Em 1983, a farmacêutica Maria da Penha ficou paraplégica após levar um tiro de espingarda do marido. Embora tenha estampado algumas manchetes dos jornais do Ceará, o violento caso não teve projeção nacional o bastante para que o criminoso fosse punido – ou, ao menos, para que Maria pudesse voltar a viver em segurança. Ainda debilitada e lidando com as sequelas físicas e psicológicas do crime, ela sofreu uma nova tentativa de assassinato ao chegar em casa. Desta vez, o marido tentou eletrocutá-la.
Quando criou coragem para denunciar o agressor, as provas dos crimes não pareciam ser o bastante para a justiça brasileira. Em 1994, ela escreveu um livro sobre as violências que sofria junto de suas três filhas dentro de casa e acionou órgãos internacionais de direitos humanos. A justiça foi feita apenas em 2002, quando o Estado foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
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Mais do que conseguir algum tipo de reparação para si mesma, Maria da Penha foi a grande responsável por transformar as iniciativas de proteção às mulheres em todo o país. Foi por conta de sua luta que, no dia 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Desde então, o número de denúncias e de casos solucionados aumentou muito. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer no combate ao feminicídio.
Nos últimos 12 meses, mesmo após 14 anos da Lei Maria da Penha, o Brasil registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulher, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. De acordo com a legislação, estão incluídas nesse contexto ações ou omissões que causem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de danos morais e patrimoniais. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no entanto, aponta que esse número pode estar subnotificado devido à pandemia.
É indiscutível que iniciativas adicionais precisam ser colocadas em prática com urgência para mudar esse cenário, seja em âmbito público ou privado. Do ponto de vista público, está em tramitação desde março na Câmara dos Deputados o projeto de lei 3974/20, que considera incentivo fiscal para as empresas que oferecerem apoio à luta de enfrentamento à violência doméstica. A ideia é que as companhias ganhem um selo de parceiras ao estimular a inclusão produtiva das vítimas.
Mas, mesmo antes da aprovação do projeto, algumas companhias já estão investindo em iniciativas e ações proprietárias em defesa de suas colaboradoras ou clientes. “O setor privado precisa se enxergar como parte do todo no enfrentamento à violência contra as mulheres”, diz Regina Célia Barbosa, gerente de causas do Instituto Avon, braço social da gigante de cosméticos. “Um posicionamento efetivo de enfrentamento à violência contra mulheres e meninas entende o contexto social no qual a empresa está inserida.”
No caso do cenário social brasileiro, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon, uma a cada cinco faltas de mulheres ao trabalho está relacionada a agressões no ambiente doméstico. Como se não fosse o bastante, segundo dados do LinkedIn em parceria com a organização Think Eva, 47% das mulheres já sofreram assédio sexual no trabalho. No entanto, apenas 5% delas recorreram à área de recursos humanos da empresa, principalmente por barreiras como impunidade (78%), descaso (64%) e medo da demissão (60%).
Quando a pandemia começou, o panorama, que já era ruim, ficou pior. Com maior permanência em casa por conta do isolamento social, a violência doméstica cresceu. O Brasil registrou 648 casos de feminicídio no primeiro semestre de 2020, 1,9% a mais do que no mesmo período de 2019, segundo o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “Algumas dessas mulheres deixaram o trabalho por conta dessa situação e tiveram suas carreiras afetadas. Outras, embora não tenham abandonado suas funções, viram suas performances serem impactadas”, explica Ana Menegotto, diretora de recursos humanos da Sodexo On-Site Brasil. Episódios como esses demonstram o quão urgente é a participação efetiva do setor corporativo na proteção das mulheres.
Pensando nisso, a Forbes selecionou seis empresas que conduzem iniciativas internas e externas de combate à violência contra a mulher. Confira, na galeria de imagens abaixo, quais são elas:
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Bulatovic/Getty Images Marisa
A varejista conta com um canal de acolhimento exclusivo para colaboradoras, o #MarisaAcolhe. Criada em março de 2019, a ferramenta auxilia mulheres que estejam passando por situações de violência doméstica e familiar a pedir orientação ou ajuda de forma segura e sigilosa. Por meio da iniciativa, elas têm acesso a suporte jurídico, caso optem por denunciar o agressor; acompanhamento psicológico para lidar com situação; possibilidade de transferência de local de trabalho e, em casos mais graves, apoio de agentes de segurança para escolta até uma delegacia.
Além disso, no último Dia Internacional da Mulher, a companhia destinou parte das vendas das lojas físicas e do e-commerce às instituições Maria da Penha e Protea, que apoiam mulheres vítimas de violência doméstica e com câncer de mama. “A Marisa está há mais de 70 anos presente na vida do público feminino, acompanhando de perto a transformação da mulher na sociedade. É parte do nosso trabalho contribuir direta e indiretamente para a erradicação de males como a violência doméstica”, afirma Marcelo Pimentel, diretor-presidente da empresa.
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Bulatovic/Getty Images Avon
Antes do surgimento da Lei Maria da Penha, ainda em 2003, a empresa de cosméticos fundou o Instituto Avon, uma organização não-governamental que se dedica a salvar vidas por meio de ações e iniciativas em prol do combate ao câncer de mama e do enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Desde então, a iniciativa busca maneiras de ajudar a causa de acordo com as necessidades mais urgentes do momento. Em 2020, com o aumento da violência doméstica durante a pandemia, o Instituto criou a ngela, um chatbot de atendimento ao público idealizado exclusivamente para atender vítimas de feminicídio.
