Uma das 4 brasileiras entre 110 jovens avaliados, a empreendedora social Luana Génot acaba de ser escolhida como líder global pelo Fórum Econômico Mundial neste ano. “Significa o reconhecimento de uma jornada já percorrida e a potencialização da jornada futura”, diz. Génot é fundadora e diretora do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), Ong que presta consultoria na área de diversidade para empresas. O ID_BR tem hoje uma equipe de 50 pessoas, maioria pretos e mulheres, e já envolveu em seus projetos mais de 200 mil funcionários das companhias atendidas. A empreendedora também é autora de dois livros, “Mais forte: entre lutas e conquistas” e “Sim à igualdade racial: raça e mercado de trabalho”, que foi finalista do Prêmio Jabuti em 2020.
O ID_BR nasceu como um trabalho de conclusão de faculdade e veio dos anseios de uma mulher negra que queria navegar no mundo corporativo, mas não conseguia se enxergar nele. A então estudante de comunicação social pesquisou sobre igualdade racial e resolveu fundar um projeto com esse propósito. Durante um intercâmbio nos Estados Unidos, Génot foi voluntária da campanha para a reeleição de Barack Obama. Depois, trabalhou em uma agência de publicidade chefiada por uma mulher negra. “Ver mulheres negras em posições de liderança mudou minha perspectiva. Pensei que queria ser assim também.”
Mais de 10 anos depois, Luana conseguiu. Ela treina executivos no Brasil, Estados Unidos, México e França em torno dessa pauta, e agora se prepara para expandir a atuação da Ong para mais países este ano. Aqui, ela fala de suas perspectivas para incluir pessoas negras no mercado de trabalho e em cargos de liderança.
Forbes: Como o ID_BR atua para acelerar a promoção da igualdade racial?
Luana Génot: Existe uma estatística do Instituto Ethos que diz que demoraria pelo menos 150 anos para termos igualdade racial no Brasil. A gente quer reduzir esse tempo em dois terços. Fazemos isso por meio de três pilares: empregabilidade, educação e engajamento. Temos o selo “Sim à igualdade racial”, que é uma jornada com consultorias e treinamentos para que empresas transformem suas culturas em relação ao racismo, recrutando e desenvolvendo mais pessoas negras e indígenas.
Na área de educação, treinamos gerentes de empresas, geralmente as primeiras gerações de profissionais negros galgando uma jornada de liderança, para tirar essa solidão corporativa e potencializar o círculo de união e de ajuda. Também temos um programa de “Professores pelo sim à igualdade racial”, que visa espalhar o letramento antirracista para professores para que essa informação chegue mais cedo para crianças e adolescentes. Hoje a gente está treinando mais de 25 mil professores na Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul e esperamos chegar a 50 mil até o início do ano que vem. No pilar de engajamento, fazemos eventos e campanhas ao longo do ano para espalhar na sociedade essa cultura de mais do que dizer não ao racismo, dizer sim à igualdade racial. O prêmio “Sim à igualdade racial” mapeia e reconhece iniciativas antirracistas em 10 categorias e o fórum de mesmo nome visa conectar profissionais negros e indígenas a empresas que estão fazendo ações antirracistas.
Leia mais: Conheça 5 mulheres que combatem o racismo e a misoginia na tecnologia
F: Mais de 70% dos brasileiros desempregados hoje são pessoas negras e menos de 3% das mulheres e dos homens pretos chegam a cargos de liderança, como gerentes ou diretores. O que é preciso fazer para mudar esse cenário?
LG: A gente tem um passado de muita desigualdade. Se a história do nosso país fosse resumida em cinco dias, quatro deles seriam diante de um regime de escravidão. Primeiro, a gente precisa reconhecer isso para conseguir ter um futuro diferente. E a gente só consegue mudar o rumo da história com ações afirmativas, direcionadas para as populações que mais sofreram as mazelas nesses últimos séculos. A educação certamente é a base de tudo. A gente precisa de um ensino público de qualidade com a possibilidade de que essas crianças recebam também mais informações sobre a pauta antirracista. Ou seja, que elas recebam referências negras e indígenas como as potências que elas foram, não apenas como coadjuvantes da história. Ao mesmo tempo, temos que implementar ações afirmativas no mercado de trabalho para que esse indivíduo consiga um emprego de qualidade e possa ascender e ser liderança na sua área. Acredito muito na força do ecossistema de ações afirmativas no mercado de trabalho, junto com a educação pública de qualidade e a ação do Estado.
F: Qual é o papel das lideranças para promover igualdade racial no mercado de trabalho?
LG: A liderança não vai fazer toda a transformação, mas é ela que tem o poder da caneta. Então é fundamental que a liderança diga ‘essa pauta é minha’, e crie metas para entregar resultados e treine sua força de trabalho, para que ela esteja engajada em fazer a diferença acontecer no dia a dia. Essa liderança pode ser do presidente de uma empresa ao presidente de um país. Então eu acredito muito que o poder da liderança seja de disseminar essa tendência e de fazer acontecer.
F: Como você vê as iniciativas que empresas vêm fazendo em relação à agenda ESG (ambiental, social e de governança)?
LG: Essa sopa de letrinhas é muito bem-vinda porque obviamente se liga à pauta contra o racismo, mas o que a gente tem que exigir é o resultado porque muitas vezes isso é só cortina de fumaça. A empresa diz que tem toda uma pauta ESG, mas quantas pessoas negras ela está desenvolvendo? Quais ações afirmativas ela tem fomentado? Como ela tem se ligado à questão do racismo ambiental? Como ela tem agido para combater várias outras desigualdades? ESG não pode ser só uma sigla bonita num relatório de sustentabilidade, nós precisamos ter resultados.
F: Você é otimista em relação à igualdade racial no mercado de trabalho?
LG: Eu não tenho outra opção, senão ser otimista. Eu acordo todo dia acreditando que a gente está caminhando, talvez não na velocidade que a gente gostaria, mas a gente está caminhando para algo melhor. As pautas em que a gente acredita não podem ser das próximas gerações, elas precisam ser nossas. Acreditar que sozinhos a gente vai mudar toda uma estrutura é algo falacioso, mas eu vou fazer a minha parte. A gente não pode deixar que o peso que a estrutura tem nos deixe numa inércia. Se cada pessoa tomar consciência do que pode fazer e colocar nas suas próprias agendas questões antirracistas, que seja ler um livro ou, se for líder de uma empresa, contratar ou desenvolver alguém, a gente vai avançando.