ainda assim, o sinal clássico de recessão no mercado de bonds (títulos de dívida), a inversão da curva de juros (quando títulos de longo prazo rendem menos que os de curto), se normalizou nos últimos meses. O modelo de previsão de recessão ligado a títulos do Federal Reserve de Nova York aponta para uma chance de 30% de recessão no próximo ano, bem abaixo dos mais de 70% registrados no final de 2023 — período que, no fim, não resultou em uma recessão de fato.
Talvez o sinal mais preocupante seja a queda na confiança dos consumidores americanos. A pesquisa do Conference Board, muito observada pelo mercado, caiu este mês ao nível mais baixo desde 2021. Isso acompanha o enfraquecimento dos gastos: as vendas do varejo cresceram apenas 0,2% de janeiro para fevereiro, segundo relatório divulgado em 17 de março pelo Censo dos EUA — bem abaixo dos 0,6% previstos pelos economistas.
Apesar disso, o mercado de trabalho ainda se mantém sólido. Embora o ritmo de criação de empregos tenha desacelerado e os cortes tenham aumentado no início de 2025, a taxa de desemprego de março, de 4,2%, ainda está dentro da média considerada saudável. O principal indicador do mercado de trabalho para recessão, conhecido como regra de Sahm, hoje sinaliza uma probabilidade muito menor de recessão do que no pico registrado no verão passado, quando houve uma venda generalizada no mercado em agosto.
Economia global está enfraquecendo
Os preços do ouro e do petróleo sugerem uma possível desaceleração global. O ouro valorizou mais de 10% neste ano, atingindo um recorde de US$ 3 mil (R$ 17.700) por onça troy, com investidores recorrendo ao ativo de segurança tradicional. Já o petróleo tipo Brent caiu neste mês ao menor nível desde 2021, com os traders antecipando uma queda na demanda global de petróleo devido à desaceleração da atividade econômica.
Um levantamento mensal do Bank of America com gestores de fundos mundiais, divulgado neste mês, revelou que 63% deles acreditam que a economia global vai enfraquecer no próximo ano — o segundo maior salto de pessimismo macroeconômico desde o início da pesquisa, em 1994. O levantamento também mostrou que os gestores aumentaram sua alocação em caixa ao maior nível desde março de 2020 e se afastaram das ações americanas no ritmo mais rápido já registrado, o que sinaliza uma perda de confiança no mercado de ações dos EUA.
A maioria dos gestores apontou a política da Casa Branca como o principal risco: 55% citaram uma guerra comercial provocada por tarifas como o maior fator de risco para uma recessão global, e 13% indicaram ações do Departamento de Eficiência Governamental, liderado por Elon Musk, como a principal ameaça de uma recessão nos EUA. A pesquisa do Bank of America foi realizada entre os dias 7 e 13 de março, com 205 gestores de fundos que, juntos, administram US$477 bilhões (R$2,8 trilhões) em ativos.