Quando sai de uma reunião com o time global da Bayer, Elke Mittelsdorf, head da área de produtos para saúde feminina da empresa, ouve de outras mulheres como é uma líder transparente. Sua agenda semanal inclui conversas com executivas que a procuram para conselhos de carreira, além de encontros com os grupos de empoderamento feminino Women in Pharma, que ela ajudou a fundar, e Grow, iniciativa para mulheres na companhia. “Eu quero cortar caminhos para as mulheres. Não quero que elas passem por coisas desnecessárias que eu passei.”
A executiva começou a carreira numa época em que diversidade, maternidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional não eram pauta nas empresas. Por isso, quando teve seu filho, enquanto ocupava o cargo de gerente de produto sênior de uma multinacional, se sentiu pressionada. “Era um ambiente masculino onde as regras masculinas imperavam. Achava que era um sinal de fraqueza sair para cuidar do filho ou resolver uma questão pessoal.”
Como abrir mão da carreira, ainda que por um período, nunca foi uma opção, ela ia equilibrando os pratos como podia, levando na pediatra aos sábados e estando mais disponível nos finais de semana. Mas alguns fatores eram inegociáveis. “Eu tinha acordos comigo mesma. Não abria mão de levar ele para a escola todos os dias. E me comprometia a chegar mais cedo para ter algum tempo com ele.”
Mas esses planos muitas vezes eram frustrados quando seu chefe à época insistia que os funcionários passassem as noites no escritório comendo pizza depois do expediente. “Eu tinha que estar em casa, queria estar com meu filho e estava sendo forçada a ficar na empresa.”
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Por mais mulheres na liderança
Os tempos são outros, mas hoje, aos 52 anos, líder em uma indústria ainda muito masculina, ela trabalha para construir um ambiente que forneça a estrutura necessária para que as executivas cheguem ao topo. “A minha missão é mostrar que é possível uma mulher chegar à liderança e equilibrar a maternidade, exercícios e um relacionamento com a carreira.”
E levar, de fato, essas mulheres para o topo. Hoje, ela tem 10 gerentes no seu time. Todos homens. E, para mudar isso, defende um trabalho direcionado. “Assumi essa equipe há pouco tempo e o meu papel é agir com intencionalidade, senão a mudança será muito lenta.”
Apesar disso, Elke percebe que muitas mulheres hoje não querem assumir esses cargos por receio de não serem boas o suficiente. E ela também não passou ilesa da síndrome da impostora. “Eu amadureci, entendi que existem muitas barreiras invisíveis e comecei a me conhecer e conhecer minhas fortalezas”.
Para driblar a síndrome e chegar ao cargo que ocupa hoje, a receita foi buscar autoconhecimento, fazer networking e se apropriar da sua carreira. “Muitas mulheres esperam a promoção, mas nada cai do céu. A gente tem que ser proativa e buscar aquilo que está projetando para a carreira.”
Dona da própria carreira
Há 11 anos na Bayer, Elke é conhecida na empresa por ter transitado por diversos setores da companhia – da radiologia ao agro, do consumo à farmácia. “Eu aprendi a procurar os caminhos que me favoreçam. Tem que ter resiliência para ser mulher e crescer no ambiente corporativo.”
Ela já recebeu feedbacks que a criticavam por ser “muito emocional”, mas hoje assume a autenticidade e a transparência como algumas das características que a destacam como uma boa líder de uma equipe de mais de 100 pessoas. “Se eu estou feliz, todo mundo sabe, e se eu estou chateada, as pessoas também percebem. Eu não fico disfarçando e fazendo papéis, eu sou quem eu sou e é isso que deixa o time mais engajado e motivado.”
Turning point da carreira
“Foi quando eu saí de consumer health na Bayer e fui para radiologia ser head do país. Eu estava muito acostumada a trabalhar no mercado de consumo, mas eu não conseguia enxergar minhas possibilidades de crescimento, e eu relutei muito contra isso. Quando surgiu a oportunidade, eu estava fazendo coaching externo e eu falava que não queria ir para a radiologia, mas eu quebrei um paradigma mental e essa mudança me mostrou que eu posso tudo o que eu quiser. E assumir um país, mesmo que numa divisão menor, para mim foi muito importante. Eu estou onde eu estou hoje porque eu passei por essa experiência.”
Quem me ajudou
“Quem me contratou para a radiologia foi um homem que era o chefe da posição na América Latina. Ele falou ‘Elke, você não sabe nada de radiologia, mas eu enxergo potencial em você’. Esse cara apostou em mim e me abriu a porta. E outra pessoa que me inspirou também foi uma chefe que eu tive na empresa em que trabalhava quando tive meu filho. Ela sempre foi uma pessoa muito autêntica, nunca foi um homem no comando, ela foi uma mulher no comando do jeito que tem que ser. Ela foi o modelo para mim de mulher na liderança. Eu não tive muitas gestoras e até hoje me lembro dela como uma inspiração.”
O que ainda quero fazer
“Eu ainda tenho muito para aprender nessa vida. Enquanto eu estiver aprendendo e me desenvolvendo eu vou querer crescer na minha carreira. E eu quero seguir ajudando as mulheres, isso para mim é muito importante e por isso eu estou engajada em tanta coisa na empresa. Eu quero encurtar o caminho das mulheres e mostrar que é possível. Eu escuto muito que eu inspiro as pessoas e eu acho que esse é meu papel para que a gente tenha mais mulheres na liderança.”
Minha formação
“Administração de empresas na USP.”
A cada quinzena, a seção Minha Jornada traz as histórias de vida e carreira de profissionais inspiradoras.