Homem, branco, na faixa de 48 anos de idade. Esse é o atual perfil dos altos executivos de finanças no Brasil, de acordo com uma pesquisa do Insper e da consultoria de RH Asset divulgada em agosto de 2022. Esse cenário tem mudado, é verdade, com mulheres que fogem desse estereótipo e conquistam espaço no mercado financeiro. E o ambiente que muitas encontram ao iniciar a carreira hoje é completamente diferente do que se via há uma ou duas décadas. “Comecei no mercado financeiro aos 17 anos, em uma área operacional de câmbio, com duas mulheres (eu e mais uma) e 80 homens. Hoje, as mulheres têm a seu favor o fato de que a diversidade ganhou mais relevância e maturidade nas organizações”, diz Annali Duarte, diretora executiva de Produtos Transacionais e Líder de D&I para América Latina do Bank of America.
Mas ainda assim essas executivas enfrentam dificuldades adicionais para progredir na carreira. Entre os profissionais que possuem a Certificação de Especialista em Investimentos da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), apenas 35% são mulheres. E na Certificação de Gestores de Carteiras, a participação feminina é de 6%.
Nathalia Paulino, CEO da Nau Capital, cita como obstáculos para avançar a falta de representatividade, o desafio de equilibrar vida pessoal e profissional, com menos tempo e energia para se dedicar a projetos e networking, e até mesmo o assédio. “O mercado financeiro ainda é um ambiente predominantemente masculino, mas isso não deve desencorajar. Busque se fortalecer, valorizando suas habilidades e conhecimentos, e dedique-se a trabalhar duro para alcançar seus objetivos profissionais.”
Hoje, grandes organizações se movimentam para criar políticas de diversidade e ambientes que permitam que as mulheres subam. Até porque o mercado e os acionistas têm exigido isso – seja por questões sociais e de marketing ou até financeiras. Um estudo da XP mostrou que um conjunto de ações das 15 empresas de capital aberto com mais mulheres nos conselhos avançou 349% desde 2010 – enquanto o Ibovespa, 49%. E em agosto do ano passado, a B3 propôs que as empresas listadas na bolsa incluam pela menos uma mulher ou pessoa negra em seus conselhos e diretorias estatutárias até o fim de 2025 e a segunda até 2026.
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A Forbes ouviu mulheres que atuam no mercado financeiro e que deixam aqui suas dicas para se destacar e construir uma carreira de sucesso nessa área. Confira:
Annali Duarte
Diretora executiva de Produtos Transacionais e líder de Diversidade e Inclusão para América Latina do Bank of America
Um mercado fascinante
“Quem começa uma carreira na área financeira precisa se encantar pelo tema, ou seja, enxergar esse mercado como um mundo fascinante, que proporciona inúmeras oportunidades de crescimento pessoal, profissional e financeiro. Ter coragem também é uma competência importante, além de estudar para se aprofundar na área na qual passará a atuar. A confiança e reconhecimento da liderança e dos colegas e clientes vêm para aquelas que têm paixão, são resilientes, conhecedoras do tema e que tentam incansavelmente ser boas naquilo que estão fazendo. Boa comunicação, networking, colaboração e, sobretudo, um sorriso no rosto, ajudam a abrir portas para próximos passos de carreira na área financeira.”
Annali Duarte é diretora do Bank of America e tem 32 anos de experiência na indústria financeira, com passagens pelo antigo BankBoston, Santander e Citi. Ela também é coautora do livro “Mulheres de Finanças”, que traz histórias de sucesso de brasileiras no setor.
Nathalia Paulino
CEO da Nau Capital
Conquiste mentores e construa redes
“Busque oportunidades de aprendizado e desenvolvimento de habilidades que possam ajudá-la a se destacar na área. Alguns caminhos possíveis incluem graduação em Finanças, Economia ou Administração. Busque estágios em instituições financeiras e atualize-se sobre as tendências e notícias do mercado. Conquiste mentores e construa redes de contatos que possam apoiá-la e orientá-la durante o processo, inclusive quando já estiver operando no mercado e tiver que decidir para qual área seguir.”
Nathalia Paulino é CEO e cofundadora da Nau Capital, multi-family office. Ela também tem passagens por instituições financeiras como Advis Investimentos, Banco BOCOM BBM e BTG Pactual.
