Todos os anos, a Forbes destaca o protagonismo feminino em uma lista de mulheres que brilham em suas áreas: das finanças às artes, da ciência à moda. Mais do que líderes em seus segmentos, são exemplos que ajudam a transformar seus ambientes profissionais e a sociedade como um todo.
Para chegar à seleção final de homenageadas, buscamos mulheres que não só construíram trajetórias de sucesso, mas que tiveram atuações marcantes em um período recente. Assim, em tempos de pandemia, três pesquisadoras figuram entre os 20 nomes. Também se sobressaem mulheres com relevância no meio digital, com influência associada diretamente a suas figuras ou a seus negócios. Saiba mais sobre elas na edição 94 da revista Forbes, já disponível na App Store e no Google Play. A reportagem é de Fefa Costa, Giovanna Simonetti, Juliana Bianchi, Kátia Lessa, Paola Carvalho e Tânia Nogueira, com edição de José Vicente Bernardo e Mariana Weber.
Confira a seguir a lista completa:
ANAVITÓRIA
O projeto que une a morena goiana Ana Caetano e a loira tocantinense Vitória Falcão ecoa o verbo de uma nova geração. O encontro, como as duas brincam, foi um casamento arranjado. Estudaram na mesma escola, em Araguaína, Tocantins, mas não eram amigas. Foram reunidas anos depois por conhecidos em comum quando
já estudavam medicina e direito em outras cidades, mas se encontravam para cantar quando voltavam para casa. “Nosso assunto sempre foi a música. Foi ela que nos uniu”, lembram. Um vídeo das duas cantando em meio à natureza acabou no You Tube, e elas caíram nas graças de uma turma da mesma faixa etária, à época com
menos de 20 anos. Olhos e ouvidos clínicos do empresário Felipe Simas sacaram logo que o encontro tinha algo de especial. Fez um convite para que elas tentassem a carreira em São Paulo, desafinou os planos universitários e deu outro tom para uma parceria que viraria uma amizade simbiótica – e que renderia um disco de platina já no primeiro trabalho.
Hoje elas acumulam quatro álbuns, um longa-metragem, um documentário, prêmios no Grammy Latino de Melhor Canção em Língua Portuguesa em 2017 com “Trevo”, Melhor Álbum em 2019 com “O Tempo É Agora” e Melhor Álbum e Melhor Música em 2021 com “Cor” e “Lisboa”, respectivamente.
O duo já gravou com Nando Reis, teve participação de Rita Lee no último disco e anda com “os canais abertos” com Caetano Veloso. O sucesso aconteceu tão rápido que só uma força como a da pandemia conseguiu segurar a carreira da dupla. “Essa pausa foi importante para a gente assimilar tudo o que aconteceu na nossa vida, porque desde 2015 a gente não tinha parado. Era turnê atrás de turnê, um disco atrás do outro, gravação de filme, Grammy, programa de TV, aprender a dar entrevista, a fazer show, tudo isso. Agora eu quero estar nas coisas com muito mais presença”, conta Ana, que também compõe a maioria das músicas da dupla. Isoladas em uma casa no interior do Rio de Janeiro, elas tiveram a chance e o tempo necessário para dar esse mergulho. O álbum “Cor” (2021) foi construído em um estúdio caseiro – e também pontua a estreia de Ana Caetano na produção. O resultado foi o já citado Grammy Latino.
Sem rótulos, como essa geração pede, as duas contam que gostam de flertar com a ideia de serem cancioneiras. “Gostamos de fazer música que trabalha a emoção, o amor e a verdade. Adoraria que um dia meus filhos soubessem que fizemos nosso trabalho em cima disso. E que nos respeitamos durante a caminhada”, diz Vitória.
ANA ISABEL DE CARVALHO PINTO
Quando ainda cursava a faculdade de administração de empresas na ESPM, Ana Isabel de Carvalho Pinto vendia cintos estilosos às amigas universitárias para fazer um dinheiro extra. Foi tão bem na iniciativa que acabou sendo contratada pela fabricante. O olho clínico para os negócios de moda já dava os sinais de um talento que ela usaria
por toda a sua trajetória: “Eu sempre soube identificar a necessidade do cliente a ponto de entregar produtos que nem ele sabia que queria”, diz ela.
Há 21 anos no mercado de varejo e moda de luxo, Ana passou da experiência conturbada em uma confecção própria para um negócio que revolucionaria o mercado de moda nacional. Ela é a idealizadora e cofundadora do Shop2gether e hoje atua como mentora estratégica e curadora de moda do ICOMM Group, que engloba os e-commerces Shop2gether, OQVestir e (2)Collab.
Em 2010, o marido de Ana investiu em uma empresa que começou a atender lojas como Americanas e Submarino. Ele tinha um fundo de investimento e recebeu a proposta de um site de e-commerce de moda que era um clube de compras. Imaginou que o negócio tinha futuro, mas, como não entendia de moda, achou que ela seria a pessoa ideal para gerenciar o negócio. A experiência foi uma incubadora do que ela viria a construir do zero depois. A ideia era criar um shopping digital. “As marcas não estavam digitalizadas, nem mesmo as de luxo.”
Ana criou a primeira loja online de grifes como Cris Barros, Adriana Degreas e Água de Coco. “Todas as marcas que não tinham capital nem estratégia destinadas ao digital entraram no mercado via Shop2gether.”Com a pandemia, o hábito da compra online entrou de vez na vida do brasileiro. O grupo fechou 2021 com uma receita bruta de R$ 300 milhões e crescimento na casa dos 30%. “Só não crescemos mais porque tivemos problemas de estoque e insumos: as tecelagens pararam e faltou matéria-prima.”
Quando pensa no diferencial e no futuro da moda brasileira, Ana destaca, além da criatividade, nossa herança cultural. “Temos a maior floresta do mundo, o saber indígena, a latinidade. Isso é muito poderoso quando consegue ser profissionalizado.”
Há quatro anos, ela aposta no projeto Novos Designers, que identifica talentos. Em março de 2020, criou o (2)Collab, o primeiro marketplace de designers independentes da moda brasileira. “Quero continuar com um pensamento colaborativo que une o pequeno e o grande. Temos uma responsabilidade na sociedade. O sucesso vem quando compartilhamos nossas forças. Ele não existe sem a generosidade.”
ANA KARINA BORTONI DIAS
Ela é a primeira e única mulher presidente de um banco brasileiro de capital aberto no Brasil, o Bmg, fundado há 91 anos. À frente do processo de modernização na empresa, que coincide com a revolução pela qual atravessa o sistema financeiro brasileiro e a sociedade, está Ana Karina Bortoni Dias, 50 anos. Sua missão é evoluir o Bmg, conhecido especialmente pelo pioneirismo em oferta de crédito consignado, para um banco completo para brasileiros e micro e pequenas empresas – ou um banco fígital (físico e digital), ou ainda uma fintech de 91 anos, como gosta de frisar.
