Entre as oito mulheres brasileiras com fortunas na casa do bilhão, apenas duas delas são self-made – ou seja, construíram a própria riqueza ao fundar ou cofundar suas empresas. Nos Estados Unidos, há apenas uma entre as dez mulheres mais ricas, a cofundadora da ABC Supply, Diane Hendricks. Já na China, entre as dez mais ricas, oito foram as responsáveis por fazer sua própria fortuna. Esse número não é isolado, já que o país está criando bilionários mais rápido do que qualquer outra nação. Em sua maioria, mulheres.
Dos 2.668 bilionários do mundo, apenas 327 são mulheres – e a maioria delas herdou sua riqueza. Mas 101 mulheres, incluindo 11 que compartilham o dinheiro com o marido, fizeram isso sozinhas – e 45 delas são chinesas.
Especialistas que viveram na China explicam a fórmula dessa mobilidade, que passa pela história e construção do país, além de características específicas dele, como educação, cultura e um ambiente propício para o empreendedorismo, especialmente feminino.
Crescimento chinês
O crescimento econômico chinês é um movimento observado há quatro décadas, segundo Larissa Wachholz, especialista do Núcleo Ásia do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e ex-consultora do Ministério da Agricultura para a China. Isso é consequência do processo de reforma e abertura do final da década de 1970, que teve estratégias como a produção voltada à exportação, privatizações e investimentos pesados em infraestrutura.
O PIB (Produto Interno Bruto) chinês teve crescimento médio de 10% ao ano entre 1991 e 2010, maior do que em qualquer outro país. “Hoje, em 2022, a gente está colhendo os resultados desse esforço, com um ambiente de muito dinamismo econômico, em que tudo acontece de forma acelerada e que proporciona o desenvolvimento das pessoas”, diz Larissa.
Mas nem sempre foi assim. Antes das reformas econômicas, que tiraram centenas de milhões de chineses da miséria, a China era um país pobre e rural. Isso ainda está vivo nas memórias de muitos chineses, que viram no empreendedorismo uma forma de mudar de vida. “Mulheres que cresceram em um ambiente de muita pobreza viram uma saída na possibilidade de ter o seu próprio negócio”, afirma a especialista.
Chan Laiwa é um exemplo disso. Fundadora e presidente da incorporadora Fu Wah International Group, ela é a 10ª mulher mais rica da China. Aos 81 anos, a chinesa acumula uma fortuna de US$ 5,1 bilhões (R$ 26 bilhões). A pobreza obrigou Chan a deixar os estudos e abrir um negócio de conserto de móveis, que foi se expandindo. A empresa foi fundada por ela no início dos anos 1990 e, hoje, também investe em outras áreas além do mercado imobiliário.
O crescimento desse setor no país é reflexo do processo de urbanização chinês. Outras mulheres aproveitaram os custos baixos e investiram em negócios de manufatura. Hoje, segundo Larissa, muitas delas apostam em indústrias voltadas à tecnologia.
De Hong Kong, Zhou Qunfei, uma ex-funcionária de fábrica, fundou a Lens Technology, que fornece telas de smartphones para grandes marcas como Samsung, LG e Microsoft. Ela saiu da pobreza e hoje tem um patrimônio de US$ 7,1 bilhões (R$ 36 bilhões).
Chinesas na história
Apesar de ter uma linhagem patriarcal, a China abriu espaço para as mulheres durante a sua história, propositalmente ou não. A revolução comunista, em 1949, mudou a legislação em relação ao casamento. “As mulheres não eram mais forçadas a se casar, e depois elas tinham direito a se divorciar. Então elas tinham que entrar na força de trabalho”, diz Mariana Burger, doutora em relações internacionais e professora da Fundação Dom Cabral.
O dever do cuidado, que pesa muito para as mulheres de maneira geral, não sobrecarrega tanto as chinesas. A política do filho único, implantada na década de 1970 para conter o avanço populacional, foi responsável por isso.
Por questões econômicas, muitos pais preferiam um filho do sexo masculino, e, quando descobriam que tinham uma filha, abortavam o feto, cometiam infanticídio ou abandonavam o bebê. Por outro lado, os pais que decidiam ter uma filha mulher, investiam tudo nela para garantir uma estabilidade financeira no futuro. “Isso é muito cultural dos chineses, eles fazem de tudo para dar o que há de melhor para os filhos, e isso aconteceu com muitas mulheres”, diz Mariana.
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Bilionárias e empreendedoras
Ao longo dos últimos anos, a China foi um grande experimento de empreendedorismo feminino. Sem determinação, no entanto, essas mulheres não teriam alcançado o sucesso. “É a miséria combinada a um espírito empreendedor e à garra de querer vencer, que é muito característica dos asiáticos em geral e dos chineses em particular”, afirma Larissa.
