Head global de creators do TikTok, Kim Farrell já é um rosto familiar entre os milhares de criadores de conteúdo da plataforma – conhecida como a “gringa mais brasileira”. É fluente em português e viveu por 10 anos no país antes de trocar São Paulo por Los Angeles para assumir a atual posição. “Minha experiência no Brasil moldou tudo o que eu construí no último ano com o time global”, afirma a executiva, que abriu a quarta edição do TikTok Awards na última terça-feira, 17, em São Paulo.
Ao lado do head global de conteúdo da plataforma, James Stafford, Kim foi recebida com aplausos pela plateia. “Posso afirmar como uma gringa apaixonada pelo Brasil que aqui existe uma coisa inédita: essa comunidade. Trouxe meu chefe de Londres para sentir também”, disse ela, antes de traduzir algumas frases com o jeitinho brasileiro para o britânico.
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Kim Farrell chegou ao TikTok em 2020 e liderou as operações da plataforma na América Latina por quase três anos. Eleita uma das melhores CMOs pela Forbes Brasil em 2022, Kim foi uma das responsáveis por levantar a primeira edição do TikTok Awards em 2021 e exportar a ideia globalmente. Neste ano, a premiação da quinta rede social mais usada do mundo acontece em 21 países. “Testamos o evento aqui e, no fim, foi um sucesso. Desde então, ele só cresce. Tenho muito orgulho de como refletimos esse trabalho no mundo.”
“Nunca poderia ter escrito no papel dez anos atrás que seria head de criadores do TikTok. Mas não acho que foi por acaso que eu acabei indo atrás desse tipo de papel.”
Uma gringa brasileira
Antes de assumir como diretora de marketing do TikTok para a América Latina, a norte-americana passou por empresas como Booking e Google. Chegou ao Brasil como líder de marketing da big tech em 2013, mas se encontrou na cultura brasileira muito antes de iniciar sua trajetória profissional no país.
Nascida e criada em Boston, Massachusetts, nos EUA, a executiva cresceu com uma veia internacional: na adolescência, morou com estudantes internacionais quando não estava em outro país fazendo intercâmbio. “Minha família incentivava muito esse contato com outras culturas. Sempre senti que tinha muito para aprender.”
Foi assim que conheceu brasileiros que moravam na sua cidade e foi se encantando pela cultura. “Senti um calor e uma paixão para viver que é muito única do Brasil. Esse senso de comunidade, família e amigos me chamou para cá.”
A conexão foi tanta que a norte-americana decidiu estudar sobre o Brasil na graduação e se formou com honras em Estudos Latino-Americanos e Políticas Governamentais pela Universidade de Harvard. “Percebi que era isso que queria para a minha vida.”
Foram dez anos vivendo e trabalhando no país, entre idas e vindas para os EUA, antes da proposta para assumir como head global de creators do TikTok, baseada em Los Angeles. “Foi uma decisão muito difícil, mas sabia que poderia manter uma conexão com o Brasil. Senti uma responsabilidade com o meu time daqui de assumir essa posição e levar tudo o que a gente fez para essa esfera global.”
Hoje, Kim vive entre reuniões, viagens ao redor do mundo e encontros com criadores de conteúdo, mas também faz questão de reservar um tempo para turistar e usar suas redes para compartilhar um pouco da vida e do trabalho. “Se eu posso mostrar como eu sou, como eu cheguei onde estou e que consigo continuar sendo autêntica, talvez ajude outras pessoas a perceberem: ‘Ela pode se divertir e ainda ser uma executiva, crescer e ter uma carreira em diferentes países.”
Confira, abaixo, destaques da entrevista com Kim Farrell, head global de criadores do TikTok
Forbes: Como sua vida mudou desde que você assumiu o cargo de head global de criadores do TikTok?
Kim Farrell: Estou nessa posição há um ano e dois meses, mas também continuo liderando o time Latam. Tenho essa sorte de ter as duas perspectivas, como head global de criadores e também head da América Latina.
É o melhor trabalho do mundo. Consigo trabalhar com criadores ao redor do planeta, com todas as suas diferenças, mas também todas as coisas que eles precisam em comum. Cada creator que eu conheço, faço questão de tirar foto e seguir para acompanhar seus conteúdos. Por exemplo, o TikTok Awards está acontecendo em 21 países este ano, o Creator Summit rolou em quase 21 também.
Como sua experiência no Brasil contribuiu para chegar a essa posição global?