Bacharel em ciências químicas, com mestrado na mesma área pela UnB, a CEO do Bmg partiu da carreira acadêmica para o setor financeiro quando, em 2000, foi chamada para atuar na consultoria McKinsey & Company, onde ficou por quase 20 anos, nove deles como sócia. O Bmg chegou a ser seu cliente nesse período. “Eu poderia me aposentar na McKinsey, mas, aos 47 anos, me despertou uma vontade de fazer algo diferente. Cheguei a pensar em um sabático. Enquanto amadurecia a ideia, fui convidada pelos acionistas do Bmg para ser presidente do conselho. E aceitei”, conta Ana Karina. Oito meses depois, um novo convite, dessa vez do próprio conselho: ser a CEO, com o desafio de liderar a transformação do banco. “Tendo o Bmg como cliente e sendo do conselho, ganhei a habilidade de enxergar uma big picture, ter uma visão mais sistêmica, transitar nos dois universos”, afirma.
O embrião da Conta Digital Bmg foi plantado no terceiro trimestre de 2018, e no primeiro ano atingiu 1 milhão de usuários – hoje são mais de 6 milhões. Nos primeiros nove meses do ano (último resultado divulgado), o banco registrou lucro líquido de R$ 223 milhões. Para Ana Karina, a hiperdigitalização exigiu centralidade no cliente: “Precisamos estar à frente do tempo para visualizarmos novas soluções”.
Ela poderia colher todos os insights inovadores no trabalho, mas a inspiração vai além. Ana Karina considera a sua família – o marido, a filha (24 anos), duas enteadas (20 e 14 anos) e um sobrinho (28 anos) – uma fonte de aprendizado. Com orgulho, cita a influência de sua mãe, que ficou viúva muito jovem e foi à luta: Stella Maris Bortoni tornou-se uma reconhecida linguista, que fundou uma universidade em Rio Verde, interior de Goiás. É a cidade onde Ana Karina nasceu, mas que deixou quando se mudou para Brasília ainda criança. Não à toa, é uma defensora da igualdade de gênero na companhia e comemora o fato de o conselho ser formado por quatro homens e quatro mulheres. Para ela, a diversidade é o caminho para o empreendedorismo do futuro.
BIANCA ANDRADE
Como explicar o fenômeno Bianca Andrade – ou Boca Rosa, para quem a conhece das mídias sociais, por sempre usar um batom pink nos lábios? Criada no Complexo da Maré, no Rio, a influenciadora digital de maquiagem começou no YouTube em 2011, aos 16 anos, e hoje é uma mulher de negócios que movimenta milhões de reais na internet e tem 17 milhões de seguidores no Instagram. Seus números extrapolam as redes sociais: ao lançar sua própria linha de maquiagem, a Boca Rosa Beauty, ela faturou R$ 3,8 milhões apenas no primeiro mês, em 2018. Já em 2020, esse valor saltou para R$ 120 milhões. Agora, no começo do ano, Bianca se orgulha ao dizer que o lançamento da sua nova base bateu recordes: “Em um único dia, vendemos um volume quatro vezes maior do que a média de um mês inteiro”.
Além dos produtos de maquiagem, a carioca também tem uma linha de cuida dos de cabelos, a Boca Rosa Hair. Ambas as linhas estão nas vitrines de gigantes do varejo, como Sephora, Renner e Riachuelo – onde não é raro ver seus cosméticos entre os mais vendidos. Muitos desses resultados vêm de uma visão estratégica da empreendedora e de sua aposta no “buzz marketing” – com ações que geram barulho e captam a atenção nas mídias. “Saí de um modelo clássico de influenciadora, que é a cara de outras marcas, para ser a mente pensante de inovação do próprio negócio. Eu faço pesquisa de mercado, penso nos produtos, na identidade visual, nas campanhas…”, explica a empreendedora.
Um dos seus grandes exemplos de marketing ocorreu em 2020, quando a influenciadora furou a bolha da internet ao participar do reality show “Big Brother Brasil”. Conectando a televisão com as redes sociais, Bianca transformou o programa em uma vitrine para sua marca – não por acaso, foi o ano que a empresa mais faturou em sua história. “A estratégia do BBB foi o que me possibilitou não demitir nenhum funcionário durante a pandemia. Mantive todas as pessoas que trabalhavam comigo, direta ou indiretamente”, conta.
Hoje, aos 27 anos, ela acumula funções: influenciadora digital, empresária, diretora criativa, youtuber e mãe. Antenada às tendências do mercado, Bianca revela que entrará no metaverso em 2022, com um avatar de suas marcas e um curso virtual de marketing digital e empreendedorismo, o Boca Rosa Academy. “Minha missão de vida é fazer outras pessoas acreditarem em seus próprios negócios, especialmente as mulheres.”
FABIANA SAAD
Ela é especialista em conteúdos digitais com um olhar para a causa de gênero. “Meu objetivo é gerar oportunidades que transformem a vida das pessoas”, diz a fundadora do movimento “Mulheres Positivas” – além de apresentadora do programa de mesmo nome na Jovem Pan, autora de três livros e responsável pela curadoria da plataforma SOS Mulher, em parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.
Uma inspiração para Fabiana é o trabalho da Fundação Bill & Melinda Gates, que tem entre seus objetivos combater a fome no mundo. “Eles entenderam que gerar capacitação e renda para mulheres é uma alavanca para essa missão”, diz. Foi em 2016 que ela lançou o movimento “Mulheres Positivas”. Hoje ele é também um aplicativo que oferece vagas de emprego, cursos e e‐books voltados para o desenvolvimento profissional e pessoal do público feminino. Está presente no Brasil, no México, na Colômbia, na Itália e nos EUA, tem mais de 100 empresas parceiras e reúne profissionais que prestam serviços diversos, sem custos, a mulheres em situação de vulnerabilidade. “Nossa meta é impactar mais de 50 milhões de mulheres, e estamos crescendo para atingir esse número.”
Para a empresária, melhorar as condições para a mulher hoje é um jeito de investir na transformação das gerações futuras. “Se você a capacita, se dá dinheiro para que tenha cultura e conhecimento, ela investe nos filhos”, analisa Fabiana. As ações também se refletem na melhoria dos indicadores qualitativos de produção. “Quem está no campo produzindo alimentos no mundo são, na maioria, mulheres. Orientando e dando condições para se desenvolverem, podemos ter na mesa uma alimentação mais saudável, por exemplo.” Segundo ela, para sair do discurso e partir para a ação no empoderamento feminino, é preciso se ancorar em tecnologia e informação. “Só acredito em trabalhos baseados em dados.”
