A cidade de Rio Negro, no Mato Grosso do Sul, lar de cerca de 5.000 habitantes, foi o palco central da trajetória da empreendedora Zanir Furtado. A falta de empregos e oportunidades na região, grande responsável pelo atraso de seus sonhos na juventude, transformou-se em motivação para criar uma nova realidade para os moradores do pequeno município. Após anos fora do estado, lutando por uma vida melhor, Zanir voltou à sua terra natal com uma ideia fixa em mente: abrir seu próprio negócio.
Mas não podia ser qualquer negócio. Zanir queria um projeto tipicamente mato-grossense, que explorasse as riquezas da sua terra. “Eu sempre enxerguei o potencial da região. Temos pontos turísticos lindos, as melhores argilas e um couro pantaneiro que é utilizado por marcas da alta costura mundial”, conta a empreendedora. “E nada disso é explorado por nós.” Com essa ideia na cabeça e cerca de R$ 1 milhão no bolso – dinheiro que economizou enquanto comandava um negócio no setor de engenharia ao lado do marido, em Brasília (DF) -, decidiu abrir a primeira fábrica de bolsas de luxo da região, utilizando o couro do gado pantaneiro.
“Temos uma das melhores matérias-primas do mundo, mas que não gera valor para o estado, nem para o país”, explica. “O couro pantaneiro sai do Brasil como uma commodity para virar objeto de luxo nas mãos das grandes marcas internacionais. Os melhores cortes chegam no exterior, o que sobra fica em nosso país. É um balde de água fria saber disso.” Depois dessa descoberta, não restou nada a Zanir além de motivação extra para fazer o material começar a gerar valor para seu próprio estado – e, principalmente, para o município de Rio Negro.
Para a empreendedora, que viveu as dificuldades sociais do local na pele, essa mobilização era mais do que urgente. “A cidade tem muitos casos de gravidez na adolescência, vício em bebidas e até prostituição. Eu engravidei aos 15 anos, mas consegui superar essa realidade e traçar uma carreira bem-sucedida. Mas esse não é o caso da maioria”, revela. “Para mudar de vida, a única opção é sair daqui para estudar em outro município ou estado.”
Já o investimento em novos negócios gera empregos que podem impactar perspectivas de vida. E foi assim que seu negócio, o Bolsas Zanir Furtado, tornou-se muito mais do que um case de empreendedorismo. Ao longo de 2020, em meio à pandemia, Zanir buscou maneiras de viabilizar sua ideia. A empresa foi aberta, oficialmente, em dezembro. Inicialmente, a fábrica ainda produz as bolsas com couros comprados no sul do país, já que, para a utilização do couro pantaneiro, ela aguarda as autorizações governamentais necessárias. “Acredito que em, no máximo, seis meses, vamos estar vendendo nossos produtos com o couro do nosso próprio estado.”
O processo para chegar nesse ponto do negócio, no entanto, não foi simples. “Nós estamos implementando a primeira acabadora de couro do Mato Grosso do Sul, então decidimos criar a fábrica, antes mesmo da certificação para uso do couro pantaneiro, para mostrar ao setor que estamos na ativa”, conta ela. “O couro que estamos utilizando é o mesmo das melhores marcas nacionais. Mas, ainda assim, queremos explorar a matéria-prima do gado pantaneiro, que é orgânico e tem mais qualidade.” No momento, as bolsas de Zanir custam cerca de R$ 2 mil, um valor que pode atingir patamares muito maiores com o couro premium da região.
“O gado orgânico é criado solto, com uma ótima qualidade de vida. Por isso, sua carne e seu couro são tão requisitados”, explica. “Daqui seis meses, parte deste material estará gerando renda e emprego para jovens do Pantanal.” Hoje, ela já conta com 15 colaboradores trabalhando na produção das bolsas. Em três anos, pretende comandar uma equipe de 150 pessoas. Com programas de qualificação de mão de obra e oficinas de artesanato em couro, Zanir tenta oferecer a oportunidade que não teve na juventude, quando sonhava em ser estilista.
