Aos 23 anos, a cientista Verena Paccola já passou por diversas instituições brasileiras e internacionais, mas pela primeira vez tem uma mulher como mentora. Depois de ficar sob os holofotes ao ter descoberto 25 asteroides pela Nasa e se tornar Forbes Under 30 no ano passado, Verena descobriu o real sentido da palavra representatividade. “Recebi uma mensagem de uma mãe falando que a filha de sete anos tinha me visto na TV e agora queria ser médica e astronauta”, diz a estudante de medicina da USP.
Apenas 30% dos cientistas do mundo todo são mulheres, segundo dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), e Verena reconhece a responsabilidade que caiu no seu colo com a exposição que tem ganhado. “Quero tirar o máximo disso e inspirar outras meninas, até porque já passei por muitas situações de desigualdade na área acadêmica, de machismo e assédio.”
Natural de Indaiatuba, cidade no interior de São Paulo, Verena se considera cientista desde criança, quando já se deixava guiar pela curiosidade. Foi essa mesma característica que a levou a implementar olimpíadas de neurociência na sua escola, visitar a ONU, em Nova York, estagiar no Hospital Albert Einstein antes mesmo de entrar na universidade e, também, participar do programa da Nasa em que descobriu mais de duas dezenas de asteroides. “Eu sempre me inscrevo em tudo, quero fazer de tudo e depois decido se gosto ou não.”
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Hoje (11), no Dia da Menina e Mulher na Ciência, a Forbes conversa com Verena Paccola sobre sua trajetória e o que é preciso para termos mais talentos femininos nas áreas de STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática).
Forbes: Como você recebeu o Under 30 e toda a exposição que tem ganhado desde o ano passado?
Verena Paccola: Eu acompanho a lista anualmente e em 2021 eu pensei ‘eu não sei o que eu vou fazer, mas eu tenho que estar nessa lista no ano que vem’. É um reconhecimento muito grande, mas é muito mais do que uma conquista pessoal porque atualmente o meu maior objetivo é incentivar e inspirar meninas na ciência, fazer elas se interessarem e se enxergarem em posições de destaque dentro da área científica. Então é por isso que eu dou palestras semanalmente, entrevistas, vou em programas de TV. Eu percebi isso quando eu recebi uma mensagem de uma mãe falando que a filha de sete anos tinha me visto na TV e agora queria ser médica e astronauta. Eu falei ‘caramba, ela me viu, ouviu a minha história e agora isso fez ela acreditar que ela pode ser o que ela quiser’.
Colocaram tantos limites para as mulheres historicamente que essa é uma grande responsabilidade e eu vou tirar o máximo disso, até porque eu já passei por muitas situações de desigualdade na área acadêmica, de machismo, e muita gente desiste nesse caminho. Estar nesse lugar expande a representatividade, porque as meninas vão me ver e falar ‘caramba, além de ser médica e astronauta, eu quero estar na Forbes também’, então elas vão acreditar que elas podem alcançar isso e que tem um caminho possível através da ciência e da educação que é a minha categoria.
F: Além de inspirar outras meninas e mulheres na ciência, qual seu maior objetivo na carreira?
VP: Desde que eu me formei como técnica de enfermagem, eu sempre quis ser neurocirurgiã, mas agora tudo mudou na minha vida e tem muita coisa acontecendo. Eu pretendo continuar com esse trabalho de incentivar meninas na ciência e agora todo mundo fala sobre ir para o espaço, fazer pesquisas em gravidade zero sobre o cérebro. Ainda tenho muitas portas abertas e não quero fechar nenhuma, mas tenho sonhos grandes como ganhar o prêmio Nobel da Medicina, mas a curto prazo quero me formar em medicina, e quem sabe ser a primeira brasileira a ir para o espaço.
F: As mulheres representam 3,53% dos laureados em ciências pelo Prêmio Nobel, e 28% dos pesquisadores nas áreas de STEM, segundo a ONU. O que falta para termos mais mulheres na ciência?
