“Um estado naufragado. Nada ficou no lugar. A água invadiu existências desprevenidas. Caos. Quem poderá, agora, assegurar a essas almas desoladas que temporais não irão novamente inundar suas vidas e memórias?” Foi assim que a jornalista, empreendedora e ativista humanitária Gabriela Bordasch descreveu o cenário de guerra que presenciou durante a maior enchente do Rio Grande do Sul, no último mês de maio.
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O historiador holandês Rutger Bregman, autor de “Humanidade: Uma História Otimista do Homem”, apresenta a natureza humana como essencialmente boa. A tendência é que, em uma situação de estresse social limite, aflore o que há de melhor em nós.
O termo humanidade, do latim Humanitas, faz referência ao conjunto de todas as pessoas do mundo, mas também aos atos de solidariedade, que são praticados pelos humanos. É esse sentimento de bondade e compaixão em relação ao próximo que me interessa para este artigo.
Uma das principais tarefas na vida é saber identificar o que está sob o nosso controle. Muitas vezes, achamos que não há nada que possamos fazer. “O mundo é um lugar injusto.” “A culpa não é minha.” “A vida é isso mesmo.” Logo, deixamos de agir por acreditar que somos seres separados.
Felizmente, não há nada mais poderoso do que a experiência da compaixão para provar que o objetivo supremo da humanidade é a conexão.
Nós somos UM.
Foi assim que surgiu o grupo “Desapegos Ajuda RS”, no WhatsApp, formado por três amigas que decidiram usar suas condições privilegiadas para impactar positivamente o mundo. Imbuídas do propósito de ajudar aqueles que perderam absolutamente tudo no Rio Grande do Sul, elas começaram uma campanha com amigas e amigas de amigas para doação de peças usadas ou novas, serviços e tudo o que pudesse arrecadar dinheiro para contribuir com as 615 mil pessoas que foram forçadas a deixar suas residências no último mês.
Tanise Sirotsky Dvoskin Dutra, amiga amada que a vida me presenteou, tem o poder de mudar a energia por onde passa. Parece até feitiçaria. A alegria e generosidade dessa gaúcha são contagiantes, e ela sabe disso. A Tati é uma das pessoas mais gratas que conheço e decidiu usar uma das suas virtudes mais notáveis para ajudar o próximo: seu poder de influenciar.
Conseguir avaliar as suas fortalezas e usá-las não apenas para si, mas para a humanidade, é a ferramenta mais potente que existe. Quantas vezes nos pegamos achando que o que temos para oferecer não serve.
“Como fazer a diferença no mundo se não tenho a fortuna da Melinda Gates ou da Mackenzie Scott?”
Autoconhecimento é a resposta.
Trazer luz a uma situação obscura pode estar ligado à criatividade, ao despertar de ideias ou às suas habilidades mais primárias. Quando algo ou alguém nos ilumina, somos impulsionados a agir, buscar e criar soluções.
Em apenas quatro semanas, as corajosas Tanise Sirotsky Dutra, Bárbara Jalles e Patrícia Spinelli conseguiram arrecadar mais de R$ 1,5 milhão (até agora), que foram destinados a cinco entidades no Rio Grande do Sul. Se não bastasse isso, decidiram transformar o grupo no Instituto Ilumina, que nasce com o propósito de ajudar causas por todo o Brasil.
“Fazemos a nossa vida pelo que recebemos. Fazemos a nossa existência pelo que doamos.” Winston Churchill.
No juridiquês, doação é o contrato pelo qual uma pessoa transfere gratuitamente um bem, imóvel ou um direito para outra. Eu acredito que doação seja a forma de colocar a sua fé em prática, sem precisar de “papel passado”. Quem você é, é mostrado através de atitudes que você coloca no mundo e do tanto de coisas positivas que você espalha.
“Não vamos parar”, evocou Tanise, sobre a ambição que as três fundadoras estabeleceram para o Instituto Ilumina. Hoje, o Instituto é formado por 1024 mulheres iluminadas e empenhadas em fazer o bem. Mas é só o começo.
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Aproveito para agradecer e celebrar todos os voluntários – heróis anônimos – que resgataram, acolheram, e alimentaram famílias inteiras. Todos que doaram dinheiro – pouco ou muito. Todos que investiram tempo e criatividade, como os alunos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com seus rodos “mágicos”. As comunidades que seguem buscando recursos para construir pontes – emocionais e físicas, como a família Heineck da Docile e os Amigos do Vale com a campanha “Juntos Pela Ponte”. Todas as indústrias, comércios e empresários que seguem incansavelmente focados na reconstrução do estado e no cuidar das pessoas, como a Tramontina, fundada em 1911 em Carlos Barbosa, que vive o seu propósito de transformar vidas.
Desejo que não precisemos de tragédias para nos motivar a praticar nossa humanidade. Pequenos atos de solidariedade, diariamente, fazem toda a diferença para o mundo.
Não há nada melhor para oferecer à humanidade do que esperança na humanidade. Fazer o bem é extremamente contagioso, hereditário e viciante. Experimenta!
P.S.: Como cidadã brasileira, me preocupo com o fato de que o Rio Grande do Sul perdeu, aproximadamente, 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos 40 anos, o equivalente a 22% de toda cobertura vegetal original do estado, de acordo com o portal MapBiomas. Sim, o assunto é sério e demanda atenção dos nossos governantes. Lembrem-se, neste caso, temos sim o controle e o poder para exigir mudanças.
Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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