
A companhia francesa de logística ID Logistics sofreu um baque com as tarifas impostas por Trump na semana passada, vendo suas ações caírem 10,7% após o anúncio feito pelo presidente dos EUA na noite de quarta-feira (2). O fundador e CEO Eric Hémar, cuja fortuna está concentrada nos 55% de participação que detém na ID, perdeu US$ 200 milhões (R$ 1,15 bilhão), encerrando a semana com patrimônio de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,47 bilhões). Não é surpresa, considerando que a ID está no centro das tensões comerciais internacionais.
A ID — que gerencia o fluxo de mercadorias em centros de distribuição para empresas como Amazon e Inditex, embalando produtos antes do envio ao consumidor — é a principal empresa de logística da França e está presente em outros 18 países. Aproximadamente 70% dos seus US$ 3,6 bilhões (R$ 20,7 bilhões) em receita vêm de fora da França, com a maior parte proveniente da Polônia, seguida pelos EUA, depois Espanha e Portugal.
Mas Hémar, de 61 anos, não parece abalado. Afinal, ele nunca focou nos impactos de curto prazo, preferindo manter os olhos no futuro. “Essa é a força dele”, diz Mohamed Mansour, analista da IDMidCaps. “Ele pensa mais no longo prazo, ao contrário de muitos concorrentes cujos gestores não têm tanto envolvimento financeiro no negócio.”
Cenário hostil, mas com oportunidades
Ao ser questionado sobre as tarifas, Hémar respondeu com tranquilidade, dizendo que é difícil prever os impactos. “Meu negócio é doméstico”, afirmou. “Falando diretamente, minha empresa não é afetada. Eu não sou responsável pelo volume entre América e Europa. Onde sou afetado diretamente é pelo fato de que meu negócio é sensível ao clima econômico. Se a situação não vai bem, as pessoas compram menos de clientes como Carrefour, Nespresso, Amazon. Só que é um efeito indireto.”
Um analista ouvido pela Forbes acredita que uma desaceleração econômica pode incentivar empresas a terceirizar mais sua logística, gerando mais negócios para a ID. “A maior parte da externalização ocorre justamente em tempos econômicos incertos, quando a macroeconomia não vai bem”, diz Nicolas Delmas, analista do Portzamparc Groupe BNP Paribas, “porque as empresas ficam mais dispostas a cortar custos”.
O setor de logística contratual mal existia há algumas décadas, quando a maioria das empresas cuidava internamente da embalagem e envio dos seus produtos. Agora, elas estão percebendo que terceirizar essas tarefas pode reduzir custos. Isso se torna ainda mais atrativo com o aumento da complexidade das cadeias de suprimento e a urgência imposta pelo comércio eletrônico, que exige a gestão de um volume inédito de produtos — muitas vezes, com milhares sendo adicionados ou retirados semanalmente — além da chamada “logística reversa”, ou devoluções de clientes. E o setor ainda tem muito a crescer: o banco BNP Paribas estima que o mercado de logística contratual nos EUA está apenas 20% desenvolvido; o mais maduro é o do Reino Unido, com apenas 60%.
Diferenciada
A Amazon, maior varejista online do mundo, ainda faz grande parte de sua própria logística, mas vem terceirizando aos poucos — e Hémar foi o escolhido para iniciar esse processo nos EUA. A ID e a Amazon começaram a trabalhar juntas na França em 2017, abriram um centro na Alemanha no ano seguinte e agora atuam em seis países — incluindo três centros logísticos nos Estados Unidos, segundo o BNP. A varejista confia a Hémar tarefas complexas: gerenciar produtos raros, perigosos, pesados, volumosos ou que não podem ser classificados automaticamente, exigindo até empilhadeiras para movimentação.
Empresas de logística que conquistam clientes gigantes desde cedo continuam colhendo frutos, já que trocar de fornecedor pode ser arriscado demais e causar rupturas na cadeia. “O setor de logística contratual é semelhante a um casamento”, diz Hémar. “Quando o cliente decide trabalhar com você, pensa que provavelmente vai continuar por muito, muito tempo.” Mais de 90% dos clientes da ID renovam seus contratos.
Escolher uma “parceira logística” é complicado porque, segundo o próprio Hémar. A maioria das empresas do setor é bem parecida. Ele admite que ID, GXO e DHL, por exemplo, têm basicamente os mesmos preços, tecnologias e estratégias de captação de clientes.