O Brasil e especialmente o ecossistema de criadores brasileiros é um dos mais diversos, criativos e autênticos do mundo. Não tem muita barreira para testar produtos. Eles usam de formas que a gente não imagina e dão feedbacks. Foi uma experiência muito rica para eu aprender como é trabalhar com criadores de conteúdo. A gente já exportou muita coisa daqui para fora, como o modelo do TikTok Awards.
É muito legal fazer isso em um mercado que não fala inglês, para ter outras perspectivas além dos Estados Unidos. Sendo americana, consigo ter mais conhecimento com o mercado do Brasil e da América Latina. Essa experiência moldou tudo o que eu construí agora com esse time global.
Como foi assumir essa posição um ano atrás e ter que deixar o Brasil?
Foi muito difícil, mas sabia que poderia manter uma conexão com o Brasil. Senti uma responsabilidade com o meu time daqui de assumir essa posição e levar tudo o que a gente fez para essa esfera global. Hoje é um marco disso. Estamos na quarta edição do TikTok Awards no Brasil, sabendo que 20 estão acontecendo em outros países baseados no modelo daqui.
Senti essa responsabilidade. Sempre falo tanto de carreira, desenvolvimento, desafios e riscos, que senti também uma obrigação de assumir essa posição para cumprir minha palavra com o meu time de ir atrás de novas oportunidades. Hoje, eu moro nos Estados Unidos, mas só nesse ano, consegui ir para vários países para aprender, trazer ideias para o Brasil e fazer conexões. A gente tem muitas ideias para o ano que vem de colaboração com outros mercados.
Cada criador que eu conheço lá fora, quando falo que eu morava no Brasil, reage assim: “Nossa, o Brasil é a minha segunda maior audiência. Eu quero ir, os brasileiros são demais.” Eu me sinto muito privilegiada de poder representar um pouquinho do time daqui nessa posição.
Você é uma das poucas executivas gringas que decidiu vir fazer carreira no Brasil, enquanto muita gente quer fazer o caminho inverso. O que te atraiu aqui?
Eu senti uma conexão com a cultura brasileira quando estava no colégio. Senti um calor e uma paixão para viver que é muito única do Brasil. Achei muito diferente a forma como os brasileiros se conectam, com esse senso de comunidade, família e amigos. Foi isso que me chamou para cá.
Começou mesmo quando jogava vôlei com brasileiras que moravam na minha cidade. Gostei muito da vibe delas e a gente virou amigas, mesmo sem eu entender uma palavra de português. Mas eu senti essa conexão.
Quando comecei a conhecer a cultura, o idioma, a música e a comida e, depois, quando tive a minha primeira experiência no Rio de Janeiro, percebi que era isso que queria para a minha vida. Morei quase 10 anos aqui. Sinto que cresci como adulta no Brasil.
Acho que o James [Stafford,head global de conteúdo da plataforma] veio comigo para a premiação dessa vez porque ele me ouviu falar tanto do Brasil que queria vir e sentir. Ele chegou ontem e, depois de um dia aqui, já estava falando da conexão das pessoas e da receptividade.
Hoje, como funciona o seu trabalho no dia a dia?
Sendo honesta, a gente faz muita reunião. O que foi muito importante esse ano na construção do meu time foi estabelecer uma missão, visão e estratégia. Eu não queria construir uma estratégia sem referência de outros países.
Fui para o Japão ver como eles fazem eventos, acompanhei o time de Londres, assisti cases do time da Coreia, falei com o time da Indonésia, da Malásia e do Vietnã. Esse ano foi de muitas viagens para aprender e usar isso para montar essa missão e a visão que a gente tem com os criadores.
Gosto de estar o máximo possível do meu tempo com os criadores. Tento manter uma agenda nos eventos, estar nos grupos de feedback de produto, participar de reuniões de estratégia de conteúdo com os criadores para entender quais são as dúvidas, perguntas e ideias. Também faço muitos documentos para aprovar com a liderança. É uma mistura.
Você já se imaginava em uma posição com esse contato com vários países?
Sempre tive uma grande curiosidade com outras culturas. Minha família incentivava muito isso. Fiz um intercâmbio no Japão com 12 anos. Fiz outro intercâmbio em Londres como escoteira. Meus pais sempre tinham intercambistas da França, Romênia, Suécia, entre outros países morando na nossa casa. Sempre senti que tinha muito para aprender e conectar. Nunca poderia ter escrito no papel dez anos atrás que seria head de criadores do TikTok. Mas não acho que foi por acaso que eu acabei indo atrás desse tipo de papel.
Você tem uma carreira muito recheada com grandes empresas. Como foi construindo esse caminho?
