Joana Fleury lidera, no Brasil, a divisão de produtos que deu origem ao grupo L’Oréal, há mais de 100 anos. A área, que inclui as marcas profissionais, aquelas usadas em salões de beleza – Kérastase, L’Oréal Professionnel e Redken –, teve crescimento mundial de 18% em 2022, com destaque para as vendas no mercado brasileiro. “Estar à frente dessa divisão no maior grupo de beleza do mundo é uma responsabilidade enorme, que obviamente tem um peso de cifra, mas também uma responsabilidade social que me motiva”, diz ela, a primeira mulher brasileira a ocupar o cargo.
Foi justamente o caráter social da divisão, com uma forte atuação para formar cabeleireiros por meio do Instituto L’Oréal e da doação de bolsas de estudos, que chamou a atenção de Joana. Isso depois de ouvir da então presidente da L’Oréal Brasil, a belga An Verhulst-Santos, hoje à frente da empresa no Canadá, que essa divisão “transforma vidas”. “Me pergunto todos os dias como posso usar a responsabilidade de carregar essas marcas para deixar um legado por meio das pessoas que emprego e dos investimentos que nós fazemos.”
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Ao longo da sua jornada, ouviu de chefes e pessoas do seu time que sua liderança combina motivação e empatia com foco nos resultados do negócio. “Eu não cheguei aqui porque eu sou uma pessoa empática, e sim porque entrego resultado e consigo crescer”, diz a executiva, que acredita que, para além dos números, “o que faz realmente a diferença é a forma como a gente constrói a nossa trajetória.”
À frente da divisão de produtos profissionais há um ano e meio, Joana lidera os lançamentos internacionais no mercado brasileiro e cria estratégias específicas para o público local.
Papel da líder
A executiva vem do marketing, não tem histórico em tecnologia, mas está há 15 anos em diferentes cargos de liderança e guia o time para que tecnologia e sustentabilidade estejam no centro da estratégia. Na entrada da Academia L’Oréal, espaço em São Paulo de especialização de cabeleireiros, o app iNOA ID ajuda profissionais e clientes a escolher a coloração usando um filtro que simula as cores no cabelo. O espaço também traz ao Brasil uma tecnologia que reduz o consumo de água nos lavatórios dos salões de beleza em até 69%. Este ano, a divisão liderada por ela também estreou no metaverso, com avatares com diferentes estilos de cabelo.
“À medida que você vai ficando mais sênior, cada vez menos é sobre saber fazer, e muito mais sobre construir e direcionar seu time, como um técnico de futebol”, diz Joana, que assumiu uma posição à frente de e-commerce 15 dias antes de a pandemia estourar, e cuidou da precificação da divisão em que atuava – mesmo sem ter as hard skills para isso. “Daí a importância de construir times que são complementares e não um espelho da gente.”
Com seu background em empresas de bens de consumo, como a Unilever, a executiva entrou na L’Oréal para trabalhar na divisão de grande público, à frente de marcas como Garnier e depois Niely, que podem ser encontradas em canais de varejo.
O sonho da multinacional
Carioca de Jacarepaguá, zona oeste do Rio, Joana vem de uma família sem qualquer histórico no mundo corporativo. “Sempre tive o sonho de trabalhar numa multinacional, mesmo sem saber exatamente o que era isso.”
Esse sonho parecia ter caído por terra quando, recém-formada na faculdade, não conseguia emprego. “Fui uma boa aluna, fiz uma boa faculdade, mas não consegui entrar na multinacional de cara porque não tinha preparo emocional”, lembra ela, que ouviu esse feedback em uma entrevista de emprego.
Depois de dois anos como faz-tudo em uma pequena empresa na Tijuca, deixou o Rio de Janeiro para ser trainee da Unilever em São Paulo. “Não tinha um parente em São Paulo, tinha pisado aqui no máximo duas vezes na vida”, diz ela, que ficou 11 anos na capital paulista, onde fez amizades que viraram família, e também onde nasceu sua primeira filha e veio o “job description mais desafiador” que recebeu. “Foi quando vieram um monte de questionamentos sobre família, sobre me conectar de novo com a minha essência, com a praia, e por isso voltei para o Rio de Janeiro.”
Liderança feminina
Joana saiu da gigante de bens de consumo para conhecer uma cultura empresarial diferente, e trocou os 12 mil funcionários da Unilever pelo escritório de 30 pessoas da Yum! Brands, holding dona das marcas KFC, Pizza Hut e Taco Bell. A empresa estava sob a liderança da sua antiga chefe Andrea Rolim, hoje presidente da Kimberly-Clark Brasil, que também inspirou a carioca por ser uma “líder humana” e que trabalhava de tênis – quando nada disso era moda. “Ela me ensinou muito. Ter essa inspiração no meu dia a dia fez toda a diferença para que eu assumisse tudo o que eu sou.”