Então, como a ID se diferencia? “Talvez a gente tenha entendido um pouco melhor que o verdadeiro diferencial de uma empresa como a ID Logistics é o serviço, não os ativos”, afirma Hémar. A empresa não possui os galpões (ela aluga), nem os robôs usados nas linhas de embalagem (contrata a fabricação, geralmente com exclusividade de seis meses antes que o fornecedor possa vender para outros). Isso permite adaptar os centros logísticos às necessidades dos clientes — e, mais importante, mudar rapidamente conforme essas necessidades evoluem. “A gente foca bastante em inovação”, diz Hémar. “Propomos uma solução hoje, mas ela provavelmente será diferente em três anos.”
“Isso foi o principal diferencial para mim”, conta Grégoire Hirtz, vice-presidente de operações da ManoMano, marketplace europeu de casa e jardim. Em 2021, a ManoMano estava insatisfeita com sua empresa de logística e decidiu, em um movimento raro, romper a parceria. Começou então a conversar com Hémar e outros fornecedores. Hirtz lembra: “A ID me convenceu porque disseram: ‘você tem uma visão de onde quer chegar e essa visão vai evoluir. O que propomos é definir um modelo no qual construiremos juntos.’ Não queríamos o modelo comum, em que logística vira uma commodity — você compra, recebe, e pronto.”
Hirtz fechou com a ID e iniciou a parceria com uma missão particularmente difícil: a ID tinha apenas três meses para montar um novo galpão e sistema de embalagem do zero. Além disso, precisava transferri todos os produtos antes da Black Friday, a principal data do varejo. Hémar conseguiu cumprir e Hirtz ficou tão impressionado que estendeu o contrato de três para cinco anos. Hoje, a ID cuida de cerca de 30% da logística da ManoMano, dobrou o tamanho do galpão e multiplicou por seis o volume de mercadorias processadas. O vice-presidente da ManoMano diz que Hémar se reúne com ele duas vezes por ano, mesmo sendo um cliente relativamente pequeno.
Na verdade, Hémar visita clientes toda semana. Falou com a Forbes por vídeo chamada direto de Paris, poucos dias depois de se encontrar com a Amazon em Luxemburgo. Na semana anterior, esteve na Espanha com o grupo de moda Inditex (dono da Zara e outras marcas), para quem a ID cuida de pedidos, devoluções e consertos. Ele tenta visitar todos os países onde a ID opera pelo menos uma vez por ano, viajando muitas vezes aos fins de semana. Passa ao menos dois dias por semana em Paris, onde mora, e dois em Orgon, a pequena cidade no sul da França onde fica a sede da ID.
Quem é Eric Hémar
Hémar nasceu em Paris, mas sua família é da Bretanha, região no noroeste da França, conhecida por pessoas teimosas, segundo ele. Teve uma trajetória clássica de ascensão: notas altas o levaram à ENA, a prestigiada escola de administração pública da França, de onde saíram 13 presidentes e primeiros-ministros. A instituição foi criticada por alimentar o elitismo no governo e foi fechada em 2021 por Emmanuel Macron — um ex-aluno da ENA.
“Ele é o arquétipo do CEO de uma empresa do SBF 120”, diz Delmas, referindo-se ao índice das ações mais negociadas na bolsa de Paris. “No entanto, não é alguém preso a velhas fórmulas. Tem CEOs com o mesmo histórico que ele, mas que não conseguem evoluir. Ele é diferente.”
Parte disso vem de lições aprendidas ainda na infância. Seu pai, executivo da Suez, desabafava em casa sobre estar sempre à mercê dos acionistas e sonhava em poder tomar decisões como dono. Nos anos 1990, já como chefe da ISM (subsidiária da Suez), viu a empresa ser reorganizada e vários ativos vendidos, até se aposentar precocemente. Hémar observava tudo e pensava: “quero ser meu próprio chefe”.
“Sempre disse que, se pudesse criar minha própria empresa, eu criaria”, afirma Hémar. “E tive sorte, porque na logística isso é possível. O investimento inicial não é tão alto e você pode crescer aos poucos”, conclui o CEO da ID.