Meu caminho foi guiado por paixão. Não tinha necessariamente uma visão de que queria chegar em um lugar específico. Sempre soube que eu queria trabalhar com pessoas, histórias, criatividade, tecnologia e conteúdo, e isso foi me levando. Tive muita sorte de as pessoas investirem na minha carreira, me desenvolverem e estarem abertas a me dar uma chance.
Quando entrei no TikTok, quatro anos e meio atrás, foi porque eu baixei o app, comecei a usar e percebi que era uma coisa diferente. Nessa vaga, senti que tinha muitas ideias e experiências, quis tentar e acabei conseguindo.
Como foi levantar o projeto do TikTok Awards em 2021?
Quatro anos atrás, a gente via alguns eventos com criadores acontecendo em outros países e pensamos em transformar isso em uma premiação. Fizemos a proposta e vários outros times do TikTok compraram a ideia. O Brasil estava crescendo muito, então conseguimos testar aqui para ver como seria. No fim, foi um sucesso e só cresceu desde então.
Conseguimos achar um modelo de negócio que traz um impacto real para a plataforma e que é replicado. Cada país adapta para sua cultura local. Percebemos o quanto é importante ter esse momento de conexão com a comunidade, para celebrar e reconhecer.
Como os brasileiros se destacam no cenário global da plataforma, apesar da barreira da língua?
A gente tem visto um crescimento grande de troca entre os países, mesmo de idiomas diferentes. É muito mais sobre a conexão com a pessoa. A plataforma também tem ferramentas que ajudam a traduzir o conteúdo, então isso amplia a oportunidade de audiência dos criadores do Brasil. A Camila Pudim, vencedora do melhor vídeo do ano, teve 600 milhões de visualizações em um só vídeo. Isso é um exemplo do poder de trazer uma tendência global, traduzir para o Brasil e exportar como uma sensação mundial.
O que você enxerga de tendências para os próximos anos?
A gente vê o crescimento de entretenimento, como filmes, séries e essa coisa de fã. Temas de esporte também estão em alta, assim como conteúdos educativos e de literatura. Sempre tem receitas que estouram e músicas que são resgatadas.
Você tem um gosto pessoal por alguma dessas tendências?
Consumo muito conteúdo de esporte, tanto brasileiro quanto americano. E estou viciada nas recomendações de podcasts do TikTok.
Além do trabalho como head de creators, você mesma tem uma vida ativa como criadora nas redes. Como você enxerga esse novo cenário de executivos que também são influenciadores?
Fico voltando nesse tema de responsabilidade, mas compartilho o que eu gostaria de ter como diversos exemplos. Posso mostrar como eu sou, como eu cheguei onde estou e que consigo continuar sendo autêntica. Desse jeito, talvez ajude uma outra mulher ou outra pessoa a perceber: “Ela pode se divertir e ainda ser uma executiva, crescer e ter uma carreira em diferentes países.”
Às vezes, sinto vergonha de compartilhar, mas eu aprendo e me inspiro com outras executivas e lideranças femininas do TikTok. Sinto que eu tenho essa responsabilidade de mostrar algumas partes da minha vida. Congelei meus óvulos duas vezes e postei sobre isso três anos atrás, quando você não via tanto pessoas falando sobre esse assunto. Quero mostrar que existem vários caminhos e que você pode ser quem você é.
Qual você diria que é o maior orgulho na sua carreira no TikTok até agora? Quais resultados você trouxe e como enxerga essa trajetória até aqui?
É impossível escolher um projeto ou uma iniciativa. Meu maior orgulho é ver o quanto a gente cresceu como plataforma e ver o que a gente começou lá atrás virar esses momentos ao redor do mundo. Tenho muito orgulho da equipe do Brasil, do que a gente conseguiu e aprendeu, e como estou vendo isso se refletir no mundo. Não tem uma coisa específica, é mais a jornada em si.
Hoje estava refletindo sobre como faz quatro anos desde o primeiro TikTok Awards. É o mesmo espírito, paixão e propósito, mas o tamanho da plataforma e da comunidade são totalmente diferentes. Para mim, ainda é a mesma sensação de orgulho desse time por trás.
O que você espera dos próximos passos da sua carreira? Tem algum sonho que ainda deseja realizar?
Eu sinto que ainda tenho muito espaço nessa cadeira para aprender mais com os criadores, trazer novos produtos e mais suporte, educação e oportunidade de monetização. Um ano na cadeira foi a pontinha do iceberg. Agora, é o momento de colocar a mão na massa. Estou animada para ver mais coisas como esse evento, que a gente consegue criar e expandir.