Rebeca Andrade voltou para o Brasil dos Jogos Pan-Americanos do início deste mês com quatro medalhas: duas de ouro, uma delas no individual geral, e duas pratas. Isso foi depois de menos de um mês da volta do Mundial de Ginástica Artística, na Antuérpia, de onde voltou com um ouro no salto – superando a lenda da ginástica Simone Biles -, prata no individual geral e no solo e um bronze na trave, além de ter contribuído para as brasileiras terminarem com uma prata na pontuação geral de equipes.
Nas Olimpíadas de Tóquio 2020, Andrade se tornou a primeira brasileira a levar para casa mais de uma medalha nos jogos com um ouro no salto e uma prata no individual geral. E já foi, inclusive, “coroada” e reverenciada por Biles – que voltou a competir no final de setembro após dois anos de pausa para cuidar da saúde mental – em uma das premiações do mundial deste ano, como um gesto de admiração da norte-americana pela brasileira.
QUE MOMENTO! Simone Biles, o maior nome da ginástica mundial, “passou a coroa” pra Rebeca Andrade, uma das maiores atletas brasileiras da história!pic.twitter.com/Fa71dh89Uo
— Dibradoras (@dibradoras) October 8, 2023
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No início deste mês, Rebeca conversou com a Forbes sobre como cuida da sua saúde mental, seu treinamento para os Jogos Olímpicos de 2024 e os aprendizados que teve em momentos difíceis.
Forbes: Você volta com medalhas dos Jogos Pan-Americanos após ganhar várias outras no Mundial de Ginástica. Como você lida com a pressão que vem após inúmeros bons resultados?
Rebeca Andrade: Eu aprendi e entendi que a expectativa dos outros não está no meu alcance, não está no meu controle. A única pessoa que eu posso controlar sou eu. Então, eu não me sinto pressionada para voltar com uma, duas, três, quatro, cinco, seis medalhas para o Brasil, sabe? Eu me obrigo a chegar na competição e fazer o meu máximo, o meu melhor, diante das situações que eu vou ter ali dentro daquele ginásio daquele dia. Então, o resultado é consequência, a minha parte eu estou fazendo, que é treinar muito, que é chegar naquela competição, estar feliz e saudável e fazer o melhor que eu tiver para fazer naquele dia.
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É claro que todo mundo vai para uma competição e quer ganhar uma medalha, ninguém está lá para perder isso, é óbvio. E eu também sou esse tipo de pessoa, eu quero ter os melhores resultados que posso ter na minha vida. Mas eu também entendo que o resultado é muito consequência do que eu vou fazer naquele momento. Então, se eu estiver focada no que as pessoas esperam que eu faça, no que as pessoas esperam que eu ganhe naquele momento, eu não vou estar focada no que é essencial, que é o que eu preciso fazer ali na hora da competição.
F: A equipe brasileira recebeu a medalha de prata no geral do Mundial de Ginástica. Qual característica de cada uma das outras competidoras brasileiras você acha que contribuíram para esse resultado?
RA: Todas, com a sua ginástica e dedicação, prontas para fazer o máximo e dar o melhor. A Jade com muita experiência, a Lorrane super bem preparada para fazer uma paralela, a Julia, chegando nova e fazendo um solo impecável, conseguiu se manter firme em uma trave mesmo com queda e, a Flávia, nem se fala do carisma, da beleza e da sua ginástica impecável. O que fez toda diferença mesmo é que a gente estava muito, mas muito unidas para mostrar e dar tudo o que a gente tinha naquele momento. A gente estava lá pela equipe – a multidisciplinar, a de atletas e a de treinadores – e muito focadas. Deu tudo certo! A gente se orgulhou bastante e choramos muito. Era uma medalha muito esperada e muito sonhada por tantas gerações e pessoas. Me sinto muito honrada e orgulhosa por ter estado nessa equipe – por ter sido uma das meninas que contribuiu para que essa medalha viesse.
F: Como você escolhe as músicas que dança nas competições?
RA: Algumas músicas eu realmente escolhi, mas as de 2016 (Beyoncé) e de 2020 (Baile de Favela) foram surpresas do Rhony [coreógrafo]. As desse ano eu participei da escolha, que foram “End of Time” da Beyoncé e “Movimento da Sinfonia” da Anitta. Eu me senti super conectada com as batidas das músicas e muito por poder me apresentar vendo que o público gostou mesmo depois de eu deixar a música “Baile de Favela”.
F: Você já lidou com questões de saúde mental ao longo da sua carreira? Como você faz acompanhamento relacionado a isso?