Para lançar o aplicativo SOS Mulher, foi preciso um ano de pesquisas até a criação de uma tecnologia segura e eficaz para a realização de denúncias de violência utilizando um “botão do pânico” – que, ao ser acionado, mobiliza autoridades para o socorro e o suporte à vítima. Em breve o app também terá um mapeamento de pontos com alta incidência de violência. “Conversei com delegadas, promotores de justiça e muitas vítimas de violência para propor algo que realmente faça a diferença.”
FIORELLA MATTHEIS
Cinco dias antes do início da pandemia, ela estava na sala de sua casa, cercada de bolsas de grife, dois novos parceiros de trabalho e um plano ambicioso na cabeça: fomentar a moda circular no Brasil. “A Gringa começou alguns dias antes de o mundo mudar. Sinto que ali também mudou a maneira de nos relacionarmos com as pessoas, com o planeta, com a forma como consumimos”, diz a atriz e empresária.
Aquelas ideias já rondavam a cabeça da carioca de 33 anos e foram o norte que a guiou na atual transição de carreira. Nascida em Petrópolis, Fiorella começou a trabalhar aos 14 anos como modelo depois de participar do concurso da agência Elite. Passou pela TV em programas como “Malhação” e “Video Show” e a novela “Fina Estampa”.
Com o boom das redes sociais, logo percebeu que a influência seria também uma grande fonte de negócios. Notou que seu alcance poderia ser usado para, mais do que vender produtos de outras marcas, construir algo com propósito. De volta de uma viagem internacional, ela passou a questionar por que acabava vendendo e comprando suas peças de grife usadas por lá e não aqui. Decidiu então desenhar o serviço do qual sentia falta no país. “Queria curadoria e a facilidade do concierge”, explica.
Criou então a Gringa, um recommerce de acessórios de luxo originais que busca conectar quem quer colocar peças à venda com quem deseja comprá-las por valores em média 30% menores do que nas lojas. Deu tão certo que ela computou 1.546.252 visitas no site no último ano – e faturou R$ 15 milhões. “Adoro pensar que sou uma marca que não produz nada e que ajuda a não gerar mais lixo no planeta, e que tenho uma loja que leva pessoas ao shopping não só para comprar, mas para vender”, reflete sobre a marca que já nasceu com selo do Programa Carbono Neutro Idesam (PCN) e do Eu Reciclo, de compensação ambiental das embalagens.
O crescimento da Gringa foi meteórico. Em dezembro de 2021, o negócio foi comprado pelo Enjoei por R$ 14,2 milhões em dinheiro por 95% da Gringa – os 5% restantes foram pagos com 200 mil ações do Enjoei. “Eles me deram total liberdade. Eu continuo à frente de tudo, só que agora com mais estrutura e tecnologia.”
Além de duas lojas no Rio de Janeiro, ela deve abrir um ponto em São Paulo ainda este ano. E não tem planos de voltar às telas tão cedo. “A vida me deu muitas oportunidades, e hoje me sinto responsável pela líder que eu sou. Quero ser uma mulher que faz um trabalho de impacto e que alavanca outras mulheres. Não tem nenhum outro lugar do mundo onde eu gostaria de estar além de onde eu estou agora.”
ISA DOMINGUES
Isa Domingues, arquiteta de 32 anos, é uma influenciadora de sucesso. Com o projeto “Provador Live”, ela conquistou 400 mil seguidoras em apenas quatro meses e postou vídeos que ultrapassaram 3 milhões de visualizações. “Eu viralizei mesmo”, comemora.
Nas transmissões para o Instagram, ela experimenta roupas de marcas parceiras e oferece descontos para o público. Parece simples, mas não é. Isa está entre as blogueiras de live commerce com maior taxa de conversão e menores taxas de devolução em suas indicações, números que a tornam atraente para grandes empresas de moda. “Estudo os dados no final das lives e acompanho a reação da audiência de acordo com os conteúdos. Nossa equipe estuda cada comentário, curtida e alcance”, destaca. Para atrair a audiência, a empreendedora investiu em informação, transparência e credibilidade. Para as quase 800 mil seguidoras nas redes sociais, ela explica como é composto o custo de uma peça, além de dar dicas para compras digitais. “Quando abrimos uma live, a pessoa olha comigo no provador todas as peças. A venda acaba sendo uma consequência”, explica.
Isa começou a usar as redes sociais como espaço para negócios quando atuava com arquitetura. “Fazia vídeos dos meus projetos para mostrar que tinha capacidade de entregar.” Com suas armas – celular e internet –, ela desejou conquistar novos territórios. E resolveu investir no sonho de trabalhar com moda. “Eu fazia lives sobre arquitetura e recebia comentários elogiando minhas roupas”, diverte-se.
O formato deu certo, mas era preciso criar uma empresa para que o sucesso nas redes fosse também sucesso financeiro, com uma receita recorrente. Hoje dezenas de profissionais fazem parte da equipe da influenciadora, entre produção, relacionamento e tecnologia. Ela faz do seu espaço digital um grande laboratório, que funciona como um termômetro para novos projetos. Com muita atenção aos dados, ela conhece bem o público-alvo e interage diretamente com ele. “Olhamos como as pessoas consomem moda no mercado digital – e me provoco o tempo todo para inovar.”
Tudo tem sido muito rápido: em cinco anos de carreira, Isa apostou em vídeos curtos, cursos online sobre moda e foi pioneira no live commerce no país. Agora seus planos estão voltados para a criação de uma marca própria. “Quero ir para o lado da tecnologia, um mercado diferente, com poucas influenciadoras mulheres.”
JAQUELINE GOES
Enquanto os rostos de praticamente toda a humanidade passaram a ficar escondidos atrás de máscaras no início da pandemia, o dela estampou jornais, sites de notícia e programas de TV. O motivo era nobre. Jaqueline Goes, biomédica e pesquisadora em nível de pós-doutorado do Instituto de Medicina Tropical da FMUSP e do Imperial College de Londres, coordenou a equipe que sequenciou em tempo recorde – 48 horas – o genoma do vírus causador da Covid-19 assim que o primeiro caso foi detectado no Brasil. “Fazer o sequenciamento é como ler os carimbos em um passaporte. É assim que identificamos os lugares por onde o vírus passou. Cada lugar deixa uma marca, e saber quais são elas é a principal ferramenta para combatê-lo com eficácia e mapear suas mutações”, simplifica, com modéstia.