Laiz Carvalho
Economista-chefe do BNP Paribas
Saiba o que traz para a mesa
“A minha principal dica para as jovens mulheres que querem entrar no mercado financeiro é o famoso “saber o que você traz para a mesa”. Claro que isso vai ficando bem mais claro conforme você vai ganhando mais experiência e maturidade, mas saber seus pontos fortes e não ter medo de fazer perguntas é algo que se for feito logo no início da carreira ajuda muito! Porque assim você consegue levar pra mesa suas melhores características profissionais e sua vontade de aprender! E o não ter medo de fazer perguntas te ajuda a explorar as possibilidades que o mercado te oferece!”
Laiz Carvalho é economista-chefe do BNP Paribas e fundadora do Black Swan. Ela também já passou por instituições como Brasilprev Seguros e Previdência, Santander e BTG Pactual.
Juliana Buchaim
Membro do Conselho de Administração da Arezzo e do Banco ABC Brasil
Fale!
“Converse com pessoas referências no mercado, entenda como elas pensam e operam. Fale com pessoas mais velhas, mais novas, com formações diferentes da sua e especialmente com as que não pensam como você. Agora, principalmente, se domina um assunto, FALE, se posicione, ocupe seu lugar na mesa, no seu tom, da sua maneira, mas preferencialmente assertiva e de maneira clara, FALE. Se você foi chamada, você tem algo a agregar, ocupe esse espaço.”
Juliana Buchaim é conselheira e possui 25 anos de experiência em gestão de fundos e equity research. Trabalhou por muitos anos na maior gestora de ativos líquidos da Europa, a Amundi Asset Management, e passou pelo Itaú, entre outras empresas
Cassiana Fernandez
Head de Pesquisa Econômica para América Latina no J.P. Morgan
Driblando a síndrome da impostora
“Em 2018, uma estagiária do banco, estudante de economia, gravou um vídeo em que respondia à pergunta: “O que você quer ser no futuro?”. Ela foi direta na resposta: “A próxima Cassiana Fernandez!”. Quando soube, minha primeira reação foi duvidar. Depois me emocionei. Senti um orgulho profundo, que veio acompanhado de uma enorme responsabilidade. Nesse momento entendi que, por mais que muitas vezes eu mesma tenha duvidado da minha capacidade – assim como tantas outras mulheres – eu também poderia inspirar outras mulheres na posição que eu ocupava. A partir disso, eu percebi que poderia ter um papel mais ativo para ajudar a atrair mais talentos femininos para o mercado financeiro e estimular o desenvolvimento delas, tanto no J.P. Morgan quanto na indústria de uma forma geral. Me tornei mentora dessa profissional e, também, de outras mulheres. Assumi a liderança do grupo de diversidade de gênero do banco no Brasil. Hoje, aquela estagiária é uma bem-sucedida analista com um futuro brilhante pela frente e que sabe que pode ir muito longe.”
Cassiana Fernandez é head de Pesquisa Econômica para América Latina no J.P. Morgan, onde trabalha há 11 anos. Também atua na liderança do grupo de diversidade de gênero do banco no Brasil. Antes, foi economista e gerente da área de planejamento do BNDES e sócia da Mauá Sekular Investimentos.
Graziela Suman
Sócia e co-fundadora da Veedha Investimentos
Maior desafio para progredir na carreira
“Nós, mulheres, costumamos nos cobrar por ser gestoras do lar tanto quanto boas profissionais. Não dá para fazer tudo na intensidade que gostaríamos. Alguns pratinhos quebram de vez em quando, e está tudo bem.”
Graziela Suman atua há mais de 20 anos como assessora financeira, além de fazer palestras sobre planejamento de finanças pessoais
Tatiana Cajueiro
Sócia e hunter da Valor Investimentos
O segredo para lidar com os clientes
“Foque 100% nas dores dos clientes. Após as principais dores resolvidas, focar nos sonhos, metas e ajudar a alcançá-los de todas as formas. O cliente sabe quando você trabalha por trabalhar e quando trabalha por um propósito. Essa diferença é o segredo.”