VP: Isso é um absurdo porque a gente tem mulheres muito boas fazendo pesquisa e que só não têm o reconhecimento. Historicamente, diminuem muito o trabalho da mulher, ela pode ter feito a maior parte da pesquisa e o homem vai receber o prêmio por ela. É um problema histórico e estrutural da sociedade, mas eu acho que atualmente a gente está no caminho certo para conquistar a igualdade de gênero. Muitos programas estão sendo desenvolvidos para meninas, porque a desigualdade é uma realidade e a gente precisa desse incentivo focado nas meninas e mulheres para trilhar esse caminho que ainda é muito longo. Então eu acho que quanto mais a gente tiver programas voltados especificamente para meninas na área da ciência e mais divulgação de mulheres e meninas que já fazem ciência, mais meninas vão acreditar que elas podem estar onde elas quiserem, e que apesar de ser uma área subrepresentada pelas mulheres, a gente pode mudar isso num futuro próximo.
F: Hoje nós já vemos mais mulheres em posições de destaque na ciência e em outros espaços. Qual tem sido a sua experiência? Você tem referências mulheres?
VP: Eu estou na área de pesquisa há muito tempo, já passei pela Unicamp, USP, Unifesp, UFMG, universidade do Canadá e agora aqui na USP desde o ano passado é a primeira vez que eu tenho uma mentora mulher na minha vida. E agora eu percebo super a diferença porque antes eu nunca tinha tido a oportunidade de fazer essa comparação. E é muito significativo porque a gente se vê na posição dela. E as situações que eu já passei foram inúmeras, desde acharem que eu não sou capaz porque eu sou mulher até assédio dentro de lugares acadêmicos, tanto em centro cirúrgico quanto dentro de laboratório. São momentos que a gente fica meio sem voz na hora e por medo de perder uma vaga ou um espaço na área.
F: As mulheres estão deixando cargos de STEM por não receberem apoio suficiente, segundo estudo da 3M com a Ipsos. O que ainda precisa ser feito para incentivar essas meninas e mulheres? Tem algo que você gostaria de ter ouvido?
VP: É muito complexo porque essa é a nossa história há muito tempo e se tivesse uma solução rápida, espero que já teriam aplicado. Mas é uma questão de união e apoio entre as mulheres porque eu tenho certeza que 9 em cada 10 mulheres já passaram por situações semelhantes às minhas. E compartilhar essas situações gera uma aproximação e uma revolta também. Essa corrente de apoio e de compartilhamento entre as mulheres é muito importante para unir, ganhar força e pra gente perceber que é um problema que não pode mais acontecer, que é um absurdo a gente passar por isso no nosso próprio ambiente de trabalho. A gente ainda tem medo de falar porque a palavra do homem vale o triplo da palavra da mulher, mas juntas a gente tem mais força.
E colocar mulheres em cargos de poder porque a maioria hoje são homens, e existem estudos científicos que mostram que os homens só colocam homens semelhantes a eles em nos mesmos cargos. Então pra gente chegar até lá tem um caminho muito longo ainda para se percorrer, mas as mulheres já são mais que capazes e fazem muito mais do que tem que ser feito para ocupar um cargo daquele.
F: O que você diria para meninas e mulheres que querem trilhar uma carreira na ciência?
VP: Quando as meninas vêm falar comigo, eu sempre falo que elas vão precisar de três coisas para conseguir alcançar os objetivos: curiosidade, coragem e empatia. Primeiro, você tem que ter a curiosidade de explorar o mundo, de ir atrás de respostas e de trilhar o caminho que você quiser percorrer. A coragem para derrubar as barreiras que já existem historicamente e enfrentar os desafios que vão aparecer que vão ser vários, mas com coragem você vai conseguir persistir e erguer a cabeça para ocupar o seu espaço. E empatia porque quando eu olho em volta eu vejo que não sou a única mulher passando por isso, então sempre estender a mão para as outras e fazer uma corrente mesmo, porque juntas nós vamos mais longe. São essas três coisas que eu levo comigo todos os dias para alcançar meus objetivos.