Uma chef de cozinha brasileira que, vivendo na França, quis se aproximar do campo e da cultura brasileira. Uma matriarca de 100 anos que sustentou a família trabalhando como cabeleireira e brigou para que a filha pudesse estudar. Uma cientista de alimentos que se especializou na produção de destilados e presta consultoria na criação de blends para pequenas marcas de alta qualidade ou gigantes do setor. Essas são as três mulheres por trás da Alzira, cachaça premium que chegou ao mercado brasileiro em setembro e já está à venda nos principais e-commerces de destilados do país.
Difícil dizer quem começou essa história. Mas ela não teria sido escrita sem Célia Miranda Mattos ou, como ela é mais conhecida, Celinha. Originária da cidade de Barra Bonita, no interior de São Paulo, a graduanda de Letras deu um giro na vida profissional em 2005, junto com o marido, Gustavo Della Colletta Mattos, quando ambos resolveram ir a Paris estudar gastronomia na Le Cordon Bleu – uma das mais renomadas escolas do mundo -, assim transformando antes um hobby do casal em uma nova carreira.
Celinha, hoje com 46 anos, acabou se tornando a primeira mulher a integrar a Academia de Culinária da França, em mais de um século de história da instituição. Ela e o marido passaram por restaurantes como Apicius (com duas estrelas Michelin) e Maison Blanche e então resolveram ter um negócio próprio. Foi assim que o Chez Nous Chez Vous (Nossa Casa Sua Casa, em francês) surgiu em 2008 – um clube de jantares, dentro do apartamento do casal em Paris, que recebe grupos de até 10 pessoas para refeições privadas (e sempre com um menu surpresa).
Quase oito anos depois, o espírito empreendedor (desta vez junto com o desejo de se envolver com a produção no campo) bateu de novo à porta do casal, que então decidiu ter a própria destilaria. A decisão pela cachaça foi um tanto óbvia: os dois nutrem um carinho especial pela bebida, presente em suas memórias familiares. “A família inteira, de ambos os lados, tem um relacionamento histórico com a cachaça. Da parte da minha mãe, pai, tios, avós…era uma bebida mais fácil de achar no interior de São Paulo”, ela explica.
Mas dois personagens foram ainda mais essenciais: os avós de Gustavo. “O avô dele, Octaviano, era apaixonado por cachaça. Ele tinha até um barril em casa, em que fazia seu próprio blend e envelhecimento”, conta. Não é por menos que o negócio de Celinha e Gustavo leva o seu nome – Octaviano Della Colletta -, mas apenas essa homenagem ainda não era suficiente. Como tentativa de honrar ainda mais o avô falecido, o casal decidiu que a criação inaugural deveria unir à cachaça outro grande amor da vida de Octaviano: Dona Alzira.
Aos 100 anos, a matriarca da família italiana batiza e inspira o primeiro produto da recém-lançada destilaria. “A Alzira foi a primeira feminista que eu conheci”, brinca Celinha. Quem conviveu com ela costuma descrever a avó de Gustavo como uma mulher à frente de seu tempo, que ousava desafiar costumes.
No interior de São Paulo, no município com menos de 10 mil habitantes de Torrinha, Alzira trabalhava como cabeleireira, dirigia pelas estradas e saía para dançar tango. Brigou para que sua filha, a mãe de Gustavo, fosse para a escola. E, em uma época de aperto financeiro, chegou a sustentar a família toda com seus serviços de cortes de cabelo e perucas.
Hoje não tão lúcida, ela não tem plena ciência de que foi a musa inspiradora para a cachaça premium do neto, mas esteve presente no lançamento, em setembro – mês em que completou um século de vida -, e comemorou com a equipe da destilaria. “Ela não consegue fazer mais quase nada, mas tem uma força de vida impressionante”, diz Celinha. “Segue firme e forte perto dos filhos e netos. Mesmo que não lembre de mais ninguém, ela continua com os olhos brilhando, como se dissesse para nós ‘calma, eu ainda estou fazendo história’.”
O ALAMBIQUE E A CIENTISTA POR TRÁS DA CACHAÇA ALZIRA
Com uma inspiração tão sentimental para seus destilados, Célia e Gustavo buscaram uma qualidade à altura. Para isso, montaram um alambique do zero, em Torrinha, em um processo de mais de quatro anos. “Preferimos construir a nossa própria estrutura para conseguirmos exatamente o que queríamos, que era um alambique de três corpos (com um trio de caldeiras) – que pouca gente tem aqui em São Paulo. É algo diferenciado, que resulta em uma cachaça muito mais aromática”, explica Celinha.
O projeto também foi pensado para ser o mais sustentável possível. “Pense no nosso alambique como um porco, em que tudo é aproveitado, do focinho ao rabo”, diz. De acordo com Célia, com um canavial orgânico, sem defensivos agrícolas e químicos, pelo menos 97% do que não é usado da cana-de-açúcar (o bagaço, por exemplo) é revertido em fertilizantes, energia e até combustível para os veículos da destilaria.
Quanto ao blend de Alzira, pelo histórico gastronômico de seus fundadores, foi natural que eles buscassem um destilado com sabores e aromas marcantes, que harmonizassem bem com criações culinárias – especialmente no verão. Para chegar ao resultado, o casal contou com a ajuda da cientista de alimentos Aline Bortoletto, de 34 anos. Pós-doutora pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura da USP) e especializada na produção de bebidas alcoólicas pela Université de Bourgogne e AGROSUP Dijon, ambas na França, Aline tem 12 anos de experiência com pesquisa inovadora e consultoria na área.
À frente da Inovbev, sua empresa de ciência e tecnologia em bebidas, a especialista ministra cursos e supervisiona o desenvolvimento de um perfil sensorial para destilados – de marcas independentes, especialmente as premium como a Alzira, até linhas especial de grandes corporações, a exemplo da Cachaça 51. Na destilaria de Célia e Gustavo, Aline atua na posição de master blender, cargo responsável por criar e definir o conceito de novos produtos, com decisões que vão desde o tipo de madeiras usadas até as tostas do barril, o tempo de envelhecimento e a concentração alcoólica da bebida.
Para a Alzira, duas madeiras bem brasileiras foram eleitas as protagonistas: a amburana e o jequitibá – o equilíbrio entre um perfil mais forte e adocicado com outro mais suave. “A figura do master blender guarda segredos da formulação”, explica a pesquisadora. “Ele sabe as porcentagens de tudo, as misturas, as madeiras escolhidas. E são escolhas que trazem uma complexidade para a bebida, com novos aromas, cheiros e até cores. A ideia é que o consumidor beba e perceba que nunca provou nada parecido.”