Por meio de uma conversa no Whatsapp – no número +55 (11) 944942415, o que elimina a necessidade de usar a voz para pedir ajuda -, ngela atua na porta de entrada do acolhimento e apoio às vítimas. Após uma conversa inicial, em que a assistente virtual consegue entender qual o melhor direcionamento para o caso, a mulher atendida é orientada a acessar recursos concretos, como plataformas de apoio psicológico e jurídico, auxílios para transporte, suporte material para alimentação, abrigo temporário ou encaminhamento a um dos 5.000 serviços públicos de apoio à mulher em situação de violência.
Regina Célia Barbosa, gerente de causas do Instituto Avon, ressalta que, em 2019, foi lançada a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas, uma parceria do Instituto Avon com a Fundação Dom Cabral e a ONU Mulheres. A iniciativa nasceu focada no enfrentamento ao assédio sexual e moral no ambiente de trabalho, com suporte às mulheres em situação de violência de gênero nas corporações e em suas cadeias de valor. “Atualmente, já temos 133 empresas engajadas nessa causa e cerca de 2 milhões de colaboradoras impactadas pelo projeto”, revela Regina.
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Getty Images 15 anos da Lei Maria da Penha: o que 6 empresas estão fazendo no combate à violência contra as mulheres
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FatCamera/Getty Images Sodexo
A gestora de serviços de alimentação Sodexo conta com diferentes meios de enfrentamento à violência doméstica, incluindo um canal interno de denúncias – o Apoio Pass. Com ele, as colaboradoras, bem como outros membros de suas famílias, podem pedir por suporte jurídico, psicológico e financeiro em casos de abuso físico ou mental.
A companhia participa, ainda, de dois programas específicos de prevenção e apoio. O primeiro é o Tem Saída, criado pela Prefeitura de São Paulo (via Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo), Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, OAB-SP e ONU Mulheres em 2018. O objetivo da iniciativa é empoderar as vítimas por meio de autonomia financeira e empregabilidade. O segundo, Somos Todos Cuidadores, é uma ação da própria da Sodexo que profissionaliza gratuitamente mulheres que foram alvo de violência, bem como pessoas trans e refugiados.
Por último, a empresa também incluiu uma maneira lúdica de falar sobre a questão com seus 42 mil funcionários por meio do desenvolvimento do Game de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, um jogo desenvolvido em parceria com a Arbache Innovations, especialista em inteligência artificial. Nele, os usuários – homens e mulheres – são educados para identificar situações de risco e instruídos sobre a melhor maneira de ajudar as vítimas e denunciar o abusador.
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People Images/Getty Images Magazine Luiza
Dois anos depois de disponibilizar um botão de denúncias dentro do próprio aplicativo de vendas, o Magazine Luiza incrementou a solução por meio de uma parceria com o projeto Justiceiras, uma rede de combate à violência doméstica. Agora, clientes e colaboradoras que usarem o serviço serão encaminhadas para a equipe especializada e poderão contar com um atendimento multidisciplinar que inclui advogados, médicos, psicólogos e assistentes sociais. As vítimas também receberão orientação sobre como fazer um boletim de ocorrência e como pedir medidas protetivas.
Além disso, o Magalu possui, desde 2017, o Canal da Mulher, um serviço que oferece ajuda interna às colaboradoras que foram alvo de algum tipo de violência doméstica. Por meio dele, qualquer funcionário da companhia pode notificar a existência de mulheres em situação de risco. A partir dos registros, psicólogos da empresa entram em contato com a vítima para entender o contexto e oferecer a ajuda mais adequada para cada caso. De acordo com a gravidade da situação, as colaboradoras recebem assistência psicológica, orientação jurídica e auxílio financeiro.
Em agosto de 2020, a varejista também lançou um fundo de R$ 2,6 milhões para financiar entidades brasileiras que atuam no combate à violência contra a mulher. No total, uma lista de 20 entidades foram selecionadas para receber o aporte da empresa.
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Getty Images Atento
A multinacional de contact center Atento realizou uma parceria com o IMP (Instituto Maria da Penha) no último ano para promover a capacitação e a empregabilidade de mulheres acolhidas pelo projeto. Nela, oito voluntárias da empresa fizeram palestras sobre comunicação, informática e dress code. No fim, as participantes foram incentivadas a se inscreverem nos processos seletivos da companhia.
Internamente, o grupo conta com a Atento Social, um time de psicólogos e assistentes sociais que prestam apoio psicológico gratuito aos colaboradores da empresa, incluindo casos de violência doméstica. Assim como a Sodexo, a companhia também empodera as mulheres por meio do programa Tem Saída, além de ser signatária da Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres.
Marisa
A varejista conta com um canal de acolhimento exclusivo para colaboradoras, o #MarisaAcolhe. Criada em março de 2019, a ferramenta auxilia mulheres que estejam passando por situações de violência doméstica e familiar a pedir orientação ou ajuda de forma segura e sigilosa. Por meio da iniciativa, elas têm acesso a suporte jurídico, caso optem por denunciar o agressor; acompanhamento psicológico para lidar com situação; possibilidade de transferência de local de trabalho e, em casos mais graves, apoio de agentes de segurança para escolta até uma delegacia.
Além disso, no último Dia Internacional da Mulher, a companhia destinou parte das vendas das lojas físicas e do e-commerce às instituições Maria da Penha e Protea, que apoiam mulheres vítimas de violência doméstica e com câncer de mama. “A Marisa está há mais de 70 anos presente na vida do público feminino, acompanhando de perto a transformação da mulher na sociedade. É parte do nosso trabalho contribuir direta e indiretamente para a erradicação de males como a violência doméstica”, afirma Marcelo Pimentel, diretor-presidente da empresa.
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