Em uma dessas conversas antes de dormir, meu filho me perguntou: mamãe, o Johnny é velhinho. Ele vai morrer?
Na hora até perdi o ar: quando ele estiver bem velhinho mesmo ele vai morrer sim, filho.
Ele me perguntou: E a gente vai comprar outro cachorro? Respondi: se você quiser, podemos comprar outro cachorro sim. Ele disse: mas eu quero esse cachorro, mamãe. Não quero outro.
Eu também não, filho. Não quero outro. Nenhum outro.
Saí dali arrasada, não pela minha falta de preparo para aquele momento, nem com Deus por não permitir que nossos companheiros caninos fossem eternos, mas por não ser capaz de permitir que meus filhos me vejam chorar. Logo eu, que sempre fui chorona do tipo que assiste Grey’s Anatomy e se derrete em lágrimas.
>> Leia também: A sociedade do cansaço
Johnny é nosso companheirinho há 10 anos, foi nosso primeiro filho e viveu todas as nossas fases. A cada dia, perceber os sinais da idade refletindo no cotidiano me dói. Me entristece ver sua dificuldade ao se levantar, os nossos passeios que tem se tornado cada vez mais curtos e ele cada dia mais lento.
Desde que me tornei mãe nunca mais me permiti chorar. Eu não sei qual convenção invisível diz que pais e mães estão proibidos de chorar na frente dos filhos, e eu mesma confesso que sempre me pareceu o óbvio a se fazer. Foi automático. “O que eles pensarão? Se sentirão vulneráveis? Desprotegidos pela pessoa que deveria ser seu porto seguro?”
É um daqueles conceitos que a gente não sabe de onde vem e simplesmente não refletimos muito a respeito. Parece o correto a ser feito e fim.
Até que um dia passei a nomear os sentimentos e explicá-los. Em várias situações que se apresentavam no nosso cotidiano eu descrevia o que as pessoas sentiam naquele momento. Um dia estávamos na rua e passamos por uma criança que chorava. Ao dizer que o menino se sentia triste, meu filho respondeu: “ele está chorando porque é bebezinho. Eu sou grande e não choro”.
Na mesma hora acendeu um sinal de alerta para mim: eles nunca tinham visto um adulto chorar.
Me lembrei do choque que me causou ao ver meus pais chorando pela primeira vez, quando perderam seus respectivos pais. Eu estava arrasada pela perda dos meus avós, mas me dilacerou por dentro e ao mesmo tempo me deixou em choque ver chorarem aquelas pessoas que nunca haviam chorado antes. Ou pelo menos que eu pensava que não.
>> Veja também: Executivas contam o aprendizado da maternidade que levaram para a carreira
Não significa que vê-los sentir a dor de uma grande perda não fosse me entristecer de qualquer forma, mas ficou claro pra mim naquele momento o quanto a vulnerabilidade deles apresentada ali, daquela forma pela primeira vez, me chocou.
Crescer me trouxe a clara percepção da vulnerabilidade dos meus pais, enquanto seres humanos imperfeitos que erram, acertam, se arrependem, se frustram, sentem e choram. Até então eu pensava neles como super-heróis perfeitos que tudo sabiam, tudo podiam, e que não se abalavam com nada.
Percebi que somos seres humanos distintos, mas que todos nós temos nossos próprios defeitos e qualidades. Tudo isso mudou a dinâmica do nosso relacionamento e percebi que como filha passei toda uma vida me colocando como prioridade. Pensava que minhas questões eram mais urgentes que as deles, como se a vida deles tivesse começado quando eu cheguei e que eu sempre seria o centro do mundo deles. Então passei a percebê-los ainda com mais carinho e amor por todas as vezes que eles seguraram os próprios medos para aliviar os meus.
A partir desse dia, decidi que mostraria minhas vulnerabilidades aos meus filhos. Que sendo exatamente quem eu era, sem máscaras, seria a melhor forma de ensiná-los a serem eles mesmos. Que nem sempre eu estaria certa, e que provavelmente ainda errarei muitas vezes tentando acertar.
Passei a me questionar que mensagem quero passar a eles e que tipo de filhos pretendo criar.
Uma das coisas mais fantásticas da maternidade para mim é essa possibilidade de começar um livro da primeira página. Começar uma nova história, mas não uma escrita ou dirigida por mim, e sim uma escrita pelos meus próprios filhos. Eu já me livrei há algum tempo da ideia de que eles serão o que não fui, das minhas projeções pessoais de vida para eles, dos meus ideais sobre o que significa ser feliz. Eu quero que eles apenas sejam. Sejam eles mesmos – imperfeitos – mas exatamente quem são. E para isso hoje vejo que meu papel enquanto mãe é apenas fornecer as ferramentas para que eles cheguem lá.
Portanto, deve ser nosso lembrete diário de que a melhor forma de ensinar nossos filhos a serem eles mesmos é sendo nós mesmos: humanos, imperfeitos, mas os amando incondicionalmente.
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.