Eleita a melhor do mundo na sua posição, a ex-jogadora de vôlei Fofão teve cinco participações em Jogos Olímpicos, levou três medalhas olímpicas, e agora volta às quadras não para jogar, mas para treinar a seleção sub-17 feminina, como foi anunciado em fevereiro pela Confederação Brasileira de Voleibol. “Estar à frente da seleção vai motivar as mulheres e dar visibilidade, e isso vai ser muito importante para as gerações futuras.”
Hélia Rogério de Souza faz história ao se tornar a primeira mulher no comando de uma seleção brasileira de voleibol, que disputa o campeonato Sul-Americano deste ano em busca de uma vaga no Mundial de 2023. “Tenho o entendimento do que é ser atleta e do que é ser uma atleta mulher”, diz ela, que acredita que uma técnica consegue liderar a equipe feminina com mais sensibilidade.
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Mas a atuação da ex-levantadora, que completa 53 anos hoje (10), vai além do esporte. Fofão é também sócia e embaixadora da marca de cosméticos Beleza Negra, que tem produtos desenvolvidos especialmente para pessoas pretas. “Por muitos anos nós sofremos por não poder escolher aquilo que vamos consumir”, diz ela sobre sua identificação pessoal com o propósito da marca. “Como mulher negra, sei muito bem como funciona esse mercado e a necessidade que a gente tem de produtos de qualidade e mais variedade.”
Em entrevista à Forbes, Fofão diz o que espera da nova posição como técnica, os desafios e as oportunidades que deve enfrentar e a importância de finalmente ter uma mulher liderando um time feminino.
Forbes: Como é ser a primeira mulher no comando de uma seleção brasileira de voleibol?
Hélia de Souza: Por um lado é uma honra muito grande, mas por outro é um pouco triste, até porque há tantos anos a gente vê mulheres no esporte e só agora isso está acontecendo. Então é uma mistura de felicidade com tristeza, de saber que isso não aconteceu anteriormente, mas uma oportunidade de começar a abrir esse caminho e motivar outras mulheres.
F: O Brasil tem um histórico de técnicos homens. Você acredita que estar nessa posição pode abrir espaço para outras mulheres no esporte?
HS: Eu acredito que as mulheres vão começar a ter um pouco mais de expectativa, vão acreditar que é possível. Porque quando a gente não tem referências, a gente perde um pouco a expectativa e a noção da realidade. Então acredito que estar à frente da seleção vai motivar as mulheres e dar visibilidade, e isso vai ser muito importante para as gerações futuras. E eu espero conseguir fazer bem feito porque as mulheres precisam disso.
F: Na sua opinião, uma técnica mulher consegue entender melhor as atletas? Como a equipe feminina pode ganhar com isso?
HS: Eu acho que sim, acho que uma mulher técnica consegue entender o lado feminino. Até porque eu fui atleta, vivi muitas coisas dentro de quadra, então com certeza a sensibilidade é maior. E eu acho que o ganho é poder muitas vezes ter ideia do que está acontecendo, saber que muitas vezes não é um problema dentro de quadra, às vezes é um problema de mulher, e isso acontece muito. Então acho que é ter esse entendimento do que é ser atleta e do que é ser uma atleta mulher. Essa minha vivência como jogadora vai me dar lucidez para entender tudo isso e poder contribuir para que não interfira no resultado dentro de quadra.
F: O que você carrega das suas vitórias na carreira que agora vai poder passar para as atletas na posição de técnica? E qual a diferença entre ser treinada e treinar uma equipe?
HS: Na minha vida como atleta, tive vitórias e derrotas, e isso dá um ensinamento muito grande, mas as vitórias ensinam muito pouco, a gente aprende muito mais com as derrotas. Eu tenho muita coisa que eu quero passar pra elas, sobre a importância da seleção brasileira, da responsabilidade de serem atletas de seleção. E a diferença entre treinar e ser treinada é a visão. Quando a gente treina a gente tem uma visão dentro de quadra, eu tinha uma visão mais ampla como levantadora, tinha que tomar atitudes em milésimos de segundo. Como técnica, talvez tenha um tempo maior para pensar e agir. Agora do lado de fora vou ter que observar o conjunto, e não só a minha estratégia, tanto das jogadoras que estão em quadra quanto das que vão estar no banco.
F: Em quem você se inspira enquanto técnica?
HS: A minha inspiração enquanto técnica vai ter um pouquinho de todos os técnicos que passaram pela minha vida, que de alguma forma foram importantes e contribuíram para o meu desenvolvimento enquanto atleta. Eu acredito que a gente tem que pegar o que os técnicos têm de bom e fazer a própria maneira de liderar. Eu espero ter a mesma tranquilidade do Zé e a mesma atitude em alguns momentos do Bernardinho, que foram pessoas que fizeram muita diferença na minha vida. Se eu tiver um pouquinho de cada um desses dois, com certeza vou estar indo para um bom caminho.
F: Quais desafios você deve enfrentar nesta nova posição?
HS: Eu acredito que vão ser muitos. Vai existir uma pressão, como vou ser a primeira mulher dirigindo uma seleção, as pessoas vão estar de olho, vão querer ver resultado e isso pode gerar muita ansiedade de querer fazer um trabalho bem feito. E os desafios de construir uma boa seleção e conseguir passar os meus ensinamentos para essas jogadoras mais jovens, não só da quadra mas de como ser um boa atleta.
F: Qual a expectativa para a seleção sub-17 feminina de vôlei este ano? O que você espera conquistar?
HS: A expectativa é ver a evolução delas do momento em que elas chegarem até o momento em que elas saírem. Quero fazer com que elas tenham muita vontade de voltar, que não desanimem, não se desmotivem. Temos um campeonato sul-americano americano, não temos a exigência de ganhar o título, mas a gente vai trabalhar pra isso, para ter um bom desempenho e para que a gente tenha excelentes jogadoras futuramente.
F: O que você diria para jovens atletas e meninas que querem fazer carreira no esporte?
HS: Eu digo sempre que o esporte precisa ter muito foco e dedicação. Sem isso, fica muito difícil chegar em algum lugar ou alcançar algum objetivo. Então, se dedique muito, corra atrás de verdade daquilo que deseja, não é um caminho simples, mas quando a gente entende que é isso que quer pra vida, a gente vai lutar por esse espaço, não desistir quando as pessoas falarem não, e entender que cada um sabe onde pode chegar e tem o seu limite.