Depois de se formar pela ENA, Hémar trabalhou quatro anos no tribunal de contas francês, passou pelo ministério dos transportes — onde desenvolveu interesse pela área — e depois foi para uma subsidiária da estatal ferroviária SNCF. Em 1995, a empresa criou a Geodis e tentou recrutá-lo para uma nova unidade de logística. Seu chefe foi direto: ninguém queria o cargo. “Ninguém se interessava por logística”, lembra. “Era vista apenas como uma forma de agregar volume ao transporte.” Mas ele topou o desafio.
Os cinco anos que passou na Geodis, quatro deles como vice-diretor, serviram de formação no setor. Só que a empresa passava por dificuldades e, com a chegada de nova liderança em 2001, ele decidiu realizar seu sonho de empreender. Viu uma oportunidade ao assumir um pequeno negócio de logística perto de Avignon, que atendia ao Carrefour. Assim, fundou a ID Logistics com um investimento inicial de US$ 1,2 milhão (R$ 6,9 milhões): um terço do próprio bolso, outro do pai e o restante do sogro. Reembolsei os dois depois”, garante.
É incomum uma empresa multinacional não ter sede em Paris, mas ele permaneceu na região onde começou — um “ótimo lugar para atrair e manter talentos”, diz — e ainda trabalha com o Carrefour. “É isolado”, observa Hirtz, fazendo uma comparação: “em vez de estar em Nova York, é como se você estivesse em algum lugar do Alabama.”
“Ele teve uma visão”, diz Florent Thy-Tine, analista da TP ICAP. “Na época, o índice de terceirização era bem baixo. Ele percebeu que a logística contratual ia crescer.” Hémar notou que varejistas franceses estavam exportando cada vez mais para os então chamados “mercados emergentes”, como América do Sul e Ásia, mas sem sistemas logísticos eficazes nesses locais. “Ninguém queria se aventurar nesses países”, lembra.
Ampliação e tecnologia
A ID Logistics abriu sua primeira subsidiária em Taiwan no início de 2002, seguindo a expansão do Carrefour naquele país. Em 2012, a empresa já operava em uma dúzia de países — sempre entrando de forma criteriosa, quase sempre a pedido de clientes já existentes que estavam ampliando sua atuação global — e decidiu começar a fazer aquisições mais relevantes. Naquele ano, abriu 25% de seu capital em uma oferta pública inicial (IPO) que levantou cerca de US$ 35 milhões (R$ 201,2 milhões). Em 2013, Hémar deu continuidade ao plano comprando a CEPL, concorrente francesa especializada em atendimento de pedidos no varejo. Mais recentemente, ele adquiriu a Kane Logistics, com sede em Atlanta (2022), e a Spedimex, baseada em Stryków, na Polônia (2023).
Apesar das tensões geopolíticas, a expansão na América do Norte é hoje uma das prioridades de Hémar. Ele afirma que a ID acaba de iniciar operações no Canadá, embora ainda não possa divulgar com qual cliente, e também está de olho no México. A empresa continua vendo grande potencial nos Estados Unidos, onde sua receita cresceu mais de 40% no ano passado e sua participação de mercado ainda é inferior a 2%.
Crescer nesse mercado em plena expansão é essencial para que a ID mantenha sua meta de dobrar a receita a cada cinco anos — um objetivo que Hémar afirma continuar perseguindo. Felizmente, ampliar o portfólio da empresa é uma das partes que ele mais gosta no trabalho: “Quando ganhamos um novo cliente, isso significa que conseguimos convencê-lo de que somos bons”, diz. “É uma verdadeira satisfação.”
Em termos de tecnologia, o executivo afirma que o foco no momento é a inteligência artificial, embora ele não acredite que a tecnologia vá revolucionar o setor. A ID está testando soluções de IA que criam um “gêmeo digital” de um centro de distribuição, simulando em tempo real o fluxo de mercadorias. O modelo envia alertas imediatamente quando detecta problemas e analisa formas de otimizar a eficiência. Por enquanto, apenas alguns centros da ID particularmente complexos utilizam esse recurso.
De modo geral, Hémar acredita que o impacto maior virá do aumento da automação, com maior uso de robôs para empacotamento e armazenagem. Ele não acredita que existirá um dia um armazém totalmente operado por robôs —cerca de 60% dos processos ainda são muito difíceis de automatizar, segundo ele. Mesmo assim, o CEO não está preocupado com perda de empregos, já que o setor de logística há muito enfrenta escassez de mão de obra.