A maternidade também ajudou a colocar as coisas no lugar. “Minha história profissional se entrelaça com a dos meus filhos”, diz a executiva, mãe de três. Logo que voltou da licença-maternidade do segundo filho, descobriu que estava grávida de novo. “Me deu um pânico, mas quando fui falar com meu chefe na época [o francês Dominique Marceau, hoje CFO da L’Oréal no Canadá], ele me tranquilizou, dizendo que o trabalho é passageiro, mas o filho é pra sempre.”
E quando voltou da terceira licença, foi surpreendida com uma promoção para uma área maior. “O sistema pressiona, mas muitas vezes, nós, mulheres, trazemos uma autocobrança a mais, que não ajuda o sistema a melhorar”, diz ela. O olhar empático que oferece a outras mulheres nem sempre foi o que recebeu de si mesma. “Parecia que eu estava falando com um espelho”, lembra Joana sobre a mentoria que deu para uma jovem soteropolitana de 28 anos pelo programa Power Talks, promovido por uma das marcas da empresa em parceria com a ONG Alumna. São 150 mentoradas de todo o Brasil este ano e mais 450 em 2024. Ao todo, 9% das mentoras são do Grupo L’Oréal, enquanto 84% são do setor privado e o restante do setor público e terceiro setor, conforme as áreas de atuação das mentoradas.
A L’Oréal Professionnel também lançou um programa este ano, o Head Up, focado na saúde mental dos cabeleireiros. Mais de três mil profissionais brasileiros participaram dos treinamentos online, que ajudam a equilibrar questões de trabalho, vida pessoal e bem-estar. A empresa ainda lançou a Escola de Beleza da Pequena África, região portuária do Rio de Janeiro, onde fica a sede, e o programa “Beleza PRO do Futuro”, que oferece formação para mulheres em vulnerabilidade social. “A multinacional tem um lado da possibilidade, do ponto de vista do investimento, da pesquisa científica por trás dos produtos e dos projetos sociais que impactam a sociedade. Mas no fim do dia é como a empresa lá da Tijuca, pode ter muito ou pouco dinheiro e tecnologia, mas você não move um copo sem as pessoas.”
A jornada de Joana Fleury, head da divisão de Produtos Profissionais da L’Oréal Brasil
Primeiro cargo de liderança
“Como gerente de trade marketing regional de vendas na Unilever, quando me promoveram de volta para o Rio de Janeiro.”
Turning point da carreira
“Acho que foi com o nascimento da minha filha. Eu já era diretora quando ela nasceu, então o crescimento na carreira até aconteceu antes, mas foi ali que eu comecei a me tornar a líder que eu sou hoje. Comecei a reaproximar a ‘Joana pessoa’ da ‘Joana profissional’ e fazer dessas duas coisas um estilo de liderança.”
Quem me ajudou
“Minha terapeuta maravilhosa de São Paulo, que na época foi fundamental, a Andrea Rolim, que é minha chefe, amiga, mentora, tudo, a minha coach e minha família. Parece bobeira, mas não é. As minhas três maternidades, meu marido, minha mãe foram as pessoas que com certeza mais me ajudaram a ir trazendo a Joana para o jogo.”
O que ainda quero fazer
“Eu quero transformar o mundo (risos). Desenhei um mundo para o meu time e falei ‘gente, não é que eu quero viajar, eu quero fazer alguma coisa pelo mundo’. Eu tenho um desejo, uma coisa muito pessoal de fazer alguma coisa maior pelo outro, hoje eu faço isso através do meu trabalho. Quando eu dou as bolsas de estudo, quando eu discuto como a gente vai reduzir o consumo de água, quando eu penso nesses projetos de como transformar o salão de beleza em um lugar de alto impacto social, isso me preenche, mas eu quero mais. Quero cada vez mais sentir que eu posso contribuir para a sociedade e sair desse mundo sabendo que eu ajudei alguém.”
Causas que abraço
“Com certeza isso de ser quem você é. E eu não chamo de vulnerabilidade, porque eu acho que a vulnerabilidade combina com quem é vulnerável, e tem gente que não é, e tudo bem, maravilhoso se você for uma pessoa super autoconfiante. Abraçar quem você é foi o que me trouxe até aqui. E a causa feminina, eu sou uma mãe de três filhos, mulher, não consigo desassociar isso. E acho que os homens também têm uma participação muito importante. Quanto mais os homens tirarem deles esse papel do super homem, do provedor, que não chora, melhor para todo mundo e mais tranquilo a gente vai ficar em ser quem é.”
Formação
Comunicação e marketing pela ESPM e MBA em gestão empresarial pela Fundação Dom Cabral.
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Quinzenalmente, a Forbes publica a coluna Minha Jornada, retratando histórias de mulheres que trilharam vidas e carreiras de sucesso.