Tatiana Cajueiro é sócia e hunter da Valor Investimentos, escritório credenciado à XP, além de investidora de startups e vice-presidente da Ong Anjos Amigos
Clara Sodré
Analista de Alocação e Fundos da XP
Conhecimento é a melhor ferramenta
“Estar em locais em que não nos identificamos é extremamente desafiador, por isso para mulheres que desejam ingressar no mercado financeiro a dica é: busquem informação! Saber as diferentes frentes de atuação, as mais diversas áreas e como elas se relacionam vai ajudar tanto no preparativo quanto na identificação. Ter a noção de que a nossa presença transforma também ajuda nos desafios. Ter inspirações dentro do mercado sempre foi o que busquei – procure mulheres que já estão na linha de frente, busque inspirações, mentorias, exemplos. Ler sobre o assunto também ajuda. Em resumo: conhecimento transforma e é a melhor ferramenta de transformação.”
Clara Sodré é analista de Alocação e Fundos da XP, professora na XP Educação e criadora de conteúdos voltados para educação financeira e diversidade no mercado financeiro.
Elisangela Martins
Superintendente da plataforma de consórcio e negócios imobiliários do Santander
Tecnologia é essencial
“Hoje, não basta saber de economia e finanças. Profissionais do mercado financeiro precisam conhecer dados e estar atualizadas com as novas linguagens de plataformas de TI.”
Elisangela Martins é superintendente da plataforma de consórcio e negócios imobiliários do Santander, onde está há mais de 20 anos, e também já trabalhou no antigo BankBoston.
Karine Nogueira
Diretora de serviços de TI da Sinqia
Esforço e dedicação maiores
“Eu precisei me provar muitas vezes para o cliente e mostrar que, atrás de um perfil feminino, existe muito conhecimento e experiência. Às vezes, esse ‘provar’ é muito mais custoso do que para um homem, porque você não está inserida nesse contexto. Sempre precisei mostrar que dominava a forma como eu estava me posicionando e o que estava falando. Por isso, sempre estudei e sempre precisei buscar conhecimento, porque a gente precisa se provar o tempo inteiro, embora o mercado esteja mudando.”
Karine Nogueira é diretora de serviços de TI da Sinqia, empresa especializada em tecnologia para serviços financeiros, onde está há 12 anos. Antes disso, atuou na Deal Technologies.
Alessandra Gontijo
Sócia e diretora comercial da Investo
A importância da representatividade
“Vejo que o número de mulheres ocupando cargos de liderança no mercado financeiro cresceu bastante nos últimos anos, mas a realidade é que ainda há uma disparidade muito grande se compararmos com as lideranças masculinas. Na minha opinião, ver mulheres em posições de destaque é um grande incentivo para as demais, pois demonstra que, apesar de todos os obstáculos da carreira, é possível ascender profissionalmente sendo mulher.”
Alessandra Gontijo é sócia e diretora comercial da Investo, gestora de recursos especializada em ETFs, e acumula passagens por instituições como Brasil Plural, XP Investimentos e HCI Invest.
Valquíria Matsui
Sócia da QI Tech
Setor em constante movimento
“Se você deseja um trabalho com rotina, o mercado de finanças não é o setor adequado. Estamos em constante movimento, pensando em processos intuitivos e moldando os avanços da educação financeira”.
Valquíria Matsui é economista e sócia da fintech QI Tech. Antes disso, atuou no Banco Finaxis.
Paula Magalhães
Economista-chefe da AC Pastore Consultores
Vale persistir
“O mercado ainda é bem masculino, e para algumas mulheres isso pode ser um desincentivo para entrar. É possível que se passe por algumas situações desconfortáveis, por outro lado vejo um grande movimento de mudança. Está com cada vez mais mulheres e que buscam se apoiar. Então eu diria que vale ter alguma perseverança para estar/entrar nesse mercado. O ambiente é meritocrático, mas tem sempre um ganho de conhecer pessoas, por isso considero esse movimento de união das mulheres bem positivo. E é para pessoas que gostam de um ritmo frenético, onde as coisas acontecem e mudam rapidamente. Acho importante ter isso em mente.”
Paula Magalhães é economista chefe da AC Pastore Consultores e Associados e doutoranda pela EESP-FGV