O setor de mineração está passando por uma revolução da Internet das Coisas (IoT), com empresas relatando aumentos significativos na adoção de equipamentos conectados para garantir a segurança de operações, bem como a eficiência.
Segundo os experts na tecnologia, já existem recursos capazes de prevenir acontecimentos como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro do ano passado, que matou mais de 250 pessoas e é considerado um dos maiores acidentes de trabalho da história do país. Os especialistas contratados pela mineradora creditaram o problema a uma série de fatores que levaram à liquefação, quando a mistura dos rejeitos tem excesso de água, o que deixa tudo mais instável, pressiona a estrutura e leva ao rompimento. O fato de os sensores terem falhado também contribuiu para a dimensão da tragédia.
Hélio Samora, fundador e CEO da IoT Solutions e associado da ABINC (Associação Brasileira de Internet das Coisas), explica que as soluções atuais de monitoramento são baseadas na importação, tradução e conversão das informações geradas pelos sensores. “Como existem centenas de fabricantes de sensores para mineração, o processo de importação e consolidação de dados torna-se lento e complicado, o que abre janelas para erros. Todos estes processos, que contam com inúmeros tipos de dados difíceis de entender de forma ágil, fazem que os sistemas atuais sejam lentos e não seguros o suficiente para um controle e monitoramento que precisa ser específico e ininterrupto”, diz.
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É aí que entram as soluções de IoT, capazes de extrair os dados dos sensores e enviá-los diretamente para uma solução na nuvem, sem a necessidade de conversão, sem perdas de informações e sem erros humanos. “O fator vital para isso é que a tecnologia seja cloud native, ou seja, uma solução já criada na nuvem que permita o uso das mais modernas arquiteturas, provendo velocidade e escalabilidade, sem a necessidade de enviar os dados para um servidor”, explica Samora.
Ao adotar esse tipo de tecnologia, é possível ter benefícios como monitoramento em tempo real; acesso às informações em um único sistema; e dispensa do envio de funcionários ao campo para atividades como a calibração dos sensores. Tudo isso além da redução do custo de manutenção e de propriedade.
E, ao que tudo indica, as vantagens estão sendo percebidas pelo setor. O aumento do interesse na tecnologia entre empresas de mineração é notável entre os entrevistados de um estudo divulgado hoje (13), conduzido pela empresa de pesquisa de mercado Vanson Bourne para a Inmarsat, que fornece comunicações móveis por satélite. O estudo entrevistou 200 tomadores de decisão ou com influência nos processos de compra relacionados à IoT em organizações com mais de 500 funcionários.
Mineradoras relataram sucessos na implementação de projetos para proteger trabalhadores por meio de rastreamento remoto, no monitoramento de perfuração e na observação remota de drenagem de minas de ácido. No entanto, apesar desse progresso, o relatório ressalta que existem vários desafios que estão prejudicando a capacidade do setor de colher os frutos que a IoT tem a oferecer.
De acordo com a pesquisa, boa parte das organizações (65%) implantou totalmente pelo menos um projeto de IoT, enquanto 33% estão testando ou testaram um projeto. Apenas 2% dos entrevistados não iniciaram um projeto que usa a tecnologia.
Em comparação com a pesquisa anterior de mineração da Inmarsat, realizada em 2018, apenas 2% haviam implantado completamente uma solução de IoT, 29% estavam testando fazer uma acontecer e 69% estavam planejando iniciar projetos de IoT nos próximos dois anos.
O estudo também nota uma variação geográfica considerável na adoção e maturidade da IoT em diferentes regiões: somente 38% dos entrevistados conseguiram implantar projetos que envolvam a tecnologia na América do Sul. Isso se compara com a quase totalidade de empresas do setor na América do Norte (98%), onde operações já se beneficiam da IoT, e 50% na África.
DESAFIOS
Mesmo que o aumento nas implantações de IoT – mercado que, segundo a IDC deve movimentar US$ 1,2 trilhão em 2022 em todo o mundo – sinalize progresso, o relatório nota que os casos de uso e o gerenciamento de dados são simples e empresas enfrentam muitos desafios para conseguir obter todos os benefícios da tecnologia, principalmente no que se refere ao seu uso como fator-chave da estratégia de negócio.
A falta de competências para trabalhar nestes projetos é citada como um dos problemas, bem como limitações em investimentos e resistência cultural, conectividade não confiável, processos irregulares de segurança cibernética e os processos de gerenciamento de dados que não estão suficientemente desenvolvidos para este tipo de iniciativa.
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NA PRÁTICA
A própria Vale está lançando mão do recurso em algumas linhas de projetos, principalmente de operações autônomas e de inteligência artificial. Em junho do ano passado, por exemplo, a mina de Brucutu, em Minas Gerais, tornou-se a primeira do Brasil a operar somente com caminhões autônomos fora da estrada. Com menos pessoas nas atividades de lavra, onde há movimentação de veículos pesados e grandes volumes de carga, diminui-se a exposição dos empregados a riscos de acidentes.
Os caminhões são controlados por sistemas de computador, GPS, radares e inteligência artificial e monitorados por operadores em salas de comando a quilômetros de distância das operações. Ao detectar riscos, os equipamentos paralisam suas operações até que o caminho volte a ser liberado. Os sensores do sistema de segurança são capazes de detectar tanto objetos de maior porte como grandes rochas e outros caminhões até seres humanos que estejam nas imediações da via.
Em relação ao modelo convencional de transporte, a produtividade do sistema de operações autônomas é superior, com ganhos também de sustentabilidade, como menor consumo de combustível e, consequentemente, níveis mais baixos de emissão de carbono. Com base em dados de mercado da tecnologia, a Vale espera conseguir aumento da vida útil de equipamentos da ordem de 15%. Estima-se ainda que o consumo de combustível e os custos de manutenção sejam reduzidos em 10% e que haja um aumento da velocidade média dos veículos.
Já foram iniciados os testes com esses caminhões na mina de Carajás – a maior a céu aberto do mundo –, onde até 2024 haverá 37 veículos rodando sem operadores na cabine. Mas a mineradora diz que também conta com sensores, radares e câmeras instalados em várias barragens. Os dados são acompanhados por profissionais do Centro de Monitoramento Geotécnico, inaugurado em fevereiro de 2019, que gerencia cerca de 110 estruturas. Com essa informação, a Vale consegue monitorar e tomar decisões de maneira mais segura e assertiva.
Em artigo publicado no ano passado, Hélio Samora exemplificou a gama de benefícios citando uma mineradora norte-americana que conseguiu obter uma visão incomparável dos movimentos de inclinação, com deslocamento em tempo real dos taludes, graças à implantação do sensor de streaming. Isso permitiu o seu funcionamento durante 24 horas e a consequente eliminação do custo gerado pela inatividade das operações, estimado em US$ 200 mil a cada 45 minutos.
Já a aplicação da IoT para garantir uma visualização em tempo real da integridade da barragem, deslocamentos do solo e sensores de monitoramento de águas subterrâneas para fornecer uma compreensão valiosa do movimento de superfícies inteiras, trouxe melhores custos operacionais na maior barragem de rejeitos da América do Norte. Com apenas cinco dias de implementação, a solução economizou US$ 218 mil no tempo de engenharia inicial e uma maior disponibilidade de dados, fornecendo uma estimativa anual de US$ 143 mil em redução de custo.
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