Na visão da especialista, a sociedade chinesa, apesar de machista, não coloca tantas barreiras em relação a quão longe uma mulher pode ir. “Elas não sentem que têm nada de diferente dos homens e isso é muito importante para que elas possam almejar grandes coisas”, diz Larissa.
Os Estados Unidos, apesar de serem vistos como a “terra das oportunidades”, não são exatamente assim, segundo Mariana Burger. “A terra das oportunidades é a China. Lá, em uma geração, eles saem da bicicleta para uma Ferrari”, diz. “A maioria das bilionárias americanas e europeias são herdeiras, já as chinesas começaram do nada e construíram seus impérios.”
No Livro Branco “Prática Chinesa de Redução da Pobreza da Humanidade”, o governo divulgou que, desde a abertura econômica, 770 milhões de pessoas saíram da situação de pobreza no país. E, segundo o Banco Mundial, isso levou à redução de 70% da pobreza mundial.
A renda per capta da população aumentou de cerca de 6 mil yuans (R$ 4,5 mil) em 2013 para 12 mil yuans (R$ 9 mil) em 2020. Ainda assim, o país ocupa a 45ª posição no ranking de mobilidade social do Fórum Econômico Mundial, de 2020. “Em economias como China e Índia, o crescimento econômico pode elevar populações inteiras em termos de renda absoluta, mas o status na sociedade em relação aos outros permanece o mesmo”, diz o relatório.
A cultura do trabalho até a exaustão também é forte na China e impulsiona a criação de bilionários. O país sofre represálias de grandes marcas como Nike, Burberry, Adidas e H&M por denúncias de trabalho escravo em seu território. A China também tem a maior população do mundo, com 1,4 bilhão de pessoas, e a segunda maior economia.
Fórmula de sucesso?
No Brasil, muitas mulheres têm que dar conta da tripla jornada: conciliar trabalho, estudos e o cuidado da casa e com a família e os filhos – sem o apoio do Estado para isso. Na China, quem faz esse papel de fornecer estrutura para as mulheres, que seria do Estado, muitas vezes, é a própria família. “Na China, os pais e avós cuidam dos netos para as filhas irem para a luta”, diz Mariana.
Com ressalvas, a fórmula de sucesso chinesa pode ensinar outros países. “Se a gente tem que se espelhar em alguma coisa, é principalmente na educação de qualidade em todos os níveis e em uma estrutura social que possibilita que as mulheres levantem”, diz a doutora em relações internacionais. “É preciso que se pense em políticas públicas e também culturais, que mostrem que as mulheres não precisam ter restrição na sua atuação”, diz Larissa.
As 5 bilionárias self-made mais ricas da China
- Fan Hongwei
Fan Hongwei é presidente da Hengli Petrochemical, empresa fornecedora de fibras químicas fundada em 2002. Aos 55 anos, Fan acumula uma fortuna de US$ 18,2 bilhões (R$ 92,8 bilhões). Ela é esposa de Chen Jianhua, bilionário que preside a holding da Hengli. - Wu Yajun
Wu Yajun é cofundadora e presidente da incorporadora Longfor Properties, listada na bolsa de Hong Kong. Ela é engenheira e trabalhou como jornalista antes de entrar no ramo imobiliário. Hoje, aos 58 anos, Wu tem um patrimônio de US$ 15,3 bilhões (R$ 78 bilhões). A empresa foi fundada por ela e pelo seu ex-marido, que não tem mais um cargo na empresa, em 1993. - Wang Laichun
Wang Laichun preside a fabricante de eletrônicos Luxshare Precision Industry. A empresa projeta e fabrica cabos de computador e tem a Apple como cliente. Wang trabalhou para a Hon Hai Precision Industry, gigante de componentes eletrônicos, por 10 anos e juntou-se a seu irmão em 2004 para fundar a Luxshare. Ele é o vice-presidente da companhia e Wang, com 55 anos, tem uma fortuna de US$ 9,5 bilhões (R$ 48,4 bilhões). - Zhong Huijuan
Zhong Huijuan é fundadora e presidente da farmacêutica chinesa Hansoh Pharmaceutical, que produz medicamentos oncológicos, psicoativos, antidiabéticos, entre outros. Ela é a acionista majoritária da Hansoh Pharmaceutical, com mais de três quartos da empresa, e um patrimônio de US$ 8,1 bilhões (R$ 41,3 bilhões), aos 61 anos. - Cheng Xue
Cheng Xue é vice-presidente da maior fabricante de molho de soja chinesa, a Foshan Haitian Flavoring. Aos 52 anos, ela detém uma participação de 9% na empresa e uma fortuna de US$ 6,4 bilhões (R$ 32,6 bilhões).
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