Dias antes do feito, a baiana fazia compras em um mercado em Salvador com sua mãe durante uma semana de folga quando recebeu um telefonema da mestra e imunologista Ester Sabino perguntando quando ela voltaria ao trabalho. “Adiantei meu voo em três dias porque a doutora Ester foi categórica: o vírus já se espalhava pela Itália, e ela disse que era uma questão de horas até chegar ao Brasil”, lembra. Ela estava certa. Quando o primeiro caso foi detectado, o laboratório delas já estava equipado com reagentes, kits para diagnóstico, primers e – o mais importante – a experiência de Jaqueline em outras epidemias.
Mapear vírus já estava no foco do trabalho de Jaqueline. Antes da pandemia de Covid-19, a biomédica de 32 anos que hoje mora em Londres já tinha encarado a Zika, que assustou milhares de gestantes no Brasil. As pesquisas de que ela participou renderam artigos científicos de projeção mundial, e sua tese sobre identificação genética de organismos com maior potencial de causar epidemias no país foi vencedora do Prêmio Capes 2020.
Mesmo com prêmios, artigos, fotos e entrevistas, a “ficha só começou a cair” depois que ela foi escolhida para ser homenageada pela série Mulheres Inspiradoras da Mattel, fabricante das bonecas Barbie. “Foi só quando me vi ali que entendi que tinha me tornado a inspiração que eu mesma nunca tive. Na infância, eu achava que só homens podiam ser cientistas. Ser uma menina negra e de origem simples tornava tudo ainda mais distante”, diz. “Quando me ligaram com a proposta, pensei que aquilo não ia funcionar porque eu nunca me vi em uma Barbie. Levou um tempo até entender que agora ela é que teria que se parecer comigo.” E completa: “Quem sabe assim outras mulheres possam impactar a vida de tanta gente quando o próximo vírus chegar”.
JULIANA COELHO
Aos 12 anos, Juliana perdeu o pai. Entre as memórias mais presentes estão a de lavarem carros juntos na pequena locadora da família e as viagens a bordo de um Fiat Uno nos anos 1990. Nascida em Recife e moradora de Olinda, em Pernambuco, a irmã mais velha de três filhos também guarda na lembrança as recentes viagens para os EUA e Europa, onde já conheceu mais de 30 fábricas do grupo Stellantis – fusão, em janeiro de 2021, das marcas Fiat, Chrysler, Peugeot e Citroën. Ela, que ingressou no primeiro programa de trainee da unidade pernambucana, instalada em Goiana, em 2013, é hoje a nova chefe global de produção da Stellantis, que em seu primeiro ano liderou na região sul-americana, com 811,6 mil veículos vendidos, o equivalente a 22,9% de participação de mercado. “Sempre gostei de números. Escolhi a área de exatas e estudei engenharia química. Naquela época, trabalhar com petróleo era o mais promissor na região. Eu não contava que chegaria uma indústria automotiva por aqui, e foi justamente o meu primeiro emprego”, afirma Juliana.
Em razão de sua especialidade, ela foi direcionada para a área de pintura e, como parte do programa de trainee, viajou para a Itália, onde a supervisora Concetta Ragosta explicou-lhe todo o processo. De volta, Juliana passou pela área técnica, foi promovida a supervisora, depois a gerente de turno, até que assumiu a oficina de pintura, em 2016. No ano seguinte, assumiu a montagem. Com essa missão veio o desafio de gerenciar 2 mil pessoas e uma rede de fornecedores no momento em que a unidade expandia para o terceiro turno.
Sob sua gerência, Goiana atingiu a marca de mil carros produzidos por dia. Seus resultados a levaram para outras unidades do Brasil, onde conquistou, como diz, uma visão mais holística e estratégica. “Sempre quero entender mais, desaprender e aprender diferente, me sentir parte”, diz. Em Betim (MG), assumiu o cargo de engenheira-chefe da manufatura da Fiat Chrysler para a América Latina – a primeira mulher a assumir esse cargo na companhia.
Em junho de 2020, voltou à terra natal, dessa vez para dirigir não só a planta de Goiana, com 13,5 mil funcionários, como todo o polo, que conta ainda com 16 fornecedores integrados ao parque industrial. Garantiu a segurança dos colaboradores na pandemia e comemorou três lançamentos: Nova Toro, Novo Compass e Jeep Commander.
Com isso, a unidade registrou a maior produção em um único ano (253 mil unidades) e atingiu a marca de 1 milhão de carros produzidos, o que foi considerado pelo grupo uma grandiosidade. “Meu maior desafio é representar as pessoas que entraram na empresa comigo, há oito anos, os trabalhadores de Pernambuco… e as mulheres.”
KARINA SAADE
Em julho de 2021, Karina Saade, 41, tornou-se presidente da maior gestora de fundos do mundo, a BlackRock, comandada pelo CEO e chairman norte-americano Larry Fink. Isso no mesmo ano em que a empresa totalizou a administração de investimentos na casa dos US$ 10 trilhões globalmente, sendo US$ 60 bilhões apenas em empresas nacionais. “Meu papel é servir os investidores brasileiros, seja no mercado nacional, seja no internacional”, explica.
Filha de diplomatas capixabas, Karina habituou-se muito cedo a enfrentar mudanças constantes. Acabou se tornando uma especialista em adaptação, identificação de oportunidades e tradução do global para o local. Decidiu entrar no mercado financeiro “porque achava que era difícil”. Formada em economia pela Universidade de Stanford (2002) e com MBA em Harvard, ela passou os primeiros anos de carreira como analista na Goldman Sachs e, em 2007, juntou-se à BlackRock, em Nova York, no auge do mercado e no limiar da mais intensa crise financeira dos últimos anos. “Em 2010, com tudo estabilizado, fiquei sem desafios. O passo natural seria seguir carreira por lá, mas a empresa estava começando no Brasil e decidi que era hora de voltar.”
O plano de carreira acabou sendo traçado ao longo do processo de mudança. “Tudo o que você faz criando laços e humanizando situações uma hora dá certo. Claro que também tem um pouco de sorte e planejamento no caminho”, afirma. Confortável na posição de liderança mesmo em um setor ainda dominado por homens, ela acredita que gerir pessoas é sobretudo criar uma visão comum, onde empatia e diversidade são palavras-chave.
Desde o ano passado, Karina assegurou-se de que 50% das contratações da empresa, inclusive em posições sênior, contemplassem mulheres. “O maior desafio não é só criar diversidade, mas reduzir a evasão. É preciso criar planos de sucessão e usar nosso capital político para patrociná-las. Meu propósito mais amplo é dar acesso sem tirar os méritos da pessoa”, diz. Cerca de 40% do quadro da BlackRock Brasil já é composto por mulheres. Mas o equilíbrio ainda passa longe nas altas esferas. “Quero que isso mude num horizonte de três a cinco anos, até porque o perfil dos nossos clientes também está se alterando bastante. Hoje você vê muito mais mulheres investindo.”
