Segundo um levantamento do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), que analisou 211 empresas listadas na B3, 21% delas não têm ao menos uma mulher ocupando a posição de conselheira ou de diretora. De 5.424 profissionais analisados pelo estudo, 14,3% são mulheres.
Anna Maria Guimarães quer mudar essa realidade. Ela é presidente do 30% Club Brazil, capítulo brasileiro de um movimento global que busca atingir 30% de mulheres nos conselhos, além de conselheira da TIM e do Museu de Arte Moderna de São Paulo. “Somos um grupo de liderança feminina com o propósito de influenciar quem toma as decisões.”
A executiva fez carreira em multinacionais, foi CEO da empresa de consultoria em energia KEMA para a América Latina e da empresa de consultoria europeia Efeso para a América do Sul. Há três anos, recebeu o convite de trazer o movimento, que nasceu no Reino Unido e está presente em 20 países pelo mundo, para o Brasil. “Nosso objetivo é promover 30% de mulheres nos conselhos de administração das 100 maiores empresas do mercado de capitais de cada um desses países”, diz. No Brasil, o índice de referência é o IBrX 100 da bolsa de valores brasileira. “Em 2019, éramos 8,5%. Hoje, estamos com 16,5% de mulheres nesses conselhos, e a meta em 2025 é chegar a 30%.”
Ela explica o motivo do número 30. “Existem estudos internacionais que mostram que se você tem 30% de um grupo, você consegue influenciar os outros 70%”, diz Anna. Três capítulos internacionais do movimento já atingiram a meta. Na Itália, são 36,3% de mulheres nos conselhos das 100 maiores empresas do mercado de capitais; no Reino Unido, são 35,4% e, na Irlanda, 30%.
Promover mulheres
Em junho, a União Europeia chegou a um acordo sobre uma lei para tornar obrigatório que as empresas de capital aberto tenham ao menos 40% dos cargos não executivos nos conselhos ocupados por mulheres até 2026.
Internacionalmente, o 30% tem duas missões: promover conselheiras de administração e mulheres C-Levels. “No Brasil, como a gente tem um desafio grande até 2025 de ter 30% de mulheres nos conselhos, a gente decidiu deixar essa segunda missão de promover o pipeline para após 2025.”
Uma meta intermediária é a de chegar, até o final deste ano, a pelo menos uma mulher nos conselhos das empresas do IBrX 100. “Não adianta ter metas impossíveis. A gente vai colocar uma meta para cada ano, mas a grande meta até 2025 permanece.”
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Resultados
Ao lado de Márcia Kitz, que também lidera o movimento e foi a primeira mulher a ser gerente de um banco em São Paulo, Anna Maria Guimarães desenhou um curso de preparação de conselheiras, junto das universidades Columbia e Johns Hopkins, e tem projetos para influenciar tomadores de decisão e promover essas mulheres.
Em dezembro do ano passado, analisando o Índice de Equilíbrio de Gênero nos Conselhos, feito pela consultoria PwC, elas perceberam que 20 empresas do IBrX 100 não tinham nenhuma mulher nos seus conselhos. “Criamos um grupo de trabalho para conversar com os tomadores de decisão de algumas dessas empresas e sensibilizá-los sobre a importância de ter mulheres nesse espaço”, diz Anna Guimarães. “O objetivo é aproximar a demanda da oferta.”
Depois desse trabalho, e do empenho de outras entidades, como o IBGC e o WCD (Women Corporate Directors), que também tem um capítulo no Brasil, 11 das 20 companhias (entre elas Banco Pan, Via, Rede D’Or e Minerva Foods) elegeram mulheres para seus conselhos.
Quem toma as decisões
E quem toma a decisão de promover mulheres para os conselhos? Os acionistas, os grandes investidores institucionais, presidentes dos conselhos, outros conselheiros e os CEOs, que fazem a proposta de administração que será levada para votação na B3.
O processo, segundo ela, não é meritocrático. “É mais por contatos e convites. 90% por indicação”, diz. Existem empresas de headhunting, que não são expressivas nos processos para a seleção de conselheiros, e bancos de conselheiras, que dificilmente são usados.
Em um dos seus grupos de trabalho, o 30% Club reúne grandes investidores institucionais para fazer valer a agenda ESG – sigla importante para o mercado e que significa ambiental, social e governança. É na governança, inclusive, que entra a questão de gênero nos conselhos.
Anna ouviu de um CEO que incluir mulheres no conselho da empresa não estava na agenda da companhia ou que faltaram oportunidades para isso. “A diversidade de gênero é importante, mas essas empresas grandes têm agendas bem complexas, com aquisições, integrações, pandemia.”
Uma sobe e puxa a outra
Com 10 anos atuando como conselheira, ela diz que quer retribuir o que vem recebendo da vida. “Quando somos eleitas, temos suplentes. Sugerir que sua suplente seja uma mulher é uma forma de colaborar para o aumento do número de conselheiras”, diz. Como suplentes, essas mulheres podem ganhar experiência analisando documentos e auxiliando as titulares.
A ideia, segundo a presidente do movimento, é tornar mais fácil o caminho para outras mulheres. Anna considera que foi privilegiada com uma trajetória fora da curva, em que não faltaram oportunidades. Arquiteta de formação, fez mestrado no ITA em engenharia mecânica e MBA na USP. Foi CEO por nove anos e hoje é conselheira, o que ela diz ser um caminho natural para uma CEO. Mesmo assim, teve que estar sempre bem preparada para alcançar seus objetivos.
Benefícios de mulheres nos conselhos
Os benefícios de se ter mulheres em cargos de liderança já são conhecidos, mas, no Brasil, a mudança vem acontecendo a passos lentos. Segundo Márcia Kitz, essa desigualdade é histórica. “A chefe da minha mãe queria guardar um dinheiro escondido no banco porque estava se separando do marido e não podia sem a assinatura dele”, diz ela. Isso faz 50 anos.
“Conversando com um conselheiro, ouvi que quando tem mulheres no conselho o clima muda, fica mais saudável”, diz Anna. Mas como ela também é focada em resultados, cita um estudo da consultoria McKinsey que mostrou que empresas que têm mulheres na liderança lucram, em média, 21% a mais, e têm resultados operacionais 48% maiores em comparação com a média. “Na minha experiência, percebo que normalmente as mulheres são mais ativas, tendem a se preparar mais para reuniões e são mais detalhistas.”
Para ser uma boa conselheira, diz ela, é preciso ter formação em governança, mas existem outras competências comportamentais: “Saber argumentar, agir em colegiado, escutar, e se colocar mesmo se for a única mulher com oito conselheiros. Um outro ponto é a independência financeira. “Porque quando você achar que não está mais conseguindo agregar valor à empresa, é hora de renunciar.”