REALIZAÇÃO POR LINHAS TORTAS
Aos 12 anos, Zanir e sua irmã mais nova tiveram que assumir o cuidado dos irmãos menores e as tarefas domésticas. Com a morte do marido, sua mãe precisou começar a trabalhar para pagar as contas e não restavam muitas opções além de dividir as responsabilidades de casa. Mesmo assim, a primogênita da família era sonhadora e, entre os afazeres do dia, arrumava um tempo para rabiscar as roupas que sonhava em ter um dia. Em Rio Negro, ela sabia que seria difícil alcançar o que desejava, por isso decidiu sair da cidade, pela primeira vez, aos 13 anos.
“Meus avós viviam em Ilha Solteira (SP). Lá tinha curso de estilismo, então meu plano era arrumar um emprego na cidade para estudar o que eu tanto sonhava”, relembra. Com a expectativa de que tudo daria certo, a ponto de poder, inclusive, ajudar a família, a então adolescente partiu em direção ao interior paulista para trabalhar como empregada doméstica em duas casas das redondezas. A nova rotina, no entanto, durou pouco. Quando sua mãe precisou fazer uma cirurgia de emergência, ela teve que voltar a Rio Negro para assumir a casa mais uma vez.
A partir de então, a moda saiu de sua vida. Aos 15 anos, como tantos jovens da região, Zanir engravidou, o que fez com que tudo mudasse completamente. Com força extra para fazer dar certo, esqueceu o sonho de ser estilista e se dedicou a terminar o ensino médio – mais especificamente o magistério, que a capacitou para dar aulas. “Eu gostava de ensinar, era apaixonada, então meu sonho de infância foi engavetado. Era a vida me preparando para o que eu estou vivendo hoje”, brinca ela.
Naquele período, Zanir ajudou a criar o Conselho Municipal de Cultura de Rio Negro, fez trabalho voluntário na companhia de artes cênicas da cidade e trabalhou com mentoria de artes plásticas para jovens. Era sua forma de ajudar a desenvolver a capacitação do município. “O pouco que eu sabia, queria ensinar”, destaca. No entanto, um dia sua vida virou de ponta cabeça – mais uma vez. Afastada da sala de aula por problemas de saúde e divorciada do primeiro marido, conheceu seu companheiro atual, um engenheiro de Brasília. “Ficamos um ano namorando na ponte aérea. Todo mês um dos dois viajava”, conta.
Com três filhas criadas, Zanir não tinha mais nada que a segurasse em Rio Negro, além do apego pelo local. Após muitas idas e vindas, decidiu começar do zero, desta vez na capital federal. Com o atual marido, estreou no empreendedorismo, à frente da Elebrar Engenharia. Foi nesse meio tempo, quando a vida começou a abrir espaço para novos e antigos desejos, que ela voltou a pensar em moda e a desenvolver o novo negócio.
No ano passado, enquanto lutava para viabilizar a empresa, fez seu primeiro curso de estilismo na EMP (Escola de Moda Profissional de São Paulo), para aprender a desenhar bolsas. “Antes, eu rabiscava roupas. Desenhar bolsas que realmente serão vendidas é uma realidade completamente diferente”, diz, com bom humor. Após um ano de estudos e burocracias, diversas bolsas desenhadas por Zanir já foram vendidas no e-commerce da marca desde a inauguração.
Em abril, a empresa lançou uma campanha de sustentabilidade ambiental na qual cada unidade vendida resulta na plantação de uma muda de árvore nativa no Pantanal. No ato simbólico de lançamento, foram plantadas 60 mudas nas margens do Rio Negro. “Eu não sabia onde plantar. Foi o prefeito da cidade que me contou sobre o viveiro municipal de São Gabriel do Oeste, um município vizinho que detém o maior viveiro do estado, apenas de mudas nativas”, conta Zanir.
Aos 44 anos, a empreendedora ainda se surpreende com as voltas que sua vida deu. Poder impactar a sustentabilidade social da região através da geração de empregos e capacitação é mais do que ela poderia sonhar. De certa forma, as árvores plantadas às margens do Rio Negro representam a maior motivação de seu negócio: a troca de riquezas entre seu povo e sua terra mato-grossensse. “Estou encantada”, finaliza.
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