Quase uma década depois de seus primeiros investimentos na bolsa, o administrador de empresas Felipe Catão estava cansado da rotina de quase 10 horas por dia na frente de uma tela de computador, negociando ativos financeiros. O jovem investidor, então com pouco mais de 30 anos, já tinha vivido as mais variadas experiências no mercado financeiro e de venture capital: começou com penny stocks (ações de empresas falidas ou quase, normalmente abaixo de US$ 1), construiu carteiras de longo prazo, administrou fundos próprios, multiplicou o dinheiro, apostou em startups, participou da gestão dessas empresas, viu algumas crescerem e outras desaparecerem.
“Embora fosse uma atividade rentável, eu estava cansado do dia a dia e não via exatamente um propósito nesse tipo trabalho. Por outro lado, tinha vários amigos, todos bem formados, inteligentes e com ótimos empregos, mas péssimos investidores”, conta. O caminho natural foi unir o útil ao agradável. “Mas, antes de fazer qualquer coisa, eu, que tinha acabado me tornando um investidor institucional, precisei me voltar outra vez para o varejo. Foi aí que constatei que pouca coisa tinha mudado em uma década.”
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O que Catão quer dizer é que taxas de corretagem continuavam sendo cobradas a ponto de, em muitos casos, inviabilizar a entrada nesse mercado de pessoas dispostas a investir valores menores. “Além disso, as plataformas, aplicativos e interfaces continuavam tenho a mesma cara do início dos anos 2000, ou seja, nada amigáveis”, lembra. Basicamente, a única diferença que o empreendedor enxergava era um movimento grande em prol da informação, com a produção de conteúdos específicos para atrair possíveis investidores, embora a linguagem ainda continuasse um tanto quanto formal. Tudo isso em um cenário de juros com mínimas históricas, terreno fértil para uma mudança de cultura em busca de opções mais rentáveis.
Ao olhar para o mercado externo, Catão deparou-se com a fintech norte-americana Robinhood. Batizada em referência ao personagem que roubava dos ricos para dar aos pobres, a empresa é dona do aplicativo mais popular entre os millennials que investem em ações nos Estados Unidos. Sem cobrar taxas, conta com 4 milhões de usuários e já captou, desde a sua fundação, em 2013, mais de US$ 500 milhões. Segundo matéria da Forbes de 16 de abril, apesar da pandemia, a empresa está em vias de uma nova captação de US$ 250 milhões. Se isso de fato se concretizar, pode levar sua avaliação a US$ 8 bilhões. “Além de abolir as taxas de corretagem, eles também oferecem alternativas freemium [modelo de negócio em que um produto ou serviço é oferecido gratuitamente, mas existem alternativas mais completas que são cobradas] e têm um design que aumenta muito a usabilidade e facilita a experiência”, diz.
Para a empreitada, Catão convidou o amigo de infância Marcelo Zuppardo, especialista em marketing, e Tom Bernardes, expert em tecnologia. Juntos, eles começaram a desbravar as complexas práticas regulatórias do setor, as necessidades tecnológicas e a construção da marca. No primeiro caso, contaram com a ajuda dos principais escritórios de advocacia do país. No segundo, para cortar caminho – em termos de tempo e dinheiro – optaram por usar a infraestrutura da corretora Ideal CTVM, que, por ter sido lançada recentemente, opera com tecnologia de ponta, na nuvem.
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Assim nasceu, no final do ano passado, a Guru, que, além da missão de facilitar e baratear os investimentos no mercado de ações, pretende trabalhar o conceito de comunidade. Em fevereiro, foi lançada uma versão beta do aplicativo, para um público privado de 1.500 pessoas, que testaram as funcionalidades e deram seus feedbacks. “Somos peritos em colocar o carro na frente dos bois”, brinca Catão, explicando que as operações de compra e venda para o público em geral estarão disponíveis no segundo semestre de 2020.
Por enquanto, o aplicativo, que está na Apple Store e Google Play, oferece dados em tempo real dos indicadores financeiros para acompanhamento. Nas próximas semanas, entrará em operação a gestão de carteira. “A ideia é ir acrescentando funcionalidades aos poucos e acompanhando a reação dos usuários.”
Para viabilizar a Guru, os cofundadores contaram, no primeiro momento, com o financiamento de um grupo de 36 amigos e familiares. Os cofundadores não revelam o valor captado, mas dizem que, a partir de agora, nesse quesito, a referência é o modelo dos bancos digitais europeus, representado por players como os britânicos Revolut e Monzo e o alemão N26 (em vias de desembarcar no Brasil), que sempre se apoiaram em operações de crowdfunding para levantar capital. A operação está sendo estruturada em uma das plataformas de mercado e deve ser lançada em breve. “É aqui que entra o poder da comunidade. Acreditamos que a pessoa que vai investir com a gente tem perfil também para investir em nós”, diz Catão. “Esse nível de participação cria engajamento e acaba formando uma rede. O que queremos, no fundo, é ser um mecanismo mais prático, mais barato e que incentive as pessoas a investirem.”
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Catão reconhece que, nos últimos 18 meses – ou desde que começou a pensar na Guru –, muita coisa mudou nesse mercado, com várias corretoras se adaptando a uma realidade mais condizente com as necessidades dos novos investidores. “Porém, algumas delas ainda são transatlânticos tentando se movimentar”, brinca, referindo-se aos sistemas legados que suportam a infraestrutura. “Outras estão trabalhando com quatro, cinco produtos. Nós queremos ser a melhor opção em renda variável. Acreditamos que esse é o melhor caminho para o engajamento que estamos buscando.”
A meta dos cofundadores da Guru passa por um market share de 5% até 2024, numa projeção feita sobre a conjuntura atual que prevê R$ 190 milhões em receita por ano até lá. Mas tudo pode mudar, principalmente se houver uma alteração cultural no comportamento dos brasileiros em relação aos seus investimentos. Embora o número de investidores na bolsa tenha dobrado em 2019 na comparação com 2018, eles são apenas 0,5% da população total do país. O que significa que o potencial a ser explorado é até difícil de mensurar.
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