Vou dizer uma coisa que parece óbvia, mas que diante do que se convencionou entender como “tecnologia”, acredito ser ainda necessário. A tecnologia não se limita a máquinas, algoritmos, softwares e afins. Há um conceito complementar, uma “variante”, que eu diria inclusive ser um termo mais alinhado às narrativas de regeneração do mundo, que muita gente gosta de falar, mas poucos gostam de entregar de fato, conhecido como tecnologia social.
Tecnologias sociais são soluções inovadoras que resolvem problemas da sociedade. Atuam no âmbito social, econômico e/ou ambiental de forma sistêmica e escalável, incidindo na estrutura que mantém grupos vulnerabilizados à margem dos grandes movimentos de desenvolvimento. E, obviamente, boa parte do que acompanho no Brasil e no mundo de tecnologias sociais sendo criadas e aplicadas emerge destes mesmos grupos, principalmente das mulheres. Sobretudo mulheres negras, indígenas e LGBTQIAP+.
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A Feira Preta, que com muito trabalho, pesquisa, dedicação e, claro, estratégia, tenho muito orgulho de ter criado há mais de 20 anos, é um exemplo vivo de tecnologia social que entrega um ecossistema de soluções que promovem o desenvolvimento de pessoas negras. Esse ecossistema, que está neste momento estruturando um rebranding fortíssimo para acompanhar seu trânsito pelo mundo, soluciona um problema estruturante: o acesso de pessoas negras à renda. Sim, dinheiro. E fazemos tudo isso com base na economia criativa preta, que, por si só, representa uma solução para um mercado que historicamente não oferece oportunidades nem absorve talentos negros, aproveitando a inventividade e criatividade dessa população.
A gente entrega, a partir do desenvolvimento empreendedor nas mais diferentes áreas, mas sobretudo aqueles que se relacionam com a cultura e a estética negra, o desenvolvimento de habilidades técnicas, criativas e emocionais, o acesso a investimento, crédito e mercados. Também entregamos o maior festival de cultura e empreendedorismo negro da América Latina, o Festival Feira Preta, e atuamos com incidência política e geração de dados que estruturam todo esse trabalho.
Isso tem feito essa tecnologia social criada por uma mulher negra brasileira, e que hoje é estruturada e operada por muitas mentes e corpos negros – e alguns aliados – correr o mundo, seja em atuação, reconhecimento e convites de compartilhamento de saberes. Estamos compartilhando com o mundo essa TECNOLOGIA, que faz uso do que se convenciona chamar de tecnológico, mas não se limita a isso, pois reconhece e aplica os saberes que atravessam os tempos e as dimensões a partir do sentir e da oralidade. Ancestralidade originária negra aplicadíssima.
Recentemente, estive nos EUA em uma agenda de encontros estratégicos com figuras negras importantes no âmbito da articulação política e cultural do desenvolvimento negro global. Eram profissionais de diferentes áreas, militantes, empresas e marcas, com uma agenda extensa de eventos e reuniões diversas por ocasião do SDGs (Sustainable Development Goals) in Brazil 2024, da ONU, e também um convite mega especial para apresentar a Feira Preta no Clinton Global Initiative, um dos mais importantes eventos da Clinton Foundation, que tem como proposta catalisar a transformação necessária no mundo.
Lá, inclusive, foi onde acompanhei os diálogos mais avançados sobre as urgências contemporâneas para o desenvolvimento da população negra e indígena. Fomos além dos diálogos sem encaminhamentos concretos que acontecem com frequência – com muito holofote e dinheiro gasto –, a representatividade vazia do “diversity washing”, do qual, sinceramente, estou bem cansada. Estar ali, compartilhando o impacto da Feira Preta e conhecendo outras iniciativas globais reforçou a convicção de que nossa tecnologia social tem um papel fundamental na construção de um futuro mais inclusivo.
Essa presença em espaços internacionais reflete o reconhecimento global da importância de fortalecer a economia criativa negra e da necessidade urgente de promover inclusão em nível sistêmico. Estamos levando a voz do afroempreendedorismo brasileiro para além das fronteiras, demonstrando que soluções nascidas no “Sul Global” têm muito a contribuir para o avanço da justiça social em todo o mundo.
E na estreia da minha coluna neste espaço, a partir da apresentação de minha própria jornada, faço um convite para que você, leitora e leitor da Forbes Mulher, acompanhe minha escrita. Porque é aqui que vou compartilhar com vocês insights, inovações e tendências sobre negócios e tecnologias diversas criadas por mulheres como a canadense Oluwakemi “Kemi” Oritsejafor, a nigeriana Nkiru Balonwu e a brasileira Raquel Virgínia. Mulheres que têm invertido a lógica, pois desafiam o mercado, uma vez que lucram, sim, mas de forma distributiva, que é o que eu acredito e que, sim, é o que vai regenerar o mundo.
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*Adriana Barbosa é diretora executiva da PretaHub e fundadora do Festival Feira Preta, maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina. Foi reconhecida como a primeira mulher negra entre os Inovadores Sociais do Mundo em 2020 pelo Fórum Econômico Mundial e passou a integrar o time de empreendedores sociais da Rede Schwab.
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