RA: Faço acompanhamento psicológico desde os meus 13 anos, o que fez toda a diferença para mim. A Aline, minha psicóloga desde o início da minha mudança de pré-adolescente para adolescente e para a fase adulta. Ela me ajudou a me conhecer, a me respeitar e a entender o meu corpo e a minha mente. Isso para mim foi o que fez toda a diferença. A minha equipe entendendo isso foi o que fez a gente chegar até aqui. Não lembro de uma situação específica, mas com certeza já tive alguma situação com saúde mental que enfrentei com muita força, porque a Aline estava sempre do meu lado.
F: Quais aprendizados você tem tirado de competir com Simone Biles, que voltou a competir este ano após tirar licença para cuidar da sua saúde mental?
RA: Eu senti que ela [Simone Biles] estava muito feliz e muito mais leve competindo. Ela até fez uma fala ou uma postagem dizendo que, antes, as pessoas decidiam o que ela ia fazer e que, hoje, ela tem esse controle. É muito importante a gente se conhecer e respeitar as nossas escolhas, o nosso corpo e a nossa mente.
A Simone foi uma das pessoas que me inspirou a me respeitar mais. Logo depois das Olimpíadas de 2021, a gente teve um campeonato mundial no Japão e eu decidi não fazer solo. Muitas pessoas questionaram, só que não havia necessidade. Claro que a gente fica chateada de abrir mão de fazer mais uma final, mas eu saí daquela competição com mais um ouro no salto e com uma prata na paralela – o que era meu sonho porque esse é o meu aparelho favorito. De algumas coisas vale a pena a gente abrir mão por causa da nossa saúde, e foi isso que eu aprendi com ela. O respeito que ela se deu para ficar mais afastada e voltar para o seu eixo foi essencial e algo admirável.
F: Você já passou por muitos momentos desafiadores para a sua carreira, como as lesões no joelho. O que você aprendeu nesses momentos de dificuldade?
RA: O que eu aprendi foi: continuar acreditando, não perder a fé trabalhando duro e correndo atrás do meu. Eu entendo que todo mundo tem alguma coisa difícil para superar e um momento para avançar. No meu caso foram as minhas lesões, mas cada pessoa tem alguma coisa – não é só para mim que está sendo difícil. É entender isso e acreditar que eu tenho toda a capacidade do mundo para continuar dando o meu melhor e chegar ao meu máximo quando eu estiver pronta mantendo a minha alegria, a minha positividade e meu respeito com todos os profissionais – está todo mundo querendo o melhor para mim.
F: Além de treinar, o que faz a Rebeca quando volta das competições nacionais e internacionais? Como será a sua rotina de preparação para os Jogos Olímpicos de 2024?
RA: Quando eu volto de competições, a primeira coisa que eu quero fazer é descansar, dormir e comer uma arroz com feijão – eu sinto muita falta de arroz e feijão quando estou fora do país. A minha rotina de preparação para os Jogos Olímpicos está sendo de treinamentos agora em novembro. Vou tirar uma folga de 10 dias nesse mês também, mas em dezembro vamos voltar treinando firme porque ano que vem os Jogos Olímpicos estão aí. Quero chegar lá da melhor maneira possível: muito saudável e muito feliz para conseguir realizar tudo que a gente espera dentro dos jogos. Quem faz todo o planejamento do treinamento é o nosso treinador, mas a questão de treinar é isso: treinamentos intensos para a gente estar preparada para dar o melhor.
F: Você tem cada vez mais se tornado referência para outras ginastas e meninas seguindo o mesmo caminho. Qual o legado você gostaria de deixar no esporte? O que você deixaria de mensagem para elas?
RA: Acho que o meu legado não é só o que eu vou deixar para as pessoas e, sim, o que eu vou deixar nos corações das pessoas. É essa questão de acreditar, de ir atrás dos seus sonhos, de entender que é difícil e que as dificuldades fazem parte. Essa é a mensagem que eu gostaria de deixar para elas: a dificuldade faz parte do seu processo também e é importante você entender que vão ter momentos ruins e bons e que você vai ter que viver todos eles. Você tem que acreditar que aquela coisa que você está passando é porque você precisa passar.
Passar pelos seus momentos, ter pessoas que acreditam em você e que querem o melhor para você. O sonho e o objetivo podem ser em conjunto com outras pessoas, mas você precisa querer sempre mais no seu coração. Eu sempre falo: “Eu não seria a atleta que eu sou hoje se o Chico [treinador] quisesse mais do que eu”. Para eu me tornar uma grande ginasta, eu preciso me doar por inteiro, assim como ele, como treinador, se doou por inteiro para mim. Eu sempre quis muito ser uma grande atleta. Vou sempre meu sonho e, depois, se tornou meu grande objetivo. Ter sempre a equipe e uma rede de apoio gigantesca ao meu lado também fez toda a diferença.
O que eu posso passar para as pessoas que querem estar no esporte ou alcançar grandes coisas em suas vidas é correr atrás, entender que é difícil e superar esses momentos, além de aproveitar cada momento de felicidade ou de tristeza. Depois dos momentos de tristeza vem a alegria.