Há cinco anos, Karina conheceu a maternidade. Casada e mãe de dois meninos (“meus verdadeiros chefes”), ela se considera uma líder melhor e menos controladora. “A definição de sucesso vem cada vez mais do sucesso deles e da minha equipe. Não é mais a minha contribuição que pesa.”
LISSA CARMONA
Considerada embaixadora do design de móveis brasileiros no mundo, Lissa costuma dizer que é uma pessoa de metas, que se impõe objetivos e os cumpre. Formada em administração de empresas pela FGV, quando entrou nesse mundo, a atual CEO da galeria Etel Design estabeleceu a meta de fazer o resgate da história do design moderno de móveis no Brasil. “Em 1998, tinha me demitido de um banco e estava planejando fazer um MBA no exterior quando minha mãe, a designer Etel Carmona, já então proprietária da Etel, me pediu para ajudá-la com uma exposição da Claudia Moreira Salles em Nova York. Foi um sucesso tão estrondoso que percebi que o Brasil tinha algo de especial. Comecei a estudar o design brasileiro e descobri a riqueza do período moderno, o trabalho de artistas como Joaquim Tenreiro, Oswaldo Bratke, Gregori Warchavchik, Lina Bo Bardi e Giuseppi Scapinelli, entre outros. No fim dos anos 1990, aquilo estava perdido. Decidi que iríamos resgatar e mostrar ao mundo.”
Ficou sócia da mãe, assumiu a administração do negócio e dedicou-se à reedição de peças de designers importantes do século 20. Trabalhou junto às famílias e aos institutos dedicados aos artistas já mortos, usou projetos originais, pesquisou técnicas e materiais. Passou a lançar coleções de peças numeradas que não são réplicas, mas sim originais produzidos hoje.
“A ideia não era só produzir uma cadeira da Branco & Preto para vender”, diz. “Era contar que a Branco & Preto foi uma loja criada por arquitetos paulistas que se propunham a fazer peças de desenho moderno, com matéria-prima brasileira e acabamento impecável. Contar a história deles e falar da sua importância.” Tornou-se autoridade no assunto e, além de montar exposições na Etel, passou a fazer curadoria para mostras no Brasil e no exterior. Trabalhava com designers contemporâneos como a própria Etel, Carlos Motta, Isay Weinfeld, Claudia Moreira Salles, Lia Siqueira e Jorge Zalszupin, polonês radicado em São Paulo, expoente da escola moderna de design que desenhou peças especialmente para a Etel. Em 2019, abriu uma Etel Design em Milão e, em 2019, outra em Houston. “Milão porque é o centro do design do mundo, um posto avançado para toda a Europa e a Ásia.
E Houston porque é lá que estão algumas das maiores coleções privadas de móveis brasileiros.” Sim, hoje há quem colecione móveis de design moderno do Brasil. E não são poucas pessoas. O design brasileiro hoje é trendy muito graças ao trabalho de Lissa. “Queria mostrar ao mundo que existe uma escola de design brasileiro que não deixa
nada a dever às escolas escandinava, italiana ou alemã.” Meta cumprida!
LUCIANA ANTONINI
Luciana Antonini Ribeiro, 44, é definida pelo ex-presidente da Petrobras Pedro Parente como a “almificação” dos propósitos da gestora de private equity eB Capital, na qual são sócios, juntamente com Eduardo Sirotsky Melzer. Vem dela a vibração quase palpável de que é possível transformar o mundo sem perder o foco no retorno financeiro. E de que é essencial escalar para de fato alcançar soluções para problemas sociais e de sustentabilidade que já atingem todo o planeta. “Não adianta reciclar plástico em casa e seguir investindo em combustível fóssil”, diz a empresária gaúcha.
Casada e mãe de dois filhos pequenos, Luciana começou a carreira em 1999 como advogada do grupo RBS, onde foi diretora jurídica aos 25 anos e diretora executiva de desenvolvimento e investimentos estratégicos, em 2009, após voltar dos EUA com um MBA em negócios na Universidade de Columbia. “Fui seguindo direitinho os caminhos tradicionais de uma carreira de sucesso. Mas no meio desse caminho me reconectei com a Luciana adolescente, que tinha metas altas e queria fazer coisas aparentemente impossíveis, e me permiti empreender”, conta.
Membro do conselho de empresas como Proz Educação e Alloha Fibra e líder no Comitê 2030 na Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap), que tem como meta estimular a contratação e integração de jovens vulneráveis como força de trabalho nas empresas investidas, ela foi indicada, em 2021, como uma das Top Women Investing in Latin American Tech pela Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (Lavca).
Atualmente, um de seus projetos mais queridos é o mapeamento de indústrias e setores comprometidos com os aspectos de governança ambiental, social e corporativa (ESG). “Passamos pela revolução industrial, a tecnológica… A próxima será a revolução verde. Não temos como fugir disso, e o mercado financeiro tem um papel muito importante nessa mudança.” A eB Capital administra cerca de R$ 3,5 bilhões em investimentos ligados a soluções para lacunas estruturantes no Brasil.
Otimista, ela vê a participação da mulher no mercado financeiro como um caminho já traçado. “Ainda somos poucas, mas a diversidade já existe. E a minha geração já está aqui sem precisar seguir estereótipos masculinos ou abrir mão de uma vida integral. Conseguimos trazer a nossa personalidade real e conciliar vários mundos”, analisa. Não à toa, sua definição de um dia feliz começa com um tempo para si na ioga, passa por conquistas no trabalho e termina ao lado da família. Para ela, o futuro reserva ainda mais pertencimento às mulheres do mundo dos negócios.
LUDHMILA HAJJAR
Professora do curso de medicina da USP, coordenadora da cardiologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e da cardio-oncologia do InCor, Ludhmila Hajjar dorme cerca de quatro horas por noite. “Se for preciso, durmo duas”, diz. “E acordo animada, pronta para trabalhar. Trabalhar não me cansa. O que me cansa é passar nervoso. Me cansa a intolerância, o negacionismo”, completa a médica de 44 anos que em 2021 recusou o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Saúde.
Desde a faculdade, é conhecida por não parar de estudar e trabalhar. Ficava na biblioteca até meia-noite e viajava pelo interior do Brasil para atender a população carente nos fins de semana e nas férias. “É o que gosto de fazer”, afirma. “Desde pequena, queria ser médica. Foi uma luta com minha família para sair de Anápolis e estudar em Goiânia para ter chance de entrar em medicina.” Fez o terceiro ano do colegial na capital de Goiás e passou no vestibular para a Universidade de Brasília. Depois fez residência no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que é ligado à faculdade de medicina da USP. Aos 32 anos, passou no concurso para professora associada dessa mesma escola.
Seguiu carreira na universidade e no hospital público mais importante do país. Em 2020, foi encarregada de coordenar a UTI Cardio Covid da instituição. Nem assim, no olho do furacão, deu sinais de cansaço. Pelo contrário. “Foi fantástico”, diz ela. “No pico da pandemia, chegamos a ter 900 pacientes nas diversas UTIs do hospital, mas, fazendo parcerias com a iniciativa privada, conseguimos resultados excelentes, semelhantes aos dos melhores hospitais privados.” A médica, aliás, também trabalha para a rede privada. Por muitos anos, chefiou a UTI cardiológica do hospital Sírio-Libanês. Em 2019, aceitou o convite para mudar para o Vila Nova Star, o hospital paulistano de luxo da Rede d’Or, ao lado do qual hoje tem consultório. Os pacientes garantem: ela responde a mensagens e ligações a qualquer hora do dia ou da noite.
Quando trabalhava no Sírio-Libanês, em setembro de 2018, foi convocada pela direção do hospital a ir a Juiz de Fora atender o então candidato Jair Bolsonaro, que recebera uma facada. “Ele acordou quando eu estava ali. Conversamos, e ele foi muito gentil.” Da conversa que teve meses depois, no Palácio do Planalto, ela não teve uma impressão tão positiva. “Não foi boa”, diz. “Eduardo Bolsonaro e o então ministro Eduardo Pazuello estavam presentes. Não consegui expor minhas ideias, mais ouvi o que eles pensavam. Quando percebi que o presidente queria que eu seguisse a linha do Pazuello, recusei o convite. Sou uma mulher da ciência.” Como disse, não gosta de passar nervoso.
SABRINA SATO
Desde que participou do “Big Brother”, em 2003, Sabrina Sato sabia que queria ser apresentadora. Mas foi seu pai, Omar Rahal, que viu naquele momento a oportunidade de construir muito mais. “Na verdaaaaaade”, explica com aquele sotaque que só ela faz, ele soube que o segredo do sucesso seria unir àquela figura carismática e determinada o talento dos outros filhos, o administrador de empresas Karin e a advogada Karina Sato. O filho de libaneses estava certo.
A força do núcleo familiar, segundo a própria apresentadora, é o segredo do sucesso da Sabrina empresária. “Cresci em uma família de pessoas que trabalhavam muito e em diferentes frentes. Para mim é normal ter que me dividir entre várias funções porque vi minha avó e minha mãe fazendo a mesma coisa”, conta.
Prestes a estrear seu novo programa no GNT, ela hoje está também à frente da holding Sato Rahal. O leque de negócios abrange fazendas de café, de cana-de-açúcar, imóveis em São Paulo e Penápolis e licenciamentos em 13 categorias (que incluem óculos, perfumes, maquiagem e lingerie). O grupo pilota também franquias como o restaurante japonês Peixe ao Cubo, a Academia da Face, uma clínica odontológica e a Rede Elétrica Solar. Não para por aí. O braço mais recente é o de Tech, que engloba uma startup de tecnologia, estúdio de animação e agência de conteúdos. É desse núcleo o projeto da Satiko, sua personagem no Metaverso, pioneira entre as celebridades nacionais. Há ainda a One More, uma foodtech de bebidas balanceadoras, e a Sato Kid, de roupas infantis.
Só mesmo o fôlego de musa de Carnaval para dar conta de tudo. Com a pandemia, ela ainda focou os esforços no Instituto Sabrina Sato. “Foi um momento de entender meus privilégios e ajudar quem precisava. Nosso projeto ajuda ONGs experientes que precisam de recursos. De todos os nossos braços, esse é um dos que eu mais me orgulho”, diz.
Sabrina diz que não tem medo de arriscar. “A gente só aprende quando erra, e o erro vira conhecimento acumulado. O importante é estar cercada de pessoas diversas, competentes e que tenham respeito pelas marcas que estamos trabalhando.” Braço direito da apresentadora, a irmã Karina diz que Sabrina está sempre em movimento e de olho em novas frentes. “Para nós, a Sabrina empresária é uma espécie de guru. Ela é uma mulher sensível, que mantém a essência, mas que pensa lá na frente. Quando ela fala que algo a interessa como negócio ou que tal pessoa deve entrar para o nosso time, nós todos já ligamos as antenas.”
SAMANTHA ALMEIDA
“Quando eu era pequena e morava na Rocinha, minha mãe costumava fazer ‘exercícios de futuro’ comigo”, conta a atual diretora de conteúdo dos Estúdios Globo. “Como seria minha vida? Um dia, falei que seria presidente. ‘Muito bom’, ela disse. Outro dia, astronauta. ‘Ótimo.’ Nada era impossível. Ela me estimulava a sonhar. Se cheguei aonde cheguei, foi porque minha mãe sonhou com isso.” Hoje Samantha chefia o departamento encarregado de filtrar projetos de dramaturgia e variedades a serem produzidos pela Globo – novelas, reality shows, séries – e coordena o trabalho de 400 autores. Com passagens por empresas como Mynd, Avon, Estée Lauder, Trifil e Levi’s, foi diretora de conteúdo da agência Ogilvy e head do Twitter Next. Em 2021, ganhou o Prêmio Caboré na categoria Inovação e foi jurada em Cannes. “Não sou melhor do que ninguém”, diz. “Fui superestimulada. Sou a prova de que políticas e programas sociais funcionam.”
Por coincidência, quem investiu em sua educação no passado foi a própria Globo. Filha de um eletricista da emissora, Samantha fez os primeiros anos de escola em bons colégios particulares do Rio com bolsa oferecida pela Globo. Com os pais separados, ela vivia com a mãe, que matriculou a menina em tudo que é curso grátis ou com bolsa de estudos que encontrou: inglês, balé, teatro, natação…
Quando ela tinha 11 anos, os pais reataram e a família foi viver em São Paulo, onde o pai arrumara um emprego na Rede Manchete. Foram morar em um bairro de classe média, a Casa Verde. A menina passou, então, a estudar em colégios públicos. “Bons colégios”, diz. “Em casa, nunca foi uma dúvida o fato de que eu faria uma faculdade.” A mãe queria que ela fosse neurocirurgiã infantil. Samantha escolheu moda e entrou na Faculdade Santa Marcelina. “Era a época de ouro da moda”, conta. “Estudei com Adriana Barra, Dudu Bertholini, Carina Duek… A faculdade era incrível, me abriu para o mundo.”
Já no primeiro estágio, na Levi’s, Samantha se destacou. “Viajava o país mostrando as coleções para lojistas”, conta. “Um dia, em Caruaru, exibindo uma jaqueta com gola de pele, ouvi da lojista: ‘Jura que você acha que a gente vai vender isso aqui?’. Em Curitiba, a dona de uma loja me disse que os modelos precisavam ser mais sóbrios para a sua clientela. E uma série de coisas no gênero. Então pensei: ‘Alguém conta isso para a matriz?’. Comecei a relatar essas histórias para a direção da empresa nos Estados Unidos. Mandava relatórios com foto e tudo: da jaqueta e do termômetro, das pessoas na rua. Gostaram tanto que me contrataram. Até hoje é isso que eu faço: ouço as pessoas e
entrego o que elas querem.”
SANDRA CHAYO
Sandra, paulistana de 46 anos, em 1999 foi sucessora, ao lado das irmãs Karen Sarfaty e Daniela Shalev, dos negócios da empresa de lingerie Hope, marca referência e líder no mercado de moda íntima no país. Moldar o grupo fundado pelo pai (Nissim Hara) em um ambiente inspirador de trabalho para funcionárias e uma marca de confiança para as consumidoras foi um dos desafios. “Queríamos um lugar atraente, algo mais próximo do nosso desejo de empresa.” Outro desafio era consolidar a marca mantendo seu ar jovial, apesar dos 54 anos de operação. “Quando assumimos, criamos uma história de sucessão”, comenta. Sandra esteve à frente do reposicionamento da marca com o desenvolvimento de produtos, a inovação de estilo, as estratégias de marketing e a identificação de novos negócios.
Desde a entrada da Hope no varejo, em 2005, foram abertas 235 lojas com mulheres no comando, um reflexo da diretoria da própria empresa. “Influenciamos todo ambiente em que atuamos.” Uma indústria de moda íntima feminina que era liderada por homens passou a ter a mulher não só como público-alvo, mas como tomadora de decisões. E assim conseguiu acompanhar a mudança dos papéis femininos no mercado. “Moda íntima é a verdade para muitas mulheres, vestimos para nós mesmas”, destaca a empresária. A inovação também é um valor muito forte dentro da política da empresa, que declara ter hoje 50% da produção feita com materiais sustentáveis, biodegradáveis e naturais.
A empresária também provocou a reflexão sobre o descarte de calcinhas e sutiãs – e apresentou soluções. “É cultural não doar calcinha. As pessoas preferem picar ou queimar. Não sabem que há formas seguras de doar e que muitas mulheres precisam.” Em 2021, ela propôs a quebra do tabu sobre a doação de lingeries a mulheres em situação de vulnerabilidade. Depois de consultas a especialistas sobre as melhores práticas, todas as franquias têm um ponto de coleta de peças íntimas funcionais, que são encaminhadas para higienização industrial e entregues a quem precisa.
Durante a pandemia, Sandra Chayo não parou. Seguiu com os planos de ampliação da fábrica própria e ainda encontrou fôlego para lançar um novo produto. “Tomamos atitudes de longo prazo e sem volta. A esperança nos motiva, por isso trazemos ela no nome”, finaliza.
SUE ANN CLEMENS
Logo no início de sua vida profissional, a pediatra carioca Sue Ann Costa Clemens só aceitou trabalhar como pesquisadora para a GSK, uma das maiores indústrias farmacêuticas do mundo, com a condição de continuar dedicando parte do seu tempo às aulas e às pesquisas acadêmicas. Na época, já fazia parte dos quadros da Fundação Carlos Chagas. “Sei que há preconceito contra cientistas de laboratórios privados”, afirma.
Principal responsável pela vinda ao Brasil dos testes clínicos da vacina de Oxford, sempre manteve um pé na iniciativa privada e outro na academia. Hoje é uma das maiores autoridades mundiais no desenvolvimento de imunizantes e coleciona postos. É fundadora e diretora do Programa de Mestrado em Vacinologia e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade de Siena, dirige o Grupo de Vacinas Oxford-Brasil, é professora em Saúde Global na Universidade de Oxford e professora e chefe do Departamento Clínico e Relações Internacionais do Instituto Carlos Chagas. Além disso, é presidente do Comitê Científico de Covid-19 do Instituto Médico de Pesquisa Bill & Melinda Gates. Por seu trabalho com as vacinas de Oxford, foi condecorada
pela rainha Elisabeth II.
Para dar conta de tantos compromissos, vive em trânsito. Em fevereiro de 2020, chegou ao Brasil de passagem rumo ao Panamá. A ideia era ficar só uns dias, mas as fronteiras se fecharam. Não que isso fosse surpresa para a cientista que já trabalhava no desenvolvimento de duas vacinas contra a Covid-19, a alemã CureVac e a chinesa Clover, mas alterou sua rotina.
Sue Ann ficou no Rio de Janeiro atendendo aos compromissos do exterior no esquema de home office. Por sorte, seu marido, Ralf Clemens, outra autoridade em vacinas, teve tempo de se unir a ela. “Em quase 25 anos de casados, foi a primeira vez que passamos um ano inteiro sob o mesmo teto. E sobrevivemos”, brinca ela.
Em maio de 2020, foi convidada para coordenar o primeiro braço de pesquisa da vacina de Oxford fora da Inglaterra e montar a estrutura para a terceira fase da pesquisa clínica, ou seja, a fase de testes randomizados em seres humanos, o que demanda um número grande de indivíduos testados e, para isso, a criação de centros de testagem.
Ela montou as equipes, coordenou a construção ou a adaptação dos centros, criou os protocolos e ainda levantou os recursos financeiros para tudo isso. Em menos de dois meses, os testes começaram e, em dezembro, a vacina foi aprovada no Reino Unido. Ainda teve tempo de escrever o livro “A História de uma Vacina”. “Costumo dizer que
foi tudo no ritmo da Covid.”
TAÍS ARAÚJO
Você pode vê-la no reality show “The Masked Singer”, na série “Aruanas” e no programa de beleza “Superbonita”. É também empresária da própria carreira, garota-propaganda de 17 marcas no último ano, head de produtos sociais da ONG Gerando Falcões e capa da primeira edição da ForbesLife Fashion, lançada em 2021. Isso sem falar que é
mãe de João Vicente e Maria Antônia, esposa do ator Lázaro Ramos (com quem divide projetos profissionais, como o filme “Medida Provisória”) e voz atuante na defesa da equidade racial e de outras causas. “Como artista, tenho tanta visibilidade que é minha obrigação moral trabalhar e contribuir para um país que seja o que sonhei para os meus filhos”, diz Taís Araujo. “Um país diverso, empático, responsável, que respeita as mulheres, os negros, os indígenas, toda a comunidade LGBTQIA+, toda a comunidade PCD. Que respeita e valoriza as pessoas, independentemente de quem sejam.”
No fim do ano passado, ela foi anunciada como rosto da campanha StandUp, rodada em diversos países com o objetivo de disseminar um treinamento antiassédio desenvolvido em uma parceria da ONG americana Hollaback! com a L’Oréal. A empresa de cosméticos é uma das muitas marcas que recentemente elegeram a atriz como garota-propaganda. “Eu já vinha trabalhando com algumas, mas nem se compara com o último ano, quando eu tive 17 marcas importantes comigo. Não acho que tenha sido coincidência. Foi quando deixei de ter empresário e passei a gerenciar a minha carreira.”
Ela afirma ter batido nas portas das agências para se apresentar e ter reuniões diretas com clientes, levando propostas de cocriação. “Hoje ligamos a TV e vemos uma variedade de gente, uma televisão colorida – principalmente na publicidade; a dramaturgia está atrás. A publicidade já sacou que todas as pessoas que vivem no Brasil devem ser contempladas e respeitadas enquanto consumidoras”, diz. É algo que vai do âmbito profissional para o pessoal. “Tenho uma política de só consumir de quem anuncia com pessoas que se parecem comigo. Porque ali me sinto respeitada como consumidora.”
Taís também conta que foi ela quem procurou a ONG Gerando Falcões, rede fundada pelo empreendedor social Eduardo Lyra que atua em favelas do Brasil. “Toda minha vida estive envolvida com projetos sociais, um aqui, outro ali, mas nada que fosse perene”, confessa. “Conheci o Edu na pandemia e fiquei encantada com a estrutura deles. Liguei e perguntei se poderia trabalhar para eles. Aí ele criou esse cargo de head de produtos sociais. Eu junto as minhas marcas com a Gerando. Foi uma solução que encontrei para devolver ao meu país o que eu recebi nesses 26 anos de carreira.”
TATIANA CEQUINEL
Tatiana Rosa Cequinel teve que lidar com a perda do pai ao mesmo tempo que assumia a presidência de uma das maiores construtoras de luxo do país, a Embraed Empreendimentos, sediada em Balneário Camboriú (SC). O ano era 2013. “Em momento algum pensei em contratar um presidente para a empresa. Eu tinha nascido dentro do negócio e pensava nas 1.200 famílias dos nossos funcionários”, relembra.
Ao assumir o comando da empresa fundada em 1984 pelo pai, Rogério Rosa, um desafio para Tatiana foi desenvolver um estilo próprio de gestão. “As pessoas, eu incluída, achavam que eu tinha que agir como meu pai. Me cobraram muito.”
À frente da Embraed, que conta hoje com 900 funcionários, ela dobrou o valor geral de venda líquido da empresa, que foi de R$ 220 milhões para R$ 440 milhões entre 2018 e 2021. Também implementou plano de carreira, PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e escutas quinzenais, acolhendo propostas de melhoria no ambiente de trabalho. “Conseguimos medir tudo o que é produzido e transformamos isso em mais dinheiro para nossos colaboradores”, explica a empresária. “Cuido das pessoas que trabalham conosco. Tenho um olhar mais maternal de agregar, de ajudá-las a evoluir.”
Olhar para o impacto das obras nas comunidades também está no radar da executiva, que lançou editais de incentivo a projetos sociais com foco em Balneário Camboriú, Itapema, Maringá e Camboriú. Em um momento propício para o mercado de luxo, com valorização do metro quadrado na região de até 20% em 2021, a Embraed foi escolhida pela grife italiana Tonino Lamborghini para construir o primeiro residencial da marca no Brasil, com estilo futurista e vista para o mar.
O objetivo é expandir territórios – pensando no agora e no amanhã. Para este ano, a projeção é lançar R$ 700 milhões em projetos, com apartamentos que custam em média R$ 3,7 milhões e podem ultrapassar R$ 16 milhões. Mas é preciso pensar mais para a frente, com previsão financeira de até uma década. “Nossos prédios são muito altos (em média, 50 andares), pedem quatro a cinco anos de construção. Agora estamos com um projeto (de 70 andares) que vai levar sete anos para ser concluído. Se não lançar um produto hoje, posso ter uma lacuna daqui a dois anos.”
VERCILENE DIAS
Quando tinha 6 anos de idade, Vercilene Francisco Dias ganhou seu primeiro brinquedo industrializado, um conjunto de bonequinhos vestidos de soldado. Nascida na comunidade quilombola Kalunga, em Cavalcante (GO), a 130 quilômetros de estrada de terra da cidade mais próxima, segunda filha de uma família de 13 irmãos, a menina nunca tinha visto nada parecido. Perguntou à madrinha por que eles usavam aquela roupa. “Ela explicou que eram soldados”, lembra a atual coordenadora do departamento jurídico da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “Homens bons que defendiam as pessoas contra os homens maus. Decidi, então, ser soldado para defender os meus pais do coronel que queria tomar suas terras. Um pouco mais tarde, a filha de uma patroa me falou que o direito seria o melhor caminho para isso”, conta ela.
Aos 31 anos, formada pela Universidade Federal de Goiás, Vercilene é a primeira, Vercilene é a primeira quilombola com o título de mestre em direito do Brasil – e não defende apenas as terras de seus pais, mas também os direitos de toda a população quilombola do país. No ano passado, uma peça escrita por ela chegou ao Supremo Tribunal Federal e marcou uma vitória. “A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi proposta no STF com o intuito de cessar as omissões e violações por parte do governo federal a preceitos fundamentais da Constituição com relação à população quilombola”, explica. O STF, no parecer do ministro Edson Fachin, reconheceu a omissão do governo e determinou a vacinação imediata contra a Covid-19.
Da infância no quilombo ao noticiário nacional, no entanto, foi um árduo caminho. Ainda aos 6 anos, Vercilene teve de deixar a casa dos pais e morar em outro núcleo da Kalunga para poder estudar. Aos 11, foi para Cavalcante trabalhar como doméstica, em troca de casa, comida e itens de primeira necessidade, além do direito de estudar.
E seguiu trabalhando em diferentes casas, em diferentes cidades, até que, aos 17 anos, entrou no curso de direito da UFG por um programa que designava vagas para quilombolas e indígenas. “Numa sala de 63 alunos, só havia três pessoas negras”, lembra. “Quase ninguém falava comigo. Eu não sabia nem o que era Constituição. Foi difícil. Chorava todos os dias. Até que, no segundo semestre, entrei para o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup-GO). Depois ajudei a criar o Coletivo União dos Estudantes Indígenas e Quilombolas (Uniq). Aí